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Entrou e eu ajoelhei-me em frente da grade. Uma placazinha pregada sobre o confessionário indicava o nome do padre: Élie; este nome ainda me inspirou mais confiança; entrou, ajoelhou-se, fez uma breve oração e perguntou:

— Há muito tempo que não se confessa?

— Há quase um ano — respondi.

— É muito tempo… muito tempo… Porquê?

Notei que falava mal o italiano, carregando muito os erres como fazem os franceses. Dois ou três erros que cometeu pronunciando à italiana palavras estrangeiras fizeram-me compreender que era efectivamente francés. O facto de ser estrangeiro agradou-me também, sem eu saber verdadeiramente porquê. Talvez porque quando se faz qualquer coisa a que se dá importância tudo o que nos parece insólito apresenta-se-nos como um bom agoiro.

Disse-lhe que a longa história que lhe iria contar lhe explicaria o motivo das interrupções das minhas confissões.

Após um curto silêncio, perguntou-me o que tinha para lhe dizer. Então, com muito entusiasmo e confiança, contei-lhe as minhas relações com Gino, a minha amizade com Gisela, o passeio a Viterbo e a chantagem de Astárito. Enquanto falava não me podia impedir de pensar no efeito que lhe fariam as minhas confidências. Este não era um padre como os outros; o seu aspecto altivo, com ar de homem do mundo, levava-me a perguntar quais as razões que o teriam levado a tornar-se frade. Pode parecer estranho que depois da extraordinária emoção que a minha prece à Virgem me provocara, eu me pudesse distrair ao ponto de me interessar pelo meu confessor; mas não vejo contradição entre esta curiosidade e esta emoção. Elas vinham do fundo da minha alma, onde a devoção e a coquetterie, a aflição e a sensualidade, faziam uma indissolúvel mistura.

Embora pensasse nele como acabo de dizer, experimentava uma doce consolação e uma avidez reconfortante por contar tudo. Tinha a impressão de me afastar cada vez mais da pesada angústia que me tomara, como uma flor ressequida que recebe enfim as primeiras gotas de chuva. Comecei por me exprimir penosamente, com hesitações, depois falei correntemente, e por fim a minha sinceridade era veemente e cheia de esperança.

Nada omiti, nem mesmo o dinheiro que recebera de Astárito, os sentimentos que essa oferta me tinham inspirado e o uso que tencionava fazer ele. Ouviu-me sem fazer nenhum comentário. Quando acabei declarou :

— Para evitar uma coisa que lhe parecia um prejuízo, quer dizer, o rompimento do seu noivado, acedeu a praticar uma acção mil vezes mais grave para si própria…

— É verdade — disse-lhe, palpitante e contente por os seus dedos delicados me abrirem a alma.

— Na realidade — continuou ele, como se falasse consigo próprio —, o vosso noivado nada tem a ver com isto… Entregando-se a esse homem cedeu apenas a um impulso de avidez.

— É verdade! É verdade!

— Pois bem! Era preferível que o vosso noivado se desmanchasse a ter feito o que fez.

— Também eu penso assim!

— Não basta pensá-lo. Agora vai casar, é verdade, mas por que preço? Nunca poderá ser uma esposa honesta.

Estas palavras duras e inflexíveis atingiram-me. Explodi num grito de angústia:

— Ah! Por isto não! — disse-lhe. — Para mim é como se absolutamente nada se tivesse passado. Estou certa de que serei uma esposa honesta!

A sinceridade da minha resposta deve ter-lhe agradado. Fez uma grande pausa e depois repetiu com uma voz mais doce:

— Sente um arrependimento sincero?

— Ah! Sim! — respondi impetuosamente.

