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Era extremamente cortês, mesmo cerimonioso. Gisela apresentou-mo dando-lhe o nome de Estevão Astárito e tive logo a convicção de que se tratava do senhor distinto cujas galantes propostas ela me tinha transmitido. Mas não fiquei contrariada por travar este conhecimento, porque no fundo achava que as suas propostas nada tinham de ofensivo: lisonjeavam-me mesmo, num certo sentido. Estendi-lhe a mão; levou-a aos lábios com uma devoção estranha, de uma intensidade quase dolorosa. Depois subi, ele sentou-se ao meu lado e o carro arrancou. Enquanto o automóvel rolava por entre campos amarelecidos, sobre uma estrada nua e inundada de sol, não falámos quase nada. Eu estava feliz por andar de automóvel, feliz por dar um passeio, feliz pelo ar que passava atrás da janela e me batia em cheio no rosto.

Era talvez a segunda ou terceira vez na minha vida que eu dava um passeio longo de automóvel e tinha receio de não o desfrutar bastante; escancarava os olhos procurando observar o maior número possível de coisas: molhos de palha, quintas, árvores, campos, colinas, bosques. Pensava que passariam meses, talvez anos, antes que eu pudesse dar um passeio igual, que tinha que gravar todos os pormenores na memória de maneira a possuir uma recordação precisa que lembraria sempre que quisesse. Mas Astárito, afastado, muito direito, não parecia ter olhares senão para mim. Os seus olhos melancólicos e cheios de desejo não largavam por um instante a minha cara e o meu corpo; realmente o seu olhar dava-me a sensação de um dedo que ele passasse lentamente sobre toda a minha pessoa. Não direi que esta atenção me desgostasse, mas embaraçava-me.

Pouco a pouco senti-me no dever de me ocupar dele e de lhe falar. Estava sentado com as mãos sobre os joelhos; num dos dedos brilhava, com uma aliança, um anel ornado com um brilhante.

— Que anel tão bonito! — disse-lhe estouvadamente. Ele baixou os olhos para o anel sem mexer a mão e respondeu:

— Era o anel do meu pai. Tirei-lhe do dedo quando morreu.

— Oh! — disse para me desculpar. Depois acrescentei, indicando a aliança: — É casado?

— Com certeza que sim! — respondeu com uma espécie de ar complacente. — Tenho mulher e filhos.

— É bonita a sua mulher? — perguntei timidamente.

— Menos que você — disse-me sem sorrir, em voz baixa e enfática, como se anunciasse uma verdade importante. E a mão em que brilhava o anel tentou agarrar a minha. Desembaracei-me rapidamente dela e perguntei, para dizer qualquer coisa:

— Vive com ela?

— Não — respondeu-me. — Ela mora em… — e disse o nome de uma longínqua cidade de província — e eu aqui. Vivo só… Espero que venha visitar-me.

Fingi não me aperceber desta entrada, insinuada de uma maneira trágica e convulsa, e perguntei:

— Porque… não gostaria de viver com a sua mulher?

— Estamos legalmente separados — explicou-me, amuando. — Quando me casei era um garoto… foi minha mãe quem arranjou o casamento… Sabe bem como estas coisas se passam… uma rapariga de boa família, com um belo dote… são os pais que combinam o casamento, mas são os garotos que se devem casar! Viver com uma mulher… você seria capaz de viver com uma mulher como esta?

Tirou a carteira do bolso do peito, abriu-a e estendeu-me uma fotografia. Vi duas garotinhas com ar de gémeas, morenas, pálidas, todas vestidas de branco. Atrás delas, com as mãos pousadas nos seus ombros, uma mulherzinha morena e pálida, com os olhos unidos como os de um mocho e expressão maldosa.

Devolvi-lhe a fotografia. Ele tornou a guardá-la na carteira e depois disse-me num sopro:

— Não… queria viver consigo.

— O senhor não me conhece de lado algum! — respondi, desconcertada com a sua obsessão.

— Conheço-a muito bem. Há um mês que a sigo. Sei tudo a seu respeito.

