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Enquanto andava veio-me à ideia a possibilidade de esta prisão de Jaime ser uma vingança de Astárito. Astárito tinha uma posição importante, justamente na polícia política; com certeza que havia muito tempo que eles vigiavam Jaime e que sabiam da nossa ligação; nada havia de improvável que o seu cadastro tivesse passado pelas mãos de Astárito e que fosse ele, levado pelos ciúmes, que tivesse dado a ordem para prenderem o estudante. A esta ideia senti uma espécie de furor contra Astárito. Sabia que ele continuava sempre apaixonado por mim; sentia-me capaz, se as minhas suspeitas tivessem fundamento, de o fazer expiar amargamente a sua má acção, não sem pensar também com pavor que as coisas talvez não se tivessem passado dessa maneira e que com as minhas frágeis armas me preparava para combater um adversário obscuro e sem rosto, mais parecido com uma máquina bem afinada do que com um homem sensível e acessível a paixões.

Quando cheguei em frente do Ministério renunciei à ideia de me sentar num café e fui directamente telefonar.

Ao primeiro toque, desta vez, alguém levantou o auscultador e a voz de Astárito respondeu-me.

— Sou eu… a Adriana — disse eu impetuosamente. — Quero ver-te. Já. Imediatamente… é uma coisa urgente… Estou aqui ao lado do Ministério.

Pareceu-me que reflectia um momento e depois disse-me que podia ir. Era a segunda vez que subia a escada do Ministério de Astárito, mas com uma disposição de espírito bem diferente. Da primeira vez tinha medo da uma chantagem de Astárito, temia que ele desmanchasse o meu casamento com Gino, receava a vaga ameaça que todos os pobres sentem suspensa sobre as suas cabeças nos meios policiais. Chegara com o coração alanceado e a alma trêmula. Agora vinha de espírito agressivo decidida a servir-me de qualquer meio para socorrer Jaime e a fazer por minha vez chantagem com Astárito. Mas o meu amor por Jaime não chegava para explicar a minha agressividade. Neste estado de espírito entrava também o desprezo por Astárito, pelo seu Ministério e, na medida em que Jaime se ocupava da política, mesmo por ele. Nada percebia de política, mas talvez por causa da minha ignorância, ao lado do meu amor a Jaime, a política parecia-me coisa ridícula e sem importância. Lembrei-me de como Astárito gaguejava quando me via ou simplesmente me ouvia e pensava com satisfação que ele não gaguejava com certeza daquela maneira quando falava com os seus chefes — fosse ele Mussolini. Enquanto pensava nestas coisas caminhava com pressa pelos vastos corredores do Ministério e apercebia-me de que olhava com desprezo os empregados que encontrava. Apetecia-me arrancar-lhes os processos verdes ou encarnados que levavam debaixo dos braços e atirá-los pelos ares, espalhando todas aquelas maldosas folhas de interdições e de iniquidades. Disse em tom imperativo ao contínuo que veio ao meu encontro na antecâmara:

— Preciso de falar com o Sr. Astárito… depressa… tenho audiência marcada e não posso esperar…

Olhou-me com admiração, mas não ousou protestar e foi-me anunciar.

Logo que Astárito me viu veio ao meu encontro, beijou-me a mão e conduziu-me para um divã no fundo da sala. Já da primeira vez ele me tinha acolhido da mesma maneira e eu pensava que se portava assim com todas as mulheres que iam ao seu gabinete. Reprimi o mais possível a fúria que me dilatava o peito e disse-lhe:

— Toma cuidado, que se tu fizeste com que prendessem Jaime precisas de libertá-lo o mais depressa possível… senão podes ter a certeza de que nunca mais me verás!

Vi a sua cara tomar uma expressão de profunda admiração e pena. Compreendi que ele de nada sabia.

— Um momento! Que diabo! Qual Jaime? — perguntou-me, balbuciante.

— Julgava que sabias — disse-lhe.

