Sonhei que poderia amá-lo; pensei na maneira de lhe mostrar que ele me agradava. Mas ao mesmo tempo a voz da minha consciéncia advertiu-me de que estava na igreja, que este homem era um padre e o meu confessor. Todas estas ideias e estas lutas me atacaram ao mesmo tempo, produzindo no meu espírito uma grande confusão: senti-me por momentos incapaz de falar. Então, depois de uma espera razoável, ele perguntou-me:
— Queria dizer-me mais alguma coisa?
— Queria saber — disse eu — se devo restituir o dinheiro àquele homem.
Lançou-me um rápido olhar, mas directo e que me atingiu até ao fundo da alma; depois, disse com brevidade:
— Faz-lhe muita falta?
— Faz, sim.
— Então pode guardá-lo. Mas proceda segundo a sua consciéncia.
Disse estas palavras num tom seco, como para me indicar que nada mais havia a dizer, e eu balbuciei um “obrigada” sem sorrir, olhando-o fixamente nos olhos. Realmente, naquele momento tinha perdido a cabeça; esperava talvez que, de uma maneira ou de outra, por um sinal ou por ama palavra, ele me fizesse compreender que eu não lhe era indiferente. Ele sentiu com certeza a intenção do meu olhar: ligeiro clarão de espanto passou no seu rosto. Esboçou um cumprimento, voltou-me as costas e partiu, deixando-me junto do confessionário confusa e cheia de perturbação.
Nada disse a minha mãe da minha confissão, como nada lhe tinha dito sobre o passeio a Viterbo. Eu sabia que ela tinha a respeito dos padres e da religião ideias bem determinadas.
“Eram — dizia ela — coisas muito belas; mas, entretanto, os ricos continuavam ricos e os pobres pobres ficavam.” — “Por aí se vê — concluía — que os ricos sabem rezar melhor do que nós”.
As ideias da minha mãe sobre religião eram as mesmas que sobre a família e o casamento; fora piedosa e praticante e tudo lhe tinha corrido mal; por isso já não acreditava. Quando uma vez lhe disse que a nossa recompensa estava no outro mundo, ela enfureceu-se e declarou-me que a recompensa a queria já e neste mundo e que se não a tinha era porque “tudo isso não passava de mentiras”! Contudo, tendo começado por ser piedosa, ela tinha-me dado, como já disse, uma educação religiosa. Só no decorrer dos últimos anos é que mudara de ideias.
No dia seguinte de manhã, quando entrei para o carro de Gino ele disse-me que os patrões tinham ido para fora por alguns dias e nós podíamos encontrar-nos na moradia. O meu primeiro movimento foi de alegria, porque — julgo já o ter dito — amar agradava-me e gostava de fazer amor com Gino. Mas logo a seguir lembrei-me da promessa feita ao meu confessor e declarei:
— Não, não posso.
— Porquê?
— Porque não é possível!
— Está bem! — disse com um suspiro de condescendência. — Então será amanhã…
— Não… amanhã também não… nunca mais!
— Ah! Nunca mais! — repetia ele afectando assombro. — Nunca! Então penso que ao menos me irás dar uma explicação…
Tinha uma expressão desconfiada e ciumenta.
— Gino — disse-lhe muito depressa… — Amo-te… muito… Nunca te amei tanto como neste momento… Mas é justamente por te amar… que acho melhor que até ao dia do nosso casamento nada haja entre nós, e nada… quero dizer… que não tenhamos relações.
— Ah! Agora está tudo explicado! — declarou maldosamente. — Tens medo que eu já não queira casar contigo, hem?
— Não, estou certa de que casarás. Se eu tivesse essa desconfiança não fazia todos estes preparativos… Não teria gasto o dinheiro que a minha mãe levou toda a sua vida a pôr de lado.
— Oh! Como tu pões nos píncaros esse dinheiro da tua mãe! — disse-me.
Depois, tornando-se tão desagradável que nem o reconhecia:
— Então, porquê?
