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— Procura o Sr. Diodatti?

— Sim.

— Prenderam-no.

Não percebi bem. Não sei porquê liguei esta prisão ao crime de Sonzogne. Balbuciei:

— Preso? Mas ele nada tem com isso…

— Não sei nada — disse-me. — Só sei que fizeram uma busca e prenderam-no.

Pela sua cara zangada compreendi que não me diria nem mais uma palavra e no entanto ainda perguntei:

— Mas porquê?

— Já lhe disse, menina, que nada sei.

— Mas para onde o levaram?

— Não sei.

— Mas diga-me ao menos se deixou algum recado?

Desta vez nem me respondeu; voltou-se e chamou com um ar ofensivo e majestoso:

— Diomira!

A criada de idade reapareceu com a sua cara assustada. A patroa indicou-lhe a porta e disse:

— Acompanhe essa menina. O reposteiro tornou a cair.

Só depois de me encontrar outra vez na rua é que compreendi que a prisão de Jaime e o crime de Sonzogne eram dois factos distintos e independentes um do outro. O único traço a ligá-los era o meu pavor. Discernia sobre o conjunto destes acontecimentos imprevistos e desgraçados as amplitudes de um destino que me cumulava de um só golpe de todos os dons funestos, como a Primavera faz amadurecer ao mesmo tempo os frutos mais diversos. É bem verdade que, segundo o provérbio, uma desgraça nunca vem só. Sentia-o mais do que o pensava enquanto caminhava, de rua em rua, de cabeça baixa e curvando as costas sob um peso imaginário.

Naturalmente a primeira pessoa à qual me lembrei de recorrer foi a Astárito. Sabia de cór o número do telefone da repartição; entrei no primeiro café. O telefone estava livre mas ninguém me respondeu. Liguei várias vezes e acabei por me convencer de que Astárito não estava lá. Devia ter ido jantar: voltaria mais tarde. Estas coisas são assim; mas, como acontece sempre, esperava que justamente desta vez, por excepção, o encontraria na repartição.

Olhei para o relógio. Eram oito horas da noite; Astárito não voltaria antes das dez. Fiquei de pé, à um canto da rua; à minha frente estava uma ponte, percorrida por transeuntes que surgiam em silêncio, escuros e rápidos, como folhas mortas agitadas por uma incessante tempestade. Mas para lá da ponte as casas alinhadas davam uma impressão de tranqüilidade, com as janelas todas iluminadas e as pessoas que iam e vinham por entre as mesas e os outros móveis. Lembrei-me de que não estava muito longe do Comissariado Central, para onde supunha terem levado Jaime. E, se bem que compreendesse ser essa uma tentativa desesperada, decidi ir lá directamente para pedir informações. Sabia de antemão que não mas dariam; mas pouco importava, queria sobretudo fazer alguma coisa por Jaime. Segui por uma rua transversal, caminhei rapidamente rente às paredes, cheguei ao Comissariado, subi alguns degraus e entrei. Diante da porta do porteiro, um polícia que lia o jornal, refastelado numa cadeira, com os pés noutra e o boné em cima da mesa, perguntou-se aonde é que eu ia. “A Secção dos Estrangeiros”, disse-lhe. Era uma das numerosas secções do Comissariado; ouvira falar nela uma vez a Astárito, já não sei a que propósito.

