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Na realidade, fora atraída à falsa fé, com o espírito completamente ocupado por doces projectos de futuro, aos quais de maneira nenhuma queria renunciar. O que me aconteceu depois foi tão brutal que hoje creio que, de uma maneira ou de outra, acontecem coisas a todos os que tem ambições, por mais modestas, mais inocentes ou mais legítimas que sejam, como era o meu caso. É pelas nossas ambições que a vida nos domina e castiga. Só os abandonados e os que renunciaram a tudo podem considerar-se livres e serenos.

Mas no próprio momento em que me submetia ao destino senti uma dor lúcida e aguda. Uma brusca iluminação — dir-se-ia que o caminho da vida, geralmente tão obscuro e tão tortuoso, aparecia de repente diante dos meus olhos perfeitamente plano e direito — revelou-me tudo o que eu ia perder em troca do siléncio de Astárito. Os meus olhos encheram-se de lágrimas; cobri a cara com as mãos e pus-me a chorar. Compreendi que chorava por excesso de resignação e não por um sentimento de revolta, porque, ao mesmo tempo que chorava, aproximava-me de Astárito. Gisela empurrava-me, repetindo:

— Mas por que demónio estás tu a chorar? Como se fosse a primeira vez!

Ouvi Ricardo rir e senti, embora não os visse, os olhos de Astárito fixos em mim, que me aproximava lentamente, lavada em lágrimas. Depois o seu braço rodeou a minha cintura e a porta do quarto fechou-se nas minhas costas.

Nada queria ver. Parecia-me que ter de sentir o que ia passar-se já era um martírio suficiente. Por isso, apesar dos esforços de Astárito, conservei obstinadamente o meu braço pousado sobre os olhos. Suponho que ele teria querido proceder como qualquer amante, isto é, levar-me lentamente, insensivelmente, gradualmente, a satisfazer os seus desejos.

Mas a minha teimosia obrigou-o a ser mais brutal e mais rápido do que ele desejaria. Por isso, depois de me ter feito sentar na beira da cama e tentado inutilmente convencer-me com carícias, empurrou-me para trás e deitou-se por cima de mim. O meu corpo, da cintura aos pés, estava inerte e pesado como chumbo: nunca mulher alguma foi possuída com mais abstinência e menos colaboração. Mas, entretanto, as minhas lágrimas secavam. E quando ele se deixou cair, ofegante, sobre o meu peito, tirei o braço da cara e abri os olhos.

Tenho a certeza de que nesse momento eu era tão amada por Astárito quanto uma mulher pode ser amada por um homem, seguramente muito mais do que por Gino. Lembro-me de que ele não se cansava de me acariciar a testa e o rosto, com gestos convulsivos e apaixonados, tremendo da cabeça aos pés e murmurando-me palavras de amor. Mas enquanto me acariciava eu seguia o fio dos meus pensamentos secretos. Revia o meu quarto com os seus móveis novos, ainda não completamente pagos, e sentia uma espécie de amargo alívio. Agora já nada me impedia de casar-me e de viver a vida a que aspirava. Mas ao mesmo tempo sentia que a minha alma tinha mudado irremediavelmente: onde antigamente só havia esperança, ingenuidade e frescura existia agora segurança e resolução. Em resumo, sentia-me mais rica de uma força triste e privada de amor.

Acabei por pronunciar as primeiras palavras desde que tínhamos entrado no quarto.

— São horas de sairmos.

E ele respondeu imediatamente em voz baixa:

— Estás zangada comigo?

— Não.

— Odeias-me?

— Não.

— Gosto tanto de ti! — murmurou ele.

Voltou a cobrir-me o rosto de beijos furiosos. Passados momentos, disse-lhe:

— Está bem, mas temos de voltar para a sala.

— Tens razão — concordou ele.

