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— Onde quer que a deixe? — perguntou-me fechando a porta.

Notei que tinha a voz doce e tive a impressão de que ela me agradava, sem no entanto deixar de notar nela qualquer coisa de falso e de afectado. Acrescentou:

— Bem… para fazer horas vamos dar uma volta… Ainda é cedo! Depois levá-la-ei aonde você quiser.

E o carro partiu.

Saímos do meu bairro e contornámos as muralhas ao longo da avenida exterior; em seguida entrámos numa estrada larga e comprida, ladeada de casebres e de armazéns; por fim chegámos ao campo. Então desatou a correr como doido por uma estrada recta, entre áleas de plátanos. De vez em quando dizia-me sem me olhar, mostrando o conta-quilómetros:

— Agora vamos a oitenta… noventa… cem… cento e vinte… cento e trinta.

Queria impressionar-me com estas velocidades, mas eu estava sobretudo inquieta porque tinha de ir posar e receava que um incidente qualquer nos obrigasse a parar o carro em algum descampado. De repente travou. Bruscamente desligou o motor, voltou-se para mim e perguntou:

— Quantos anos tem?

— Dezoito anos — respondi.

— Dezoito anos… julguei que tivesse mais!

Tinha realmente uma maneira de falar afectada, e por vezes, para sublinhar uma palavra, baixava o tom como se falasse consigo próprio ou dissesse um segredo.

— Como se chama?

— Adriana. E você?

— Gino.

— O que faz? — perguntei-lhe.

— Sou comerciante! — respondeu sem hesitar.

— E o carro ê seu?

Olhou o carro com uma espécie de desdém e declarou:

— É meu, sim.

— Não acredito! — disse-lhe eu com toda a franqueza.

— Não acredita? Estão não é meu! — repetiu sem perder a linha. — Não está má! E porquê?

— Você é o chauffeur?

Ele fingiu um espanto irónico cada vez maior.

— Mas, na verdade, você diz-me coisas fantásticas! Vejam bem: chauffeur! Mas que a fez pensar isso?

— As suas mãos.

Olhou as mãos sem corar nem se desconcertar e confessou:

— Bom! Nada se pode esconder a esta menina. Mas que argúcia! É verdade, sou chauffeur. E agora, está contente?

— Nada mesmo! — respondi duramente. — Quero apenas pedir-lhe que me leve para a cidade o mais depressa possível.

— Mas porquê? Está zangada comigo por eu ter dito que era comerciante?

Estava realmente irritada com ele. Nem eu sabia bem porquê:

— Não falemos mais nisso. Leve-me!

— Mas era uma brincadeira! Então já não se pode brincar?

— Não gosto destas brincadeiras!

— Que mau génio! Eu pensei: é possível que esta rapariga seja alguma princesa… se ela descobre que sou apenas um pobre chauffeur, nem se digna olhar-me… vou dizer-lhe que sou comerciante.

As suas palavras foram astuciosas, porque, lisonjeando-me, faziam-me compreender os seus sentimentos a meu respeito. Por outro lado ele pronunciava-as com uma mistura de graça e de enfatuamento que acabaram de me conquistar.

— Não sou qualquer princesa — respondi. — Ganho a minha vida como modelo, como você ganha a sua como chauffeur.

— Que quer dizer isso de modelo?

— Vou aos ateliês dos pintores. Ponho-me nua e eles pintam-me ou desenham-me.

— Mas você não tem mãe? — perguntou-me com ênfase.

— Com certeza, porquê?

— E a sua mãe consente que se ponha toda nua diante dos homens?

Eu nem sequer tinha sonhado alguma vez que pudesse haver algum mal neste trabalho. Efectivamente, não havia mal algum nisso, mas agradou-me ver tais sentimentos, que denotavam que ele era sério e tinha senso moral. Como já disse, eu tinha sede de normalidade; e ele na sua falsidade tinha compreendido logo (mesmo agora eu não sei como conseguiu adivinhar) as coisas que me devia dizer e as que não devia. Outro qualquer — não pude deixar de pensar — ou teria troçado de mim ou teria demonstrado qualquer indiscreta excitação à ideia da minha nudez. E foi por isso que a primeira impressão que me ficara da sua mentira se modificou sem que eu desse por isso. Pensei que apesar de tudo devia ser um bom rapaz, honesto e sério, muito parecido com o homem que eu sonhava para marido.

Respondi-lhe portanto com simplicidade:

— Foi minha mãe quem me arranjou este trabalho.

— Então é sinal de que ela não gosta de si.

— Não — protestei —, a minha mãe gosta até muito de mim; mas ela também no seu tempo de rapariga foi modelo. E depois asseguro-lhe que nada tem de mal. Há muitas raparigas como eu que fazem este trabalho e são raparigas sérias.

Ele abanou a cabeça em ar de desaprovação e depois pousou a sua mão na minha.

— Sabe que estou bem contente por tê-la conhecido… muito contente!

— Também eu — respondi ingenuamente. Neste momento sentia uma atracção tão grande por ele que quase esperava que me beijasse. Com certeza que se me tivesse beijado eu não teria protestado, mas em vez disso disse-me com voz grave e ar protector:

— Se isso dependesse de mim, você não seria modelo com certeza!

Senti-me imediatamente vítima e experimentei um sentimento de gratidão pela sua consideração.

— Uma rapariga como você — continuou ele — deve ficar na sua casa… precisando… pode trabalhar… Mas é preciso que seja um trabalho digno… um trabalho em que não seja necessário sacrificar-se a pôr em perigo a sua honra. Você é uma rapariga para casa, fundar um lar, ter filhos, fazer companhia ao seu marido.

Era exactamente o que eu pensava e não sabia dizer até que ponto me tornava feliz saber que ele pensava como eu, ou fingia pensar.

— Tem razão — disse-lhe. — Mas não quero que faça uma ideia errada de minha mãe. Foi justamente por ela gostar muito de mim que quis que eu fosse modelo.

— Ninguém o diria! — retorquiu com um ar seriamente comovido e indignado.

— Sim! Ela gosta de mim! Somente, há certas coisas que ela não compreende.

Continuámos a falar de tudo ou pouco, sentados, atrás do pára-brisas, dentro do carro parado. Lembro-me de que estávamos em Maio, que o ar era doce e que as sombras dos plátanos pareciam brincar sobre a estrada até perder de vista.

Ninguém passava, salvo raros automóveis a toda a velocidade. O campo em redor, cheio de sol e muito verde, estava tão deserto como a estrada. Por fim olhou o relógio e disse-me que íamos voltar para a cidade. Durante todo este tempo ele só me tinha pegado na mão, e mesmo isso apenas uma vez. E eu, que esperava que ele tentasse pelo menos beijar-me, estava ao mesmo tempo decepcionada e contente de tanta reserva. Decepcionada porque ele me agradava e não podia deixar de sentir uma grande atracção pela sua boca fina e vermelha quando a olhava. Contente porque a sua atitude confirmava a ideia que tinha a seu respeito, de que era um rapaz sério como eu desejava que ele fosse.