E o mais rapidamente possível contei-lhe a história do meu amor por Jaime e a maneira como tinha sido preso, de tarde. Vi-o mudar de cor quando lhe disse que amava Jaime, mas preferi dizer a verdade porque não só receava prejudicar o meu amante mentindo, mas porque experimentava um desejo violento de gritar o meu amor a toda a gente. Agora, que descobrira que Astárito nada tinha a ver com a prisão, a cólera que me impulsionara até ali caíra; sentia-me de novo fraca e desarmada. Por isso, depois de ter começado a conversa com voz firme e animada, acabara-a num tom lamentoso. Os meus olhos encheram-se de lágrimas quando lhe disse com voz angustiada:

— E depois eu não sei o que lhe farão… Diz-se que lhes batem!

Astárito interrompeu-me:

— Está tranquila. Ainda se fosse um operário!… Mas um estudante…

— Mas eu não quero… não quero que esteja preso! — gritei com lágrimas na voz.

Em seguida calámo-nos. Tentava dominar a comoção e Astárito olhava. Pela primeira vez não me parecia disposto a aceder ao meu pedido. O desapontamento de me saber apaixonada por outro homem devia tornar-lhe repugnante a ideia de me ajudar. Acrescentei, pousando a minha mão na sua:

— Se conseguires que ele saia prometo-te que farei tudo o que tu quiseres.

Fixou-me com ar irresoluto. Se bem que não tivesse vontade alguma de o fazer, inclinei-me para ele e ofereci-lhe os lábios ao mesmo tempo que dizia:

— Então, fazes-me este favor?

Olhou-me hesitando entre o desejo de me beijar e a consciência do significado humilhante de um beijo semelhante, oferecido por pura tentativa de corrupção, com o rosto cheio de lágrimas. Depois afastou-me, levantou-se, disse que esperasse e desapareceu.

Agora já tinha a certeza de que Astárito tinha ido tratar de libertar Jaime. Na minha inexperiência dessas coisas imaginava-o a telefonar, num tom mal humorado, a algum comissário servil, ordenando-lhe que libertasse, imediatamente o estudante Jaime Diodatti. Contava os minutos com impaciência, e quando Astárito reapareceu levantei-me pensando em agradecer-lhe e ir-me logo embora ao encontro de Jaime.

Mas Astárito vinha com uma expressão estranha, desagradável, feita de desilusão, de raiva e de malícia.

— Porque dizes tu que o prenderam? — articulou secamente. — Disparou sobre os polícias e safou-se… um dos agentes está, moribundo, no hospital. Agora se o apanham, e apanham-no com certeza, já nada posso fazer.

O espanto cortou-me a respiração. Não tinha eu tirado as balas do revólver? É verdade que podia ter posto outras sem que eu soubesse. Em seguida senti uma grande alegria, mas era também a alegria de saber que ele matara um polícia, uma acção de que eu o julgava incapaz e que modificava totalmente a ideia que até então eu fazia dele. Admirei-me que a minha alma, habitualmente inimiga de toda a violência, aplaudia o acto desesperado de Jaime: no fundo era a mesma irresistível satisfação que experimentara outrora ao reconstruir na imaginação o crime de Sonzogne; mas desta vez acompanhada de uma espécie de satisfação moral. Em seguida pensava que o encontraria depressa e que fugiríamos juntos para nos escondermos; se fosse preciso iríamos para o estrangeiro, onde eu sabia que os refugiados políticos eram bem acolhidos: e o meu coração dilatava-se de esperança. Pensava ainda que uma nova vida iria realmente começar para mim; dizia para comigo que esta renovação da minha vida a devia a Jaime, à sua coragem, e sentia por ele gratidão e amor. Entretanto Astárito passeava de um lado para o outro no gabinete, com ar furioso e parando de vez em quando para mexer em qualquer coisa em cima da secretária. Eu disse tranquilamente:

— Isto significa que, depois de preso, ele teve coragem: disparou e pôs-se a salvo.

Astárito parou e olhou-me com uma expressão má que lhe crispou o rosto.

— Estás contente, não estás? — perguntou-me.

— É bem feito que tenha morto o polícia — disse eu com sinceridade. — O agente queria metê-lo na prisão… Tu terias feito a mesma coisa!