Na pastelaria encontrei Gisela acompanhada por um homem de meia-idade, um caixeiro-viajante, que me apresentou com o nome de Jacinto. Sentado, parecia ter uma altura normal, porque tinha os ombros largos, mas de pé parecia quase anão, e a largura de ombros ainda o tornava mais baixo. Tinha o cabelo espesso e branco como prata, que usava em escova sobre a testa, talvez para parecer mais grave, um rosto encarnado, cheio de saúde, com traços nobres e regulares de estátua, uma bela testa serena, grandes olhos pretos, nariz direito e a boca bem desenhada. Mas uma expressão antipática de vaidade, de suficiência e de falsa benevolência tornava esta cara, agradável e majestosa à primeira vista, bastante repulsiva.
Sentia-me um pouco nervosa, e depois de acabadas as apresentações sentei-me sem dizer palavra. Jacinto, como se a minha chegada fosse sem importância, apesar de ser na realidade o motivo da reunião, continuou a conversa que sustentava com Gisela:
— Não podes queixar-te de mim, Gisela — declarou-lhe, pousando-lhe a mão no joelho e conservando-a ali todo o tempo em que falou. — Quanto tempo durou a nossa… a nossa aliança, por assim dizer? Seis meses? Bem! Não podes dizer com verdade que no decurso desses seis meses te deixei uma única vez descontente.
Tinha a voz clara, lenta, acentuada, articulada; mas percebia-se que falava desta maneira, não para se fazer entender, mas para se ouvir ele próprio e julgar cada uma das palavras que pronunciava.
— Não, não! — disse Gisela baixando a cabeça com ar aborrecido.
— A Gisela que te diga, Adriana! — continuou Jacinto com a mesma voz clara e martelada. — Não só nunca a lesei em dinheiro pelo… digamos pelos seus préstimos profissionais, mas todas as vezes que voltava de Milão trazia-lhe sempre um presente. Lembras-te, por exemplo, daquele perfume francês que te trouxe uma vez? E doutra ofereci-te uma combinação de seda natural e rendas. As mulheres julgam que os homens não percebem de roupas interiores de senhora. Mas eu sou uma excepção. Hé! Hé!
Ria discretamente mostrando uma dentadura perfeita, mas de uma brancura estranha que lhe dava um ar de dentadura postiça.
— Dá-me um cigarro! — pediu Gisela com secura.
— É para já! — respondeu com uma solicitude irónica. Ofereceu-me também um, tirou outro para si e, depois de o acender, continuou: — Lembras-te também daquela mala que te trouxe uma vez? Uma grande mala de cabedal leve… uma verdadeira obra-prima! Já não a usas?
— Mas é uma mala para usar de manhã! — disse Gisela.
— Gosto muito de fazer presentes! — proclamou, dirigindo-se a mim. — Não por razões sentimentais, entendamo-nos — acrescentou deitando o fumo pelo nariz —, mas por três motivos bem claros: o primeiro, porque me agrada que me agradeçam; o segundo, porque não há como um presente para se ser bem servido; com efeito quem recebe um presente espera sempre outro: a terceira, porque as mulheres gostam de ilusões e um presente dá a impressão de sentimento, mesmo quando ele não existe.
— És um bom maroto! — disse com ar indiferente Gisela, sem mesmo o olhar.
Ele abanou a cabeça com o seu belo sorriso cheio de dentes.
— Não — disse — não sou maroto. Sou um homem que viveu e que soube tirar boas lições das suas experiências. Com as mulheres sei que é preciso fazer certas coisas, com os clientes outras, com os subordinados outras ainda, e assim por diante. O meu espírito é como um ficheiro bem arrumado. Por exemplo, tenho uma mulher debaixo de olho… tiro a ficha, observo-a, e vejo que certas medidas obtém o efeito desejado e outras não; torno a pôr a ficha no seu lugar e vou agir segundo as circunstáncias, e é tudo!
Calou-se e sorriu de novo.
Gisela fumava com ar aborrecido; eu estava calada.
— E as mulheres — continuou — ficam-me reconhecidas porque compreendem logo que comigo não terão desilusões, que eu conheço as suas exigências, as suas fraquezas e os seus caprichos… como eu fico agradecido ao cliente que escolhe depressa… que não perde tempo a tagarelar… que sabe o que quer e o que eu quero… Em Milão, na minha secretária, tenho um cinzeiro com a seguinte inscrição: “O Senhor abençoa quem não me faz perder tempo.” Deitou fora o cigarro, estendeu o pulso e olhou o relógio dizendo :
— Parece-me que vão sendo horas de irmos jantar.
— Que horas são?
— Oito horas… com licença… venho já.
Levantou-se e afastou-se para o fundo da sala. Era realmente muito pequeno, com os seus largos ombros e a sua escovinha branca em cima da cabeça. Gisela esmagou o cigarro no cinzeiro e declarou:
— É aflitivo! Só fala dele!
— Já dei por isso.
— O melhor é deixá-lo falar e dizer sempre sim. Verás as confidências que ele vai fazer-te… Sabe Deus por quem se toma! Mas é generoso. E dá presentes realmente.
— Sim, mas a seguir atira-os em cara.
Ela não disse palavra. Abanou a cabeça como a dizer “Que havemos de fazer?” Ficámos um momento silenciosas; depois Jacinto voltou. Pagou e saímos da pastelaria.
— Gisela — disse Jacinto logo que chegámos à rua —, a noite está consagrada a Adriana. Mas se nos quiseres dar o prazer de jantar connosco.
— Não, não, obrigada! — disse muito depressa. — Tenho um encontro!
Despediu-se de nós e foi-se embora. Logo que ela se afastou eu disse a Jacinto:
— A Gisela é muito simpática!
Ele fez um trejeito e respondeu:
— Sim, muito… tem um lindo corpo.
— Não a acha simpática?
— Eu — disse-me caminhando ao meu lado e apertando-me com força o braço, muito em cima, quase no sovaco — nunca peço a alguém que seja simpático, mas que faça o que lhe cumpre. A uma dactilógrafa, por exemplo, não peço que seja simpática, mas que escreva rapidamente e sem erros. A uma mulher como Gisela não peço simpatia, mas que saiba do seu ofício, quer dizer que me torne agradáveis as duas ou três horas que lhe consagro. Ora, a Gisela não percebe do seu ofício.
— Porquê?
— Porque só pensa no dinheiro… Tem sempre medo que não lhe paguem ou que não lhe dêem bastante. Não exijo com certeza que ela me ame, mas faz parte da sua profissão portar-se como tal; se realmente não me ama tem de me dar essa ilusão, para isso que lhe pago. Gisela deixa sentir demasiadamente que o fez por interesse… Nem nos dá tempo a respirar de tal modo se chora… Que diabo!
Tínhamos chegado ao restaurante, um sítio barulhento, cheio de gente; os homens pareciam-me do género de Jacinto: caixeiros-viajantes, negociantes, industriais de passagem. Jacinto entrou primeiro, entregou o chapéu e o sobretudo ao homem do bengaleiro e perguntou:
— A minha mesa está livre?
— Sim, senhor Jacinto.
Era uma mesa colocada no vão de uma janela. Jacinto esfregou as mãos e perguntou:
— Você é bom garfo?
— Julgo que sim — respondi-lhe, embaraçada.