— Não faça barulho ao entrar, peço-lhe, porque minha mãe mora comigo.
— Está descansada, filhinha — respondeu-me.
Chegados ao patamar, abri a porta com a minha chave. Jacinto seguia-me; peguei-lhe na mão; sem acender a luz, fi-lo atravessar a antecâmara e conduzi-o até à porta do meu quarto, que era a primeira à esquerda, entrando. Precedida por ele, acendi o candeeiro da mesa-de-cabeçeira e da soleira da porta deitei um olhar aos meus móveis como se fosse uma despedida. Muito contente por encontrar um quarto novo e limpo, quando julgava que o conduzisse a um quarto sujo e com móveis velhos, Jacinto soltou um suspiro de satisfação e tirou o seu sobretudo, que atirou para cima de uma cadeira. Disse-lhe que me esperasse e saí do quarto.
Dirigi-me directamente à sala grande e encontrei minha mãe sentada à mesa central preparada para coser. Quando me viu afastou logo o trabalho e levantou-se sem dúvida com a ideia de me servir o jantar como nas outras noites. Mas eu disse-lhe:
— Não… não te incomodes… Já jantei… Pelo contrário… Tenho alguém no meu quarto e não vás lá, seja a que pretexto for!
— Alguém? — perguntou-me com cara de pasmo.
— Sim, alguém! — disse-lhe apressadamente. — Mas não é Gino. É um “senhor de posição”!
E saí da sala sem esperar qualquer pergunta. Tornei a entrar no quarto e fechei a porta à chave. Impaciente e corado, Jacinto veio ao meu encontro ao meio do quarto e tomou-me nos braços. Era muito mais pequeno do que eu e para pousar os lábios na minha cara, tive que inclinar-me sobre a cama. Procurava evitar que ele me beijasse a boca, dobrando-me para trás como por voluptuosidade. Consegui. Jacinto possuía da mesma maneira que comia; com avidez, sem discernimento nem delicadeza, começando e largando sem propósito, como se tivesse medo de deixar escapar alguma coisa, cego pelo meu corpo, como o estivera pela comida no restaurante.
Depois de me ter beijado, fez menção de me despir, como estávamos, de pé. Pós a mão num dos meus braços e depois, como se esta carne lhe queimasse as ideias, começou a cobrir-me de beijos. Julguei que com os seus gestos bruscos me rasgasse o fato e acabei por lhe dizer sem o repelir:
— Vamos, despe-te.
Largou-me logo e, sentando-se na cama, começou a despir-se. Eu do outro lado fazia o mesmo.
— Mas a tua mãe sabe? — perguntou-me.
— Sim.
— E que diz ela?
— Nada.
— Desaprova?
É claro que estas informações não tinham outro valor que o de dar um pouco de picante à aventura. É um traço comum a todos os homens; são bem poucos os que resistem à tentação de misturar ao prazer interesse de género diferente, indo por vezes até à compaixão.
— Não aprova nem desaprova — disse secamente levantando-me e fazendo passar a saia pela cabeça. — Sou livre de fazer o que me apetece!
Quando fiquei nua arrumei a minha roupa toda sobre uma cadeira e estendi-me de costas em cima da cama, um braço dobrado sobre a nuca e o outro sobre o ventre cobrindo-o com a mão. Não sei porquê, recordei-me que estava na mesma posição daquela deusa pagã parecida comigo que o gordo pintor mostrara a minha mãe numa gravura colorida, e bruscamente senti desgosto e raiva ao pensar na grande mudança que depois disso se operara na minha vida. Jacinto devia estar admirado com a beleza opulenta e sólida do meu corpo, que não se nota, assim como já disse, quando estou vestida, porque parou de se despir e olhou-me com ar deslumbrado, a boca aberta e os olhos espantados.
— Avia-te — disse-lhe. — Tenho frio.