Falava e continuava a ficar respeitosamente distante. Mas incessantemente a sua paixão dilatava-lhe os olhos.

— Estou noiva! — declarei-lhe.

— Gisela disse-me — pronunciou com voz estrangulada.

— Mas não falemos do seu noivo, que importa? — e fez um pequeno gesto com a mão, de afectada indiferença.

— Mas a mim importa-me, e muito — continuei. Olhou-me e repetiu:

— Gosto imensamente de si.

— Já dei por isso.

— Agrada-me enormemente — prosseguiu. — Talvez nem se aperceba de que maneira me agrada.

Falava realmente como um louco. Mas o que me tranqüilizava era ele estar sentado longe de mim e não tentar mais pegar-me na mão.

— Nada há de mau em que eu lhe agrade — disse-lhe.

— E eu, agrado-lhe?

— Não.

— Tenho dinheiro — disse ele com a cara crispada. Tenho muito dinheiro para a fazer feliz. Se vier ter comigo, verá que não terá de se arrepender!

— Não preciso do seu dinheiro — respondi com calma, quase com indiferença.

Pareceu não ouvir e disse, olhando-me:

— Você é muito bela!

— Obrigada.

— Tem uns lindíssimos olhos.

— Acha?

— Acho… e a sua boca é também muito bonita… quereria beijá-la.

— Porque me diz essas coisas?

— O seu corpo também o gostaria de cobrir de beijos… todo o seu corpo.

— Porque me fala dessa maneira? Estou noiva e casaremos dentro de dois meses.

— Desculpe, mas dá-me prazer falar destas coisas. Faça de conta que não é consigo. — Ainda estamos muito longe de Viterbo?

— Estamos quase a chegar… Almoçaremos lá. Prometa-me que se sentará ao meu lado à mesa.

Desatei a rir, porque no fim de contas uma paixão tão violenta lisonjeava-me:

— Está bem — disse eu.

— Vai sentar-se ao meu lado como agora — prosseguiu ele. — Contento-me em respirar o seu perfume.

— Mas eu não uso perfume! — exclamei.

— Hei-de oferecer-lhe um frasco, deixe estar! — respondeu.

Tínhamos chegado a Viterbo e o carro abrandou a velocidade para entrar na cidade. Durante todo o trajecto, Gisela e Ricardo, sentados à nossa frente, tinham-se conservado em silêncio. Mas quando começámos a percorrer lentamente as ruas repletas de gente, Gisela voltou-se para trás e disse-me:

— Como vai isso aí, com os dois? Tu julgas, se calhar, que nós nada vimos?

Astárito ficou calado, mas eu protestei:

— Tu não podias ter visto coisa alguma… temos vindo somente a conversar!

— Está bem! Está bem! — respondeu.

Fiquei profundamente admirada e um pouco irritada tanto com a atitude de Gisela como com o silêncio de Astárito.

— Mas se eu te digo… — confirmei.

— Está bem! Está bem! — repetiu ela. — Não estejas com medo! Nós nada diremos ao Gino!

Entretanto tínhamos chegado à praça e descido do automóvel.

Começámos a passear ao longo das ruas pelo meio do povo endomingado sob o sol de Outubro, doce e brilhante. Astárito não me largava um instante, sempre grave, até mesmo sombrio, com a cabeça hirta, emergindo do seu alto colarinho, uma mão no bolso e a outra a balouçar. Tinha o ar não tanto de me seguir, mas de me vigiar. Gisela, pelo contrário, ria alto com Ricardo; muitas pessoas voltavam-se para nos observar.

Entrámos numa pastelaria e tomámos vermute ao balcão. Reparei, de repente, que Astárito murmurava por entre dentes não sei que ameaças e perguntei-lhe o que se passava.

— É aquele imbecil que está ali à porta a olhar para si com uma insistência descarada! — respondeu-me, furioso.

Voltei-me e vi com efeito um rapazola louro, que olhava para mim encostado à porta do café.

— Que mal tem isso? — disse eu alegremente. — Olha-me!… E depois?