— Não, mas sei que há muitos homens que procedem assim.
— Não sabes que podia ficar magoado com a tua suposição? Que ideia fazes de mim? É assim que dizes amar-me?
— Eu amo-te — respondi ingenuamente. — Mas receava que tu não gostasses de mim.
— Até agora já te dei alguma razão que te fizesse supor que não gosto de ti?
— Não, mas nunca se sabe…
— Olha! — disse-me bruscamente. — Tu indispuseste-me de tal maneira que vou já levar-te ao atelier.
E fez menção de pôr o carro em andamento. Assustada, deitei-lhe as mãos ao pescoço e supliquei:
— Não, não! Que tens? Falei por falar… faz de conta que nada disse.
— Há coisas que não se dizem quando não se pensam… e quando se pensam é porque não se ama!
— Mas eu amo-te!
— Eu não! — disse-me em tom sarcástico. — Como tu disseste, tive sempre a ideia de me divertir à tua custa e depois deixar-te. É estranho que só agora tenhas dado por isso!
— Mas, Gino, porque me falas dessa maneira? — gritava eu, desfazendo-me em lágrimas.
— Nada — respondeu, pondo o carro em andamento — Vou levar-te ao atelier.
O carro pôs-se em marcha e Gino ao volante tinha um ar carrancudo e duro. Eu quando vi, pelo vidro, as árvores e os marcos quilométricos deslizarem, e as primeiras casas da cidade, sucedendo-se ao campo, aparecerem no horizonte, desatei a chorar.
Pensava que minha mãe iria rejubilar quando soubesse da nossa zanga e que Gino, como ela tinha previsto, me deixaria. Num gesto desesperado abri a portinhola do carro, inclinei-me para a frente e gritei:
— Ou páras ou atiro-me para a estrada.
Olhou-me, o carro abrandou, voltou por um caminho lateral e parou atrás de uma elevação coroada por uma ruína. Gino desligou o motor, travou e, voltando-se para mim, disse com impaciência:
— Então, coragem! Vá! Fala!
Eu julgava realmente que ele me queria abandonar e pus-me a falar com um fogo e uma paixão que me pareceram ao mesmo tempo ridículos e comoventes quando os recordo hoje. Explicava-lhe até que ponto o amava: cheguei a dizer-lhe que se ele não casasse comigo seria o mesmo, porque me contentaria com ser sua amante. Escutava-me com um rosto sombrio, abanando a cabeça e repetindo de vez em quando:
— Não, não, por hoje acabou. Amanhã talvez me passe! Quando lhe disse que para mim era suficiente ser sua amante, respondeu com fervor:
— Não, não! Casados ou nada!
Discutimos durante muito tempo, e várias vezes a exibição da sua lógica, tão perversa como indiscutível, levou-me ao desespero e às lágrimas. Depois, gradualmente, a sua atitude inflexível pareceu modificar-se; por fim, depois de o ter beijado longamente e ameigado sem qualquer resultado, tive a impressão de ter conseguido uma grande vitória quando o convenci a descer comigo e vir possuir-me no assento traseiro do carro num abraço inconfortável, que o meu angustioso desejo de lhe agradar achou demasiado curto e cheio de uma amarga ansiedade. Eu devia ter compreendido ser esse, no meu próprio interesse, o último dos procedimentos a adoptar. Era entregar-me completamente nas suas mãos, mostrar-lhe a minha disposição de me entregar a ele, não apenas por puro ímpeto amoroso, mas também para o prender e convencer a concordar comigo quando as palavras não chegassem para isso: precisamente a conduta das mulheres que amam sem a certeza de serem amadas: Mas eu estava completamente cega pela atitude perfeita que a sua falsidade lhe permitia tomar. Ele dizia e fazia sempre as coisas que devia dizer e fazer. E eu, na minha inexperiéncia, não me apercebia de que esta perfeição pertencia mais à imagem convencional do amante que eu própria tinha criado do que ao homem que estava na minha frente. Mas a data do casamento tinha sido fixada e comecei logo a ocupar-me dos preparativos. Combinei com Gino que, pelo menos nos primeiros tempos, faríamos vida em comum com minha mãe.
Além da grande sala, da cozinha e do quarto, havia uma outra divisão que minha mãe, por falta de dinheiro, nunca tinha chegado a mobilar. Guardávamos aí os objectos partidos e inutilizados; e pode imaginar-se o que seriam os objectos partidos e inutilizados de uma casa como a nossa, onde tudo parecia inutilizado!