E levantou-se de cima do meu corpo, começou, pareceu-me, a vestir-se no escuro. Tornei a vestir a minha roupa, levantei-me e acendi o candeeiro da mesinha-de-cabeceira. A sua luz amarelada, o quarto apareceu-me tal como o seu cheiro a fechado e a alfazema mo tinham feito imaginar: um tecto baixo caiado, papel pintado nas paredes e móveis maciços. Num canto havia um lavatório com tampo de mármore, duas bacias e dois jarros de água com flores cor-de-rosa e verdes, debaixo de um espelho com moldura dourada. Fui ao lavatório, deitei um pouco de água na bacia, molhei uma ponta da toalha e lavei os lábios de onde Astárito tinha tirado todo o bâton com os seus beijos, depois os olhos, ainda vermelhos de chorar. De um fundo manchado cor de ferrugem o espelho devolvia-me uma imagem dolorosa de mim própria que me aturdiu por momentos a alma entorpecida e cheia de compaixão. Depois voltei a mim, ajeitei o melhor que me foi possível o cabelo e voltei-me para Astárito. Ele esperava-me ao pé da porta; assim que me viu pronta, abriu o batente, evitando olhar-me e voltando-me as costas. Apaguei a luz e segui-o.

Fomos alegremente recebidos por Gisela e por Ricardo, sempre com o mesmo humor amalucado e indiferente. Como antes, eles não tinham compreendido a minha dor, nem entendiam a minha serenidade de agora. Gisela gritou:

— Tu és uma boa sonsa! Não querias, não querias, mas parece que aceitaste bem depressa e de muito bom grado!… Fizeste bem se isso te deu prazer, mas não valia a pena teres-te feito tão rogada.

Olhei-a. Parecia-me estranhamente injusto que ela, que me obrigara a ceder a ponto de me segurar os braços para que Astárito me beijasse mais a seu jeito, censurasse agora a minha complacência. Ricardo, com o seu bom senso, fez-lhe notar:

— Estás a ser pouco lógica, Gisela… Tu, que de começo insististe tanto, agora quase a censuras por ela o ter feito.

— Pois decerto! — insistiu duramente Gisela. — Se ela não queria, fez mal… Eu, por exemplo, se não quisesse, não me deixaria convencer nem pela força. Mas ela… ela queria — acrescentou, considerando-me com um ar descontente. — Ela queria e muito! Eu bem a vi no carro antes de chegarmos a Viterbo. É por isso que ela não precisava de se fazer tão rogada.

Calei-me, quase admirando a perfeição de uma crueza ao mesmo tempo impiedosa e inconsciente. Astárito aproximou-se de mim e tentou agarrar-me a mão. Repeli-o e fui sentar-me ao fundo da mesa.

— Mas olhem para Astárito! — gritou Ricardo desatando a rir. — Parece que vem de um enterro!

Verdadeiramente, à sua maneira, com uma gravidade lúgubre e o seu ar mortificado, Astárito parecia compreender-me melhor do que os outros.

— Vocês estão sempre a brincar! — disse ele.

— Talvez quisesses que começássemos a chorar, não? — gritou Gisela. — Agora vocês vão ter paciência e esperar por nós como nós esperámos por vocês… Cada um por sua vez! Anda, querido, vamos!

— Tenham cuidado, hem! — recomendou Ricardo levantando-se depois dela.

Estava visivelmente embriagado e nem ele sabia bem porque dissera para termos cuidado.

— Vamos! Vamos!

Saíram por sua vez da sala de jantar, deixando-nos sós, a mim e a Astárito. Eu estava sentada a uma ponta da mesa e Astárito na outra. Um raio de sol entrava pela janela, iluminando violentamente os pratos em desordem, os copos ainda meio cheios e os guardanapos sujos — e batia em cheio na cara de Astárito, que conservava a sua expressão triste e sombria.

Satisfizera o seu desejo, mas o olhar que me deitava conservava a mesma intensidade dolorosa dos primeiros momentos do nosso encontro. Apesar do mal que me fizera, senti-me cheia de piedade por ele. Compreendia como ele tinha sido infeliz antes de me possuir, e como, apesar de ter conseguido o seu fim, não tinha deixado de o ser. Primeiro sofrera porque me desejava; agora sofria porque eu não retribuía o seu amor. Mas é precisamente na piedade que o amor tem a sua inimiga; se o odiasse, talvez um dia viesse a amá-lo. Mas não o odiava.

Nutrindo por ele, como já disse, apenas compaixão, a única coisa que eu poderia sentir por ele era antipatia, frieza e repulsa.