Não sabendo para que lado ir, subi ao acaso os degraus de uma escada suja e mal iluminada. Encontrava continuamente empregados e polícias com as mãos cheias de papéis e colava-me à parede o mais possível, baixando a cabeça. Em todos os andares encontrava corredores sujos e escuros com gente que ia e vinha, depois portas abertas e salas e salas. O Comissariado parecia um enxame atarefado; mas as abelhas que o habitavam não pousavam decerto sobre flores; o seu mel, que eu saboreava pela primeira vez, era fétido, escuro e bem amargo. No terceiro andar, desesperada, enfiei ao acaso por um dos corredores. Ninguém olhava para mim, ninguém me ligava importância. A direita e à esquerda do corredor alinhavam-se portas quase todas abertas; à entrada, agentes sentados em cadeiras de palha falavam e fumavam. No interior das salas vi quase sempre o mesmo espectáculo: rimas e rimas de papéis, um agente sentado a uma mesa, com a caneta na mão. O corredor não era direito: era oblíquo e daí a pouco já não sabia onde estava. De vez em quando enfiava-me por uma passagem mais baixa e então era preciso subir ou descer três ou quatro degraus; cruzava outros corredores parecidos, com outros agentes, portas abertas e mal iluminadas. A certa altura pareceu-me andar num corredor que já tinha percorrido. Como passasse um guarda perguntei-lhe ao acaso: “Onde é o vice-comissário?” Indicou-me com um gesto uma passagem entre duas portas. Desci quatro degraus e enfiei por um corredorzinho direito. Nesse momento, ao fundo, onde esta espécie de lombriga fazia um ângulo recto, abriu-se uma porta e apareceram dois homens; estavam de costas e caminhavam na direcção do canto. Um deles segurava o outro pelo pulso e por um instante tive a impressão de que era Jaime.

— Jaime! — gritei, correndo para os alcançar. Mas alguém me segurou pelo braço. Era um policia muito novo, de cara afilada, moreno, com o quépi enfiado numa massa de cabelos pretos encaracolados.

— Que quer? Quem procura? — perguntou-me. Ao meu grito, os outros dois tinham-se voltado para mim e verifiquei ter cometido erro.

Expliquei com voz ofegante:

— Prenderam um dos meus amigos e queria saber se o tinham trazido para aqui.

— Como se chama ele? — perguntou o agente, sem me largar, com um ar peremptório.

— Jaime Diodatti.

— Que faz ele?

— É estudante.

— Quando o prenderam?

Compreendi que me fazia estas perguntas todas para se dar importância e que nada sabia. Disse-lhe com irritação:

— Em vez de me fazer tantas perguntas era melhor que me dissesse onde é que ele está.

Estávamos sós no corredor. Olhou à volta, depois apertou-me e disse-me num tom claramente cúmplice:

— Pensaremos no estudante mais tarde. Por agora vais dar-me um beijo.

— Não! Não me faça perder tempo! Deixe-me ir embora! — gritei cheia de raiva.

Dei-lhe um encontrão, desatei a correr, penetrei noutro corredor, vi uma porta aberta e para lá dessa porta uma sala maior do que as outras com uma secretária ao fundo, atrás da qual estava sentado um homem de meia idade.

Entrei e perguntei-lhe de um fôlego:

— Queria saber para onde levaram o estudante Diodatti… o que prenderam esta tarde.

O homem levantou os olhos da secretária, onde estava um jornal desdobrado, e perguntou-me, estupefacto:

— Queria saber…

— Sim… para onde levaram o estudante Diodatti, preso esta tarde.

— Mas quem é a menina? Como se atreveu a entrar aqui?

— Isso agora não interessa… diga-me só onde é que ele está.

— Mas quem é a menina? — repetiu berrando e dando socos na mesa. — Como se atreveu? Sabe onde está?

Compreendi que não conseguiria saber coisa alguma e que em compensação corria o risco de ficar presa também. E então não poderia já falar a Astárito e Jaime ficaria na prisão.

— Não tem importância. Enganei-me. Desculpe — disse retirando-me.

As minhas desculpas ainda o enfureceram mais que as minhas perguntas anteriores. Mas agora eu já estava ao pé da porta.

— Entra-se e sai-se fazendo a saudação fascista! — gritou mostrando-me um cartaz suspenso sobre a sua cabeça.

Disse que sim com a cabeça, para confirmar que ele tinha razão, que era verdade, que se devia entrar e sair fazendo a saudação fascista e saí da sala recuando. Percorri o corredor todo, acabei por encontrar a escada depois de vaguear um pouco ao acaso e desci à pressa. Tornei a passar em frente do porteiro e saí para o ar livre.

O único resultado desta ida à polícia fora o ter-me feito passar um pouco de tempo. Calculei que se fosse devagarinho até ao Ministério de Astárito demoraria talvez três quartos de hora, até mesmo uma hora. Uma vez lá próximo sentar-me-ia num café e telefonaria a Astárito daí a vinte minutos.