De repente, tive a ideia de que ele me iria impor a devolução do dinheiro a Astárito. Se bem que já sentisse a pena que me fazia devolver-lho, nem sequer me passou pela cabeça desobedecer-lhe, sobretudo porque a ideia viria dele, o que me agradava e me subjugava de uma maneira singular. Mas, sem fazer a menor alusão ao dinheiro, ele continuou, na sua voz fria e distante, à qual a sua pronúncia estrangeira dava apesar de tudo um acento afectuoso:

— Agora vai casar o mais depressa possível… Regularizar a sua situação. Deve dizer ao seu noivo que não podem continuar a encontrar-se assim.

— Já lhe disse.

— E que respondeu ele?

Não pude deixar de sorrir ao pensar no belo rapaz louro que me fazia esta pergunta do fundo do confessionário escuro.

Respondi, não sem esforço:

— Disse-me que nos casaríamos na Páscoa.

— Era melhor que casassem já… — disse-me, depois de um momento de reflexão.

E desta vez tive verdadeiramente a impressão de que não era um padre quem me falava, mas um homem do mundo, cortés, um pouco aborrecido por ter de se ocupar dos meus assuntos.

— Vem longe a Páscoa !

— Não podemos antes… Tenho de fazer o enxoval e ele tem de ir à terra para falar aos pais.

— Seja como for — continuou ele —, tem de casar o mais depressa possível, e até ao dia do casamento deve interromper completamente todas as relações carnais com o seu noivo… É um grande pecado! Percebeu?

— Está bem — prometi.

— Promete? — perguntou como se duvidasse. — De qualquer maneira, fortifique-se contra as tentações pela oração. Procure rezar.

— Sim… Rezarei.

— Quanto a esse outro homem — prosseguiu —, nunca mais o deve tornar a ver, seja a que pretexto for… Isso não lhe deve ser difícil, visto não gostar dele… Se ele insistir e se a procurar, não o receba.

Respondi-lhe que o faria. Então, depois de algumas recomendações pronunciadas com voz fria e reticente e ao mesmo tempo tão agradável de escutar devido ao seu acento estrangeiro e à cortesia que dele emanava, ordenou-me como penitência que recitasse todos os dias um certo número de orações e deu-me a absolvição. Mas antes de ma conceder quis que eu rezasse um padre-nosso com ele. Aceitei com alegria porque era de má vontade que me ia embora e porque ainda não me tinha saciado da sua voz.

— Pai Nosso que estais nos Céus — disse ele.

E eu repeti.

— Pai Nosso que estais nos Céus…

— Venha a nós o Vosso Reino…

— Venha a nós o Vosso Reino…

— Seja feita a Vossa vontade assim na Terra como no Céu…

— Seja feita a Vossa vontade assim na Terra como no Céu…

— O pão nosso de cada dia nos dai hoje…

— O pão nosso de cada dia nos dai hoje…

— Perdoai-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores…

— Perdoai-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores…

— Não nos deixeis cair em tentação e livrai-nos de todo o mal…

— Não nos deixeis cair em tentação e livrai-nos de todo o mal…

— Amen.

— Amen.

Transcrevo inteiramente oração para reviver o sentimento que experimentei ao recitá-la com ele: a impressão de ser muito pequenina e de que ele me conduzia pela mão de uma frase à outra. Mas, entretanto, eu pensava no dinheiro que me tinha dado Astárito e sentia-me quase decepcionada porque ele não me tinha imposto que o devolvesse. Com efeito, eu teria desejado que ele mo tivesse ordenado para lhe dar uma prova concreta da minha boa vontade, da minha obediéncia e do meu arrependimento, e poder fazer por ele uma coisa que era para mim um real sacrifício. Acabada a oração, levantei-me. Ele também saiu do confessionário e fez menção de se ir embora sem me olhar. Era justo, visto que me tinha feito um ligeiro cumprimento com a cabeça. Então, quase sem querer e sem reflectir, puxei-lhe a manga do hábito. Parou e fixou-me com os seus olhos azuis-claros, frios e serenos. Pareceu-me ainda mais belo, mil ideias loucas me atravessaram o espírito.