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— Não valia a pena incomodar-se — disse minha mãe, envaidecida com o que se passava. — Não passam de garotos.

Mas Gino não queria perder a oportunidade de marcar o seu espírito de galanteria cavalheiresca.

— Como não valia a pena? Ainda se fosse com uma dessas mulheres… bem, compreendamo-nos, não é verdade “madame”? Se fosse isso vá lá, mas eu estou com uma senhora e com uma menina honestas e respeitáveis. Aliás, o pateta compreendeu logo que era melhor fazer marcha a trás…

Este incidente completou a conquista de minha mãe, sem contar que Gino a forçava a beber, e que o vinho a embriagava tanto como as suas adulações. Apesar disso, para além da simpatia que ela sentia por Gino, mantinha-se o mau humor que lhe causava o nosso noivado. Por isso não deixou escapar a primeira ocasião que se lhe apresentou para lhe fazer compreender que nada estava esquecido.

Essa oportunidade foi-lhe oferecida por uma conversa acerca da minha profissão de modelo. Não me recordo a que propósito, falei de um novo pintor para quem tinha posado essa manhã.

Gino declarou imediatamente:

— Talvez isto seja idiota e pouco moderno, mas custa-me aceitar que a Adriana se ponha nua diante de todos esses homens…

— E porquê? — perguntou minha mãe com uma voz alterada que me fez temer a aproximação da tempestade.

— Porque me não parece moral.

Não me atrevo a dizer integralmente a resposta que lhe foi dada. Essa resposta estava cheia dos palavrões e das obscenidades que lhe vinham à boca sempre que bebia ou se deixava dominar pela cólera. Mas, mesmo expurgada, a sua diatribe revelava claramente quais eram as suas ideias sobre o assunto.

— Ah, não é moral?! — gritou de tal modo que todos os presentes pararam de comer e se voltaram para nós. — Ah, não é moral? Então o que é moral? Passar todo o santo dia a lavar pratos, cozinhar, passar a ferro, esfregar o chão, e depois, à noite, ver chegar um marido tão estafado como nós, que se deita mal acaba de jantar, se volta para o outro lado e se põe a ressonar como um porco? Isso é que é moral, não lhe parece? Sacrificar-se uma pessoa toda a vida, tornar-se velha e feia e por fim estourar, isso é que é moral? Pois muito bem! Sabe o que lhe digo? Que não se vive mais do que uma vez, e quando se morre, boas-noites! Vá para o diabo com a sua moral! A Adriana faz muito bem em se mostrar nua a quem lhe paga para isso, e ainda faria melhor se… — Aqui uma série de obscenidades, que me fizeram corar, proclamadas aos gritos para toda a gente. — Pela minha parte — continuou — se ela fizesse isto que digo, não só não tentaria impedi-la, como ainda a ajudaria com todas as minhas forças! Desde que lhe pagassem, é claro! — concluiu, depois de um momento de reflexão.

— Tenho a certeza de que não seria capaz disso — respondeu Gino, sem perder a calma.

— Quem?! Eu?! Isso é o que o senhor pensa! Mas de que diabo se convenceu o senhor? De que me causou algum prazer que a Adriana se tivesse comprometido com um pobretanas como o senhor, um simples chauffeur? Que não preferiria mil vezes que ela levasse uma vida de paródia? Julga que eu posso concordar que minha filha, bela como é, capaz de fazer pagar a sua beleza por fortunas, vá condenar-se a ser uma criada sua para toda a vida? Pois, meu amigo, se pensa isso, engana-se! Garanto-lhe que se engana!

Gritava de tal maneira que toda a gente tinha os olhos cravados nela. Eu estava meia morta de vergonha. Porém, Gino, como já disse, mantinha-se perfeitamente calmo e senhor de si.

Aproveitando-se de um momento em que minha mãe se calou para respirar, encheu-lhe o copo e propôs gentilmente, com um sorriso:

— Mais uma gota de vinho?

Ela não soube fazer outra coisa senão dizer: — Obrigado! — e aceitou o copo que Gino lhe oferecia. A nossa volta as pessoas, vendo que apesar de todos aqueles gritos nós continuávamos a beber como se nada se tivesse passado, retomaram as suas conversas. Gino declarou:

— A Adriana, bela como é, merecia levar a vida que leva a minha patroa…

— E que vida leva ela? — apressei-me a perguntar, ansiosa por deixar de ser o assunto da conversa.