Depois de muitas discussões assentámos num programa mínimo: mobilaríamos esse quarto e eu faria um pequeno enxoval. Nós éramos muito pobres, mas eu sabia que minha mãe tinha algumas economias, e que esse dinheiro tinha sido posto de parte para mim a fim de poder fazer face — dizia ela — a qualquer eventualidade.
Quais poderiam ser essas eventualidades? Não era muito claro; seguramente que não a possibilidade de eu casar com um homem pobre e de futuro incerto. Fui ter com minha mãe e disse-lhe.
— Esse dinheiro que puseste de parte foi para mim, não foi?
— Foi.
— Pois bem! Se me queres fazer feliz, dá-mo agora para arranjar o quarto, para onde iremos, eu e o Gino. Se é verdade que o guardaste para mim, chegou o momento de mo dares!
Esperava reprimendas, discussões, e por fim uma recusa. Pelo contrário, minha mãe acolheu o meu pedido com a maior calma e mostrou de novo aquela serenidade sardônica que tanto me tinha aborrecido na noite em que visitara a moradia.
— E ele não vai contribuir com qualquer coisa? — perguntou-me, voltando-se.
— Há-de dar, com certeza — respondi, mentindo. — Ele já disse. Mas também eu tenho de contribuir com a minha parte.
Ela estava a coser ao pé da janela. Para falar interrompera o seu trabalho.
— Vai ao quarto, abre a primeira gaveta do armário… encontrarás uma caixa de cartão… está lá a caderneta da Caixa Económica e o ouro. Leva-a e o ouro também… Ofereço-te.
O ouro era pouca coisa: um anel, um par de brincos e um pequeno fio. Mas desde a minha infância, magro tesouro escondido debaixo dos trapos e só entrevisto em circunstáncias extraordinárias, tinha incendiado a minha imaginação. Impetuosamente beijei minha mãe: afastou-me sem brutalidade, mas com frieza, declarando:
— Cuidado com a agulha… podes picar-te!
Mas eu não estava satisfeita. Não me bastava ter obtido aquilo que queria; pretendia mais: que minha mãe estivesse como eu.
— Mãe! — gritei. — Se fizeste isto só para me dar prazer, então prefiro não aceitar!
— Decerto que não foi para lhe dar prazer a ele! — respondeu, recomeçando a coser.
— Realmente não acreditas no meu casamento com Gino? — perguntei com uma voz acariciadora.
— Nunca acreditei. E hoje menos que nunca.
— Mas então porque me deste o dinheiro para arranjar o quarto?
— Não é dinheiro mal gasto. Os móveis e as roupas sempre ficam… Mobília ou dinheiro é a mesma coisa.
— Então não me acompanharás aos armazéns para me ajudares a escolher?
— Por amor de Deus! — gritou. — Nem quero mesmo ouvir falar nisso! Arranjem-se, vão vocês, escolham… eu não quero saber de coisa alguma!
Acerca do meu casamento ela era intratável; eu acreditava que a sua atitude não era ditada só pela conduta, pelo carácter e pela situação de Gino, mas principalmente pela maneira como ela encarava a vida. Não havia espírito de contradição nesta sua atitude, mas somente completa inversão das ideias correntes. As outras mulheres desejam com obstinação que as filhas se casem; minha mãe há muito tempo que com a mesma tenacidade esperava que eu não me casasse.
Existia uma espécie de aposta entre mim e minha mãe. Ela queria que eu não me casasse e me desse conta do bom fundamento das suas ideias. Eu desejava que este casamento se efectuasse e que minha mãe se convencesse de que a minha maneira de pensar é que estava certa. Agarrava-me à esperança de me casar com a sensação de jogar desesperadamente toda a minha vida numa só cartada. Mas sentia ao mesmo tempo, não sem amargura, que minha mãe vigiava os meus esforços e tentava fazer-me soçobrar. Devo mencionar aqui mais uma vez que a maldita perfeição de Gino não se desmentia nem mesmo por ocasião dos preparativos para o casamento. Tinha dito à minha mãe que Gino ajudaria às despesas. Menti, porque até então Gino nem sequer tinha aludido a essa possibilidade. Fiquei, pois, ao mesmo tempo surpreendida e contente no dia em que Gino, sem que eu nada lhe tivesse pedido, me ofereceu uma pequena soma de dinheiro, para me ajudar. Desculpou-se da mesquinhez da quantia, explicando-me que não me podia dar mais, porque tinha urgência em mandar dinheiro aos seus. Quando hoje penso nesta dádiva não posso explicá-la senão pela extraordinária fidelidade ao papel que decidira representar: fidelidade proveniente talvez do remorso de me enganar e do pesar de não poder casar comigo, como agora realmente desejava.