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Falava sempre com a mesma voz razoável e tranquila. O meu confessor ouviu-me até ao fim, sem dizer uma palavra, sem nunca me interromper. Depois ouvi uma horrível voz lenta, arrastada, pronunciar estas palavras:

— As coisas que acaba de me dizer, minha filha, são terríveis, assustadoras; o espírito recusa-se a crer numa coisa destas, mas fez bem em ter vindo confessar-se e farei por si tudo o que puder.

Muito tempo se passara depois da minha última confissão nesta igreja, e no agradável tumulto da minha vaidosa bondade tinha quase esquecido um detalhe bem característico e bem agradáveclass="underline" a pronúncia francesa do padre Élie. Ora aquele que me falara não tinha qualquer acento particular na voz, mas a sua pronúncia era sem dúvida italiana, com os seus toques de futilidade que se notam na voz de alguns padres. Compreendi bruscamente o meu erro e senti, no mesmo instante, uma impressão de gelo, parecida com a que deve experimentar alguém que, ao estender a mão para colher uma bela flor, sente na ponta dos dedos a pele fria e vibrátil de uma serpente. Quanto à desagradável surpresa de me encontrar em frente de um confessor diferente do que tinha imaginado, era igual ao horror que me causou esta voz insinuante e sombria. Encontrei, no entanto, forças para balbuciar:

— Mas vós sois realmente o padre Élie?

— Em pessoa — respondeu o padre desconhecido. — Já cá tinha vindo alguma vez?

— Só uma vez.

Ficou calado durante um momento, depois disse:

— Tudo o que me contou merecia ser examinado de novo ponto por ponto… Não se trata só de uma coisa, mas de várias, das quais algumas lhe dizem respeito, outras a certas pessoas… Naquilo que vos diz respeito já compreendeu que cometeu pecados muito graves?

— Sim — murmurei. — Já sei.

— E sente-se arrependida?

— Julgo que sim.

— Se o vosso arrependimento é sincero — continuou no seu tom confidencial e paternal —, pode com certeza esperar a absolvição… Infelizmente não sois só vós… há também os outros e os crimes dos outros… tendes conhecimento de um crime pavoroso… a vossa consciência não a leva a revelar o nome do culpado, a fim de que seja punido como merece?

Sugeria-me que denunciasse Sonzogne. Não digo que, sendo padre, ele fizesse isso por mal. Mas insinuada desta maneira e com esta voz neste momento, a sua proposta aumentou a minha desconfiança e o meu medo:

— Se digo o nome do autor do crime — balbuciei —, prendem-me também.

— Os homens e Deus — disse ele logo a seguir — apreciariam o vosso sacrifício e o vosso arrependimento. A lei não conhece só o castigo; conhece também o perdão. Em troca de alguns sofrimentos leves em relação à agonia da vítima teria contribuído para restabelecer a justiça, horrivelmente ofendida… Oh! Não ouve a voz do homem assassinado invocar em vão a piedade do seu assassino?

Continuou as suas exortações, escolhendo cuidadosamente as palavras e não sem se comprazer com esta escolha, para compor as frases convencionais e próprias do seu ofício. Mas eu agora não tinha outro desejo que não fosse o de me ir embora, um desejo histérico.

Disse-lhe rapidamente:

— Quanto à denúncia, prefiro pensar… Voltarei amanhã e dir-lhe-ei o que decidi. Encontrá-lo-ei aqui amanhã?

— Com certeza, a qualquer hora!

— Então — disse eu, atônita —, por agora só lhe peço que devolva este objecto.

Calei-me, e ele, depois de uma breve oração, tornou-me a perguntar se me sentia arrependida sinceramente, e ao ouvir a minha resposta afirmativa deu-me a absolvição. Persignei-me e saí do confessionário; nesse momento ele abriu a porta e vi-o na minha frente. Todos os receios que a sua voz me tinham inspirado foram confirmados em seguida pela sua pessoa. Era baixo, mas com uma cabeça grande, que uma espécie de torcicolo crônico mantinha de lado. Não tive tempo de o observar bem, tão grande era a pressa de me ir embora e tão grande era o horror que ele me inspirava. Mas entrevi uma cara entre o moreno e o amarelo, uma grande testa pálida, uns olhos vazios perdidos nas órbitas, um nariz adunco com largas narinas e uma boca grossa e informe com lábios criminosos e violáceos. Não devia ser velho… Não tinha idade. Disse-me com ar aflito, pondo as mãos sobre o peito e acenando com a cabeça:

— Mas porque não veio mais cedo, minha querida filha? Porquê? Que coisas horríveis se teriam evitado!