— Pela manhã — respondeu ele com vaidade, como se a riqueza dos seus patrões se reflectisse nele próprio — levanta-se aí pelas onze ou meio-dia. Levam-lhe o pequeno-almoço à cama numa bandeja de prata e num serviço de que as peças são também de prata maciça. Depois toma o seu banho, mas antes disso a criada de quarto deita sais na água para a perfumar. A seguir levo-a a dar uma passeio de carro. Toma um vermute em qualquer parte, ou corre as lojas à procura de coisas que lhe agradem. Volta então para casa, almoça, dorme a sesta e passa horas a vestir-se. Também tem armários e armários cheios de coisas! Quando está pronta, sai para fazer visitas ou jantar fora. A noite vai ao teatro ou dançar, e também recebe com freqüência lá em casa. Nessas ocasiões jogam, bebem, ou ouvem música. Uma gente rica, extraordinariamente rica. Só em jóias estou convencido de que a minha patroa possui milhões.

Como as crianças a quem é fácil distrair ou fazer mudar de disposição, minha mãe já se tinha esquecido de mim e do meu injusto destino e esbugalhava os olhos perante a descrição de todo esse esplendor.

— Milhões? — repetiu com avidez. — E é bonita? Gino, que estava a fumar, cuspiu com destreza um fio de tabaco.

— Bonita? Ela?! Credo! É horrorosa. Tão magra que parece uma bruxa!

Continuaram os dois a conversar acerca da fortuna da patroa do Gino, ou, para ser mais exacta, Gino continuou a exaltar a sua riqueza como se a ele próprio pertencesse. Mas, passado o primeiro impulso de curiosidade, minha mãe tinha-se tornado novamente sombria e distraída. E nunca mais abriu boca em toda a noite. Talvez tivesse vergonha de se ter abandonado àquele acesso de cólera; talvez toda aquela riqueza lhe inspirasse inveja e talvez pensasse com despeito na pobreza do homem que eu tinha escolhido para noivo.

No dia seguinte perguntei timidamente a Gino se ela lhe tinha desagradado muito; mas ele respondeu-me que, muito embora não concordando, compreendia o seu ponto de vista cuja origem era uma vida infeliz e cheia de privações. Era digna de pena, concluiu. Além disso via-se bem que se falava daquela maneira é porque gostava muito de mim. Era esta também a minha opinião, e fiquei-lhe agradecida por se mostrar tão compreensivo. Na verdade eu tinha tido muito medo de que a cena que a minha mãe fizera viesse esfriar as nossas relações.

A moderação de Gino, além de me encher de gratidão, reforçou em mim a ideia de que ele era perfeito. Se eu fosse menos cega e menos inexperiente teria compreendido que só a falsidade premeditada pode dar uma impressão de perfeição e que a verdadeira sinceridade apresenta sempre, ao mesmo tempo, qualidades e defeitos.

Em resumo, daí para o futuro a minha posição perante ele seria sempre de inferioridade, porque eu ficaria para sempre convencida de nada lhe ter dado em troca da sua generosidade e da sua compreensão. Talvez se deva atribuir ao estado de alma de uma pessoa que se via cumulada de favores e que deseja instintivamente pagar a sua dívida o facto de, a partir desse momento, eu ter deixado por completo de resistir, como fizera até aí, aos seus gestos amorosos cada vez mais audaciosos. Mas também é verdade — já o disse a propósito do nosso primeiro beijo — que eu me sentia pronta à entrega total, levada ao mesmo tempo por uma força suave e invencível, como acontece com o sono que, para vencer a nossa vontade consciente de não adormecer, nos obriga a dormir fazendo-nos sonhar que estamos acordados tão bem que, abandonando-nos a ele, estamos convencidos de que lhe resistimos.

Recordo-me com impressionante clareza de todas as fases da minha sedução, porque cada uma das conquistas de Gino foi ao mesmo tempo desejada e repelida por mim e porque cada uma delas me deu, ao mesmo tempo, prazer e remorsos. E também porque essas conquistas foram conseguidas com uma lentidão sabiamente premeditada, sem pressas nem impaciências. Gino procedia como um general que ocupa metodicamente um pais e não como um amante ardendo de desejos, e assim foi apossando-se do meu corpo passivo, da boca até ao ventre. Tudo isto, porém, não impediu que mais tarde Gino se apaixonasse violentamente por mim e que a premeditação calculada desaparecesse para dar lugar, senão a um amor profundo, pelo menos a um poderoso desejo que nada saciava.