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Ficámos longamente silenciosos na sala cheia de sol, esperando o regresso de Gisela e de Ricardo. Astárito fumava sem descanso, acendendo uns cigarros nos outros. E, através das nuvens de fumo de que se rodeava raivosamente, lançava-me os olhares eloquentes de um homem que tem muito que dizer, mas a quem falta a coragem de falar. Eu estava sentada junto da mesa, com as pernas cruzadas, e todos os meus sentidos se condensavam num único desejo: ir-me embora. Não sentia fadiga, nem vergonha; mas gostaria de estar só para poder reflectir à minha vontade no que me tinha acontecido. Absorvido por este grande desejo de partir, o meu espírito vazio divagava continuamente e observava futilidades: a pérola que Astárito usava na gravata, o desenho do tapete, uma pequena nódoa de molho de tomate na minha blusa, uma mosca que passeava tranquilamente na borda de um copo; irritava-me comigo própria por não ser capaz de pensar em coisas mais sérias. Mas esta futilidade veio em meu auxílio quando Astárito, vencendo a sua timidez, me perguntou, a custo:

— Que estás a pensar?

Reflecti durante um momento, e depois respondi, com tranquilidade:

— Parti uma unha e não sei como foi.

Isto era verdade. Mas o seu rosto tomou uma expressão de incrédula amargura e renunciou definitivamente a conversar comigo.

Pouco depois, felizmente, Gisela e Ricardo saíram do quarto, um pouco ofegantes, mas tão alegres e despreocupados como antes. Ficaram admirados do nosso silêncio e da nossa gravidade, mas fazia-se tarde e o amor tinha tido neles um efeito oposto ao que tivera sobre Astárito: tinha-os tranquilizado e acalmado. Gisela voltava até a mostrar-se afectuosa para comigo, pondo por completo de parte a excitação e a crueldade de que dera provas antes e durante a chantagem de Astárito. Pensei que essa chantagem tinha sido para ela uma espécie de novo tempero sensual para a insipidez da sua ligação com Ricardo. Na escada passou o braço em volta da minha cintura e murmurou:

— Porque estás com essa cara? Se estás preocupada por causa do Gino, podes ficar descansada. Nem eu nem o Ricardo falaremos nisto a alguém.

— Estou fatigada — menti.

O meu temperamento impede-me de guardar rancor seja a quem for; bastava aquele gesto de amizade de Gisela para dissipar por completo o meu ressentimento.

— Eu também me sinto cansada — disse ela. — Deve ser do vento que apanhei na cara.

Daí a momentos, parada à porta do restaurante, enquanto os dois homens caminhavam na direcção do carro, acrescentou:

— Não ficaste zangada comigo pelo que se passou?

— Que ideia! — respondi. — Que culpa tiveste disso? Assim, depois de ter tirado todas as satisfações que a sua intriga podia proporcionar-lhe, queria ainda ter a certeza de que não lhe guardava rancor. Tive a impressão de ter lido com clareza no seu espírito, e foi precisamente porque não queria que ela compreendesse isso, o que decerto a humilharia, que tentei por todos os meios ao meu alcance dissipar os seus temores e mostrar-me afectuosa. Dei-lhe um beijo e disse-lhe:

— Porque havia de me zangar agora contigo? Tu sempre pensaste que devia deixar o Gino e juntar-me com o Astárito.

— Isso é verdade! — afirmou ela com ênfase. — E continuo a pensá-lo!? Mas tu, pelo contrário… Tenho medo de que nunca me perdoes.

Mostrava-se ansiosa, e eu, por um curioso contágio, estava ainda mais ansiosa do que ela, porque temia que adivinhasse os meus verdadeiros sentimentos.

— Isso só prova que não me conheces bem — respondi com simplicidade. — Bem sei que é só por amizade para comigo que queres que eu deixe o Gino, porque estar com ele é contra os meus interesses. E é muito possível que tenhas razão! — terminei, mentindo novamente.