Desejaria responder-lhe o que pensava, que Deus não quisera que eu viesse! Mas contive-me, tirei da mala a caixa e meti-lha na mão, dizendo com sinceridade:

— Peço-lhe para agir depressa… Não lhe posso dizer como estou atormentada pela ideia de que esta pobre mulher está na prisão por minha causa.

— Hoje mesmo — respondeu-me apertando a caixa contra o peito e abanando a cabeça com ar dolorido e suplicante.

Agradeci em voz baixa e, cumprimentando-o com um movimento de cabeça, sai rapidamente da igreja. Ficou onde o deixei, junto do confessionário, com as mãos no peito e abanando a cabeça.

Quando cheguei à rua, procurei reflectir calmamente sobre o que me acabara de acontecer. Por agora, deixando de parte as minhas primeiras confusas apreensões, compreendi que do que tinha medo, em suma, era de que o padre não respeitasse o segredo da confissão; esforçava-me por aclarar por mim própria os fundamentos do meu receio. Sabia, como toda a gente, que a confissão é um sacramento e como tal inviolável. Sabia também que era quase impossível que um padre, por mais corrupto que fosse, se não sentisse culpado de uma tal violação. Mas, por outro lado, o seu conselho para denunciar Sonzogne fazia-me recear que ele tomasse a iniciativa, se eu não me adiantasse, de denunciar à polícia o autor do crime da Rua Palestro. Era sobretudo a sua voz que me fazia recear o pior. Sou mais emotiva do que reflectida e possuo, como certos animais, uma presciência instintiva do perigo. Todas as razões que me apresentava a minha inteligência para me dar segurança ficavam reduzidas a nada em presença deste pressentimento sem razão. “É bem verdade — pensava eu — que o segredo da confissão é inviolável.” Mas só um milagre pode impedir este padre de denunciar Sonzogne e os outros!

Um outro facto contribuiu para me dar a impressão de uma ameaça de desgraça iminente e misteriosa: a substituição do segundo confessor. Evidentemente que o monge francês não era o padre Élie, se bem que ele me tivesse ouvido no confessionário que tinha esse nome. Então quem era? Arrependi-me de não ter pedido noticias ao verdadeiro padre Élie. Mas ao mesmo tempo dizia que este embirrante padre me teria dito que nada sabia, reforçando assim o carácter de aparição que a silhueta do jovem religioso deixara no meu espírito. Realmente ele tinha muito de fantasma, tanto pela sua figura, tão diferente da dos outros padres, como pela maneira como apareceu na minha vida e como desapareceu. Cheguei a duvidar de que o tivesse visto alguma vez, ou, melhor, de que o tivesse visto em carne e osso, e pensei por momentos numa alucinação, quanto mais não fosse porque eu começava a encontrar-lhe uma indefinida semelhança com Cristo tal como o representam habitualmente nas imagens santas. Mas se assim era, se Cristo me tinha realmente aparecido num momento doloroso e tinha aceite a minha confissão, o facto de um padre repugnante e sórdido o ter substituído era claramente de mau agouro. Isso indicava pelo menos que num momento da maior angústia a religião me tinha abandonado. Era como se num momento de necessidade urgente eu tivesse aberto um cofre que supunha recheado de peças de ouro e aí encontrasse, em lugar delas, poeira, teias de aranha e cotão.

Entrei em casa com o pressentimento de uma desgraça que a minha confissão iria provocar e fui logo deitar-me sem jantar, convencida de que iria ser presa e esta seria a última noite que passaria em casa. Devo dizer, no entanto, que não experimentava o menor medo nem o menor desejo de fugir ao meu destino. Uma vez passado o primeiro pavor, devido a uma fraqueza nervosa comum a quase todas as mulheres, foi substituído na minha alma, não propriamente por um sentimento de resignação, mas por uma verdadeira vontade de aceitar a sorte que me ameaçava. Experimentava mesmo uma espécie de volúpia em deixar-me arrastar até bem ao fundo do que eu imaginava ser o último desespero. Tinha a impressão de me sentir de qualquer maneira protegida pelo excesso da desgraça e pensava com um certo prazer que, à parte a morte, que já não me assustava agora, coisa alguma me podia acontecer de pior.