Acabou de se despir e atirou-se para cima de mim. Já falei da sua maneira de amar, que não sei o que me parecia; quanto a ele, suponho já tê-lo descrito suficientemente. Devo acrescentar que era um destes homens para os quais o dinheiro que pagaram ou que irão pagar inspira uma exigência meticulosa, como se temessem ficar roubados se renunciassem a qualquer das coisas que julgam ser-lhes devidas. Era ávido, já o disse, mas não ao ponto de não ter sempre presente o seu dinheiro e de não querer tirar todo o benefício possível. O seu desejo — depressa compreendera prolongar o mais possível os nossos encontros e tirar de mim todo o prazer a que se considerava com direito. Com este principio, esfalfava-se sobre o meu corpo, como sobre um instrumento, exigindo uma longa preparação antes de tocá-lo, e incitava-me a todo o tempo a fazer o mesmo com o dele. Mas, embora lhe obedecesse, comecei logo a aborrecer-me e a observá-lo friamente, como se os seus cálculos tão transparentes o afastassem de mim e como se estivesse a ver de muito longe, através de uma lente de antipatia e de desagrado — não somente a ele, mas também a mim. Era exactamente o contrário do sentimento de simpatia que me esforçara por experimentar por ele no princípio da noite. De repente senti não sei que vergonhosa impressão de remorso e fechei os olhos. Ele acabou por se cansar e ficámos estendidos lado a lado. Sublinhou num tom de satisfação:
— Tens de reconhecer que, apesar de não ser já muito novo, sou um amante excepcional!
— É verdade — respondi com indiferença.
— Todas as mulheres mo dizem — continuou. — Sabes o que penso? Que é nos pequenos barris que se encontra o melhor vinho: há homens grandes, com o dobro do meu tamanho, que nada valem!
Comecei a sentir frio. Sentei-me na cama e puxei a colcha sobre nós. Ele interpretou o meu gesto como uma atenção afectuosa.
— Muito bem! — disse-me. — Agora vou dormir um bocadinho.
Enrolou-se de encontro a mim e adormeceu.
Continuei imóvel, deitada de costas, com a sua cabeça branca sobre o meu peito. A colcha não nos tapava senão até à cintura; olhando-o, vendo o seu dorso peludo, marcado por pregas moles indicando a idade madura, tive uma vez mais a impressão de me encontrar com alguém que me era perfeitamente estranho. Mas ele dormia, e como dormia, já não falava, não olhava, não gesticulava. Neste sono, dado o seu carácter pouco atraente, não ficava, por assim dizer, mais do que a sua melhor parte, que era a de ser um homem como tantos sem profissão, nem nome, nem qualidades, nem defeitos, nada mais que um corpo humano a quem um sopro fazia levantar o peito. Talvez pareça estranho, mas, olhando-o e observando o seu sono confiante, experimentava por ele como que um impulso de afeição e notei as precauções que tomava para evitar qualquer movimento que o pudesse acordar. Era o sentimento de simpatia que eu tinha baldadamente tentado experimentar até agora; a vista da sua cabeça encanecida molemente apoiada sobre o meu peito jovem suscitara-o por fim na minha alma. Esta impressão consolou-me e pareceu-me até sentir menos frio. Experimentei mesmo, por um instante, uma espécie de terna exaltação que humedeceu os meus olhos. Na realidade, eu tinha então — como ainda tenho — um excesso de ternura no coração. Uma ternura, que, por falta dos objectivos legítimos aos quais se devia consagrar, não temia desviar-se sobre pessoas e coisas, quase sempre indignas dela, para não ficar inactiva e vazia. Ao fim de vinte minutos, acordou e perguntou-me:
— Dormi muito tempo?
— Não.
— Sinto-me bem! — disse saindo da cama e esfregando as mãos. — Ah! Como me sinto bem!… Rejuvenesci pelo menos vinte anos!
Depois começou a vestir-se, continuando as suas exclamações de bem-estar e de alegria. Vesti-me também em silêncio. Quando estava pronto, declarou-me:
— Queria tornar a ver-te, filhinha… Como hei-de fazer?
— Telefona a Gisela — respondi. — Vejo-a todos os dias.
— Mas tu estás sempre livre?
— Sempre.
— Viva a liberdade! — e acrescentou, metendo a mão no bolso: — Quanto queres que te dê?
— Paga o que te apetecer — disse-lhe. E acrescentei com sinceridade: — Se me deres bastante, farás uma boa acção porque não sou rica.