Tranquilizada, agarrou-me por um braço e disse-me, num tom de serena confidência:

— Queria que me compreendesses… Astárito ou outro qualquer, tanto faz, contanto que não seja o Gino. Se soubesses a pena que me faz ver uma rapariga bonita como tu prejudicar-se dessa maneira… Pergunta ao Ricardo: passo o dia a falar-lhe de ti…

Exprimia-se, como era seu hábito, sem meias palavras: e eu tinha o cuidado de aprovar tudo o que ela dizia, quer concordasse quer não. Chegados ao carro, ocupámos os mesmos lugares da vinda e partimos.

Durante a viagem de regresso conservámo-nos os quatro em siléncio. A expressão de Astárito ao olhar para mim exprimia mais um sentimento de mortificação do que de desejo; mas agora os seus olhares não me incomodavam, nem eu sentia, como à vinda, a necessidade de lhe falar e de ser amável com ele.

Absorvia com prazer o vento que me batia na cara e entretinha-me a verificar, por meio dos marcos quilométricos, a progressiva diminuição da distáncia que nos separava de Roma. A certa altura senti a mão de Astárito tocar na minha e percebi que tentava obrigar-me a pegar em qualquer coisa como um bocado de papel. Admirada, pensei que, não ousando falar-me, recorrera ao expediente de escrever para comunicar comigo. Mas, baixando os olhos, vi que se tratava de uma nota de banco dobrada em quatro.

Ele olhava fixamente para mim, ao mesmo tempo que tentava fazer com que os meus dedos se fechassem sobre a nota. Por momentos apeteceu-me atirar-lhe com ela à cara, mas ao mesmo tempo compreendi que isso não passaria de um gesto puramente exterior, ditado mais por um preconceito do que por um profundo impulso da alma. O sentimento que nesse momento tomou conta de mim causou-me extraordinário espanto: depois disso, nas numerosas vezes que recebi dinheiro de homens, nunca mais o tive tão claro e tão intenso; era um sentimento de cumplicidade e de acordo sensual, que nenhuma das suas carícias, no quarto do restaurante, tinha podido inspirar-me. Este sentimento de inevitável sujeição revelou-me de repente um aspecto do meu carácter até aí completamente desconhecido para mim. Eu sabia, com absoluta certeza, que devia recusar esse dinheiro, mas ao mesmo tempo sentia que o desejava aceitar. E isto não tanto por avidez como pelo raro e novo prazer que o facto dava à minha alma.

Apesar de firmemente resolvida a aceitar a nota, fingi recusá-la, num gesto de puro instinto. Astárito insistiu, sem deixar de me fitar nos olhos. Então passei a nota da mão esquerda para a direita. Sentia-me tomada por uma estranha excitação que me fazia corar e me dificultava a respiração.

Se nesse momento Astárito tivesse podido adivinhar o que se passava em mim, talvez tivesse pensado que o amava. Ora nada era menos verdadeiro; era somente o dinheiro, o modo como me tinha sido dado e o motivo dessa dádiva que actuavam sobre o meu espírito. Senti Astárito pegar-me na mão e levá-la aos lábios. Deixei-o beijá-la e depois retirei-a. Não voltámos a olhar um para o outro até à nossa chegada a Roma.

Logo que chegámos à cidade separámo-nos rapidamente uns dos outros, como se cada um de nós tivesse a consciência de ter cometido um crime e quisesse esconder-se. A verdade é que nesse dia todos nós tínhamos cometido qualquer coisa que podia considerar-se um crime: Ricardo, por estupidez, Gisela, por inveja, Astárito, por luxúria, e eu, por inexperiência.

Ricardo desejou-me boas-noites. Astárito, grave e comovido, não teve coragem senão para me apertar silenciosamente a mão.

Tinham-me levado a casa, e, apesar da minha fadiga e dos meus remorsos, lembro-me de que não me foi possível evitar um sentimento de vaidosa satisfação ao descer deste belo carro diante da porta, perante os olhares da família do ferroviário que ocupava a casa do lado e que nos espreitava por uma janela.

Corri para o meu quarto e a primeira coisa que fiz foi olhar para o dinheiro. Descobri que não era apenas uma, mas sim três notas de mil, e durante momentos, sentada na borda da minha cama, senti-me feliz. Este dinheiro, além de chegar para pagar o que eu ainda devia dos móveis, permitia-me comprar outras coisas de que precisava. Como nunca tinha tido em meu poder uma tal importância, não me fartava de olhar para o dinheiro.