— Fui-me confessar e o meu confessor proibiu-me de ter relações contigo até que estejamos casados.
Ele fez um gesto de desapontamento e soltou uma exclamação de teve em mim o efeito de uma praga.
— Mas com que direito é que esse padre vem meter o nariz nas nossas coisas?
Preferi não lhe responder. Ele insistiu:
— Então, porque não respondes?
— Nada mais tenho para dizer.
Sem dúvida que eu lhe devia ter parecido inflexível, porque de repente, mudando de ideias, declarou:
— Está bem, está! Então queres que te leve outra vez para a cidade?
— Como quiseres.
Devo dizer que foi esta a única vez que ele foi pouco gentil e desagradável para mim. No dia seguinte parecia resignado e mostrou-se como sempre tinha sido: afectuoso, cortês e amável.
Continuámos a ver-nos todos os dias, como de costume; somente não nos possuíamos e limitávamo-nos a conversar. De tempo a tempo, dava-lhe um beijo, coisa que ele tinha resolvido nunca mais me pedir. Parecia-me que beijá-lo não era pecado, porque, no fim de contas, éramos noivos e casaríamos em breve.
Quando me recordo desses dias imagino que se Gino se resignou tão depressa a esse papel de noivo respeitador foi com a esperança de que as nossas relações arrefecessem gradualmente e lhe fosse possível levar as coisas a um rompimento definitivo. Depois de longos e extenuantes dias de noivado, acontece a muitas raparigas encontrarem-se livres sem outra perda que a da sua juventude evaporada. Com esta ordem do meu confessor, ofereci-lhe sem o saber o pretexto que ele procurava para relaxar as nossas relações. Como ele tinha um carácter egoísta e fraco, e como o prazer que lhe davam as nossas intimidades era mais forte do que a vontade de me abandonar, por ele nunca teria tido coragem para o fazer. Mas a intervenção do confessor permitiu-lhe adoptar uma solução hipócrita e aparentemente desinteressada.
Ao fim de algum tempo, começou a encontrar-se comigo menos frequentemente; não todos os dias, mas dia sim dia não. Percebi que o trajecto dos nossos passeios de automóvel encurtava gradualmente e que ele cada vez dava menos atenção às minhas conversas sobre o casamento. Mas, mesmo dando-me conta, embora obscuramente, de todas estas mudanças de atitude, de nada suspeitava, não só porque estas mudanças se iam processando quase insensivelmente, mas também porque ele continuava a portar-se comigo da forma habituaclass="underline" afectuoso e gentil. Um dia, por fim, tomou um ar contrito e anunciou-me que, por razões de família, a data do nosso casamento tinha de ser adiada.
— Isso contraria-te muito? — acrescentou, ao verificar que eu não comentara a novidade e me limitava a olhar em frente, com um ar amargo e sonhador.
— Não, não! — disse contendo-me. — Não tem importáncia… paciência… assim terei tempo de acabar o meu enxoval.
— É absolutamente falso! Contraria-te e muito! Ele tinha curiosidade em saber até que ponto o atraso do casamento me desgostava.
— Já te disse que não.
— Então se isso não te contraria, quer dizer que não me amas sinceramente e que no fundo talvez até não te contrariasse se não nos casássemos?
— Não digas isso! — proferi com pavor. — Para mim seria uma coisa terrível! Nem quero pensar!
Nesse mesmo momento não compreendi a expressão que o seu rosto tomou. Com efeito, ele quis ver até que ponto eu ainda estava interessada nele e percebeu com grande desapontamento que o meu sentimento por ele era ainda muito forte.
Se o adiamento do meu casamento não levantou suspeitas no meu espírito confirmou a impressão de minha mãe e de Gisela. Minha mãe não fez comentários imediatos; isso acontecia-lhe às vezes, e esta atitude era estranha, atendendo ao seu carácter impulsivo e violento. Mas uma noite, depois de me servir o jantar, como habitualmente, de pé, em silêncio, eu fiz já não sei bem que alusão ao meu casamento. Então ela declarou: