— Estou bem — disse-lhe. — Nunca me senti tão bem.
— Quando nos veremos?
— Quando quiseres, mas desejava que o nosso encontro fosse como dantes… quero dizer aí na moradia, se os teus patrões vão para fora.
Ele compreendeu logo as minhas intenções e respondeu vivamente:
— Eles só devem partir daqui a dez dias, pelas festas do Natal; não antes.
— Então — disse-lhe num tom indiferente — ver-nos-emos daqui a dez dias.
— Mas como? — perguntou-me, admirado. — Porque não antes?
— Antes tenho que fazer.
— Mas que tens tu? — perguntou-me num tom desconfiado. — Tens alguma coisa contra mim?
— Não — respondi. — Não tenho nada contra ti; se tivesse alguma coisa contra ti, não te diria que nos veríamos na moradia.
Lembrei-me de repente de que ele podia ter ciúmes e aborrecer-me ; por isso acrescentei:
— Não tenhas medo… amo-te como sempre… somente, tenho que ajudar minha mãe a acabar uma encomenda extraordinária, por causa das festas… como não poderei sair de casa senão muito tarde, e tu tarde nunca estás livre, preferi esperar que os teus patrões se vão embora.
— Mas de manhã?
— De manhã dormirei! — respondi. — A propósito, sabes que já não sou modelo?
— Porquê?
— Cansava-me… Estás contente, não estás? Então encontramo-nos daqui a dez dias… Eu telefono-te.
— Está bem!
Ele disse “Está bem!” com um ar pouco convencido, mas eu conhecia-o suficientemente para ter a certeza de que, apesar das suas suspeitas, ele não daria sinal de vida antes dos dez dias que eu combinara. Ou melhor, era precisamente por ter ciúmes que não daria sinal de vida. Não era corajoso, e a ideia de que eu pudesse ter descoberto a sua falsidade enchia-o de susto e punha-o nervoso. Depois de ter reposto o auscultador reparei que falara a Gino com uma voz tranquila, amável e afectuosa; e podia tornar a vê-lo sem o receio de me mergulhar e de mergulhar os nossos encontros numa atmosfera de ódio falso e desagradável.
7
Nessa mesma tarde fui ter com Gisela ao seu quarto mobilado.
Como fazia habitualmente àquela hora, ela acabava justamente de se levantar e começava a vestir-se, para ir ao seu encontro com Ricardo. Sentei-me na sua cama desfeita, e enquanto ela ia e vinha no quarto em penumbra, cheio de objectos e de roupas em desordem, contei-lhe tranquilamente como tinha ido ter com Astárito e como ele me revelara que Gino era casado e tinha uma filha. Ao ouvir a notícia, Gisela soltou uma exclamação que ignoro se era de alegria ou de surpresa, veio sentar-se na cama na minha frente e pousou-me as suas mãos nos ombros, abrindo os olhos:
— Não… não posso acreditar… uma mulher e uma filha… Mas é realmente verdade?
— A filha chama-se Maria.
Era claro que ela desejava aprofundar e comentar a notícia o mais possível e que a minha atitude serena a desconcertava.
— Uma mulher e uma filha… e a filha chama-se Maria… e tu dizes isso dessa maneira?
— Como querias que dissesse?
— Mas não te faz pena?
— Sim, faz-me pena.
— Mas como te disse ele? “Gino Molinari tem mulher e uma filha”? Assim?
— Sim.
— Mas tu, o que lhe respondeste?
— Nada… Que querias que lhe respondesse?
— Mas o que sentiste? Não ficaste quase a chorar? Apesar de tudo, para ti foi um desastre!
— Não. Não tive vontade de chorar.
— Agora é impossível casares com Gino — gritou com ar medidativo e contente. — Mas que história!… Que história! Que falta de consciéncia! Uma pobre rapariga como tu, que só vivia para ele, pode dizer-se… Os homens são todos uns safados!
— Gino — disse eu — ainda não sabe que estou ao facto de tudo.
— No teu lugar, minha filha — declarou, toda excitada —, dava-lhe o que merecia! Um bom par de bofetadas ninguém lhas tirava.
— Marquei encontro com ele para daqui a dez dias — continuei.
— Creio que vamos continuar a ter relações um com o outro.
Recuou e olhou-me com os olhos esbugalhados:
— Mas porquê? Ainda gostas dele? Depois de tudo o que te fez?
— Não — respondi, e, emocionada como estava, instintivamente baixei a voz… — Já não gosto dele… mas… hesitei e fiz um esforço para mentir — os gritos e as bofetadas não são a melhor maneira de nos vingarmos!
Olhou-me um instante semicerrando os olhos e afastando-se como fazem os pintores quando olham os seus quadros. Depois disse-me :
— Tens razão… não tinha pensado nisso… Mas sabes o que faria no teu lugar? Deixava correr, tranquilamente, sem que ele desse por isso e um belo dia, zás! Deixava-o.
Não respondi. Ao fim de um momento, repetiu, com a voz menos exaltada, mas animada e cantante:
— Ainda me parece mentira! Uma mulher e uma filha! E contigo fazia tantas fitas! E fez-te comprar móveis, um enxoval… Que história! Que história!
Eu continuava calada.
— Mas eu já tinha percebido! — gritou com ar vitorioso. — Tens de reconhecer! Que te tinha eu dito? “Este homem não é sincero…” Pobre Adriana!
Deitou-me o braço à roda do pescoço e beijou-me. Deixei-me beijar e acrescentei:
— Sim, o pior é que me fez gastar o dinheiro de minha mãe!
— E tua mãe, sabe?
— Ainda não.
— Pelo dinheiro não te aflijas ! — acudiu. — Astárito está de tal maneira apaixonado por ti!… Basta que queiras e ele te dará todo o dinheiro de que precisares.
— Não quero tornar a ver Astárito — respondi. — Outro não me importo, mas não Astárito!
Devo esclarecer que Gisela não era parva. Percebeu imediatamente que de momento mais valia não falar de Astárito.
Compreendeu também o que eu queria dizer com a frase: “Não me importa outro qualquer.” Fingiu reflectir um momento, depois declarou:
— No fundo tens razão, compreendo-te. Eu também, depois do que aconteceu, sentiria uma certa impressão se tivesse que andar com o Astárito… Ele quer as coisas pela força… foi para se vingar que te contou a história de Gino.
Calou-se de novo, depois disse-me com voz solene:
— Deixa-me agir… queres que te apresente alguém disposto a ajudar-te?
— Quero.
— Deixa-me agir.
— Somente, a ninguém me quero prender; quero ficar livre.
— Deixa-me agir — repetiu pela terceira vez.
— Por agora — continuei — quero devolver o dinheiro à minha mãe… e comprar diversas coisas que me fazem falta. Depois quero que minha mãe deixe de trabalhar — disse como conclusão.
Entretanto, Gisela levantara-se para se ir sentar em frente do toucador:
— Tu, Adriana — disse-me pintando-se a toda a pressa —, tens sido sempre muito boa. Vês agora o que acontece quando se é boa demais?
— Sabes que esta manhã não fui posar? — disse-lhe. Decidi não voltar a ser modelo.
— Fizeste bem — respondeu. — Eu também, de resto, já não posso mais, a não ser para X…, unicamente para lhe fazer um favor, mas quando ele terminar não posarei mais.