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OBRAS DO AUTOR

ENSAIO

Comunicação, Difusãb Cultural, 1992; Prefácio, 2001.

Crónicas de Guerra Jr _ Da Crimeia a Dacbau, Gradiva, 2001; Circulo de Leitore^ 2002. Crónicas de Guerra De Saigão a Bagdade, Gradiva, 2002; Círculo de Leitores, 2002. A Verdade da Guerra, Gradiva, 2002; Círculo de Leitores, 2003.

FICÇÃO

A Filha do Capitão, G radiva 2004.

O Codex 632, Gradiva 2005

A Fórmula de Deus, G radiva/ 2006.

O Sétimo Selo, Gradiva 2007

A Vida Num Sopro, Gradiva, 2008.

CONTACTO COM O AUTOR

Se desejar entrar em contacto com o autor para comentar o romance A Vida, Num Sopro, escreva para o e-mail

JIrsnovels@gmail.com

O autor terá o maior gosto em responder a qualquer leitor que se lhe (dirija a propósito desta obra.

JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS

A vida NUM

SOPRO.

R o m a n c e

gradiva

© José Rodrigues dos Santos Gradiva Publicações, S. A.

Revisão de texto: Helena Ramos

Capa: foto: © arquivo do Diário de Notícias, 1939

design gráfico: Armando Lopes Sobrecapa: fotos: © Nina Leen/Getty Images (figura feminina) © IFA-Bilderteam/AIC (estação) design gráfico: Armando Lopes sobre design original de ZERO Werbeagentur Fotocomposição, impressão e acabamento: Multitipo Artes Gráficas, Reservados os direitos para Portugal por: Gradiva Publicações, S. A. Rua Almeida e Sousa, 21 - r/c esq. — 1399-041 Lisboa Telef. 21 393 37

60 — Fax 21 395 34 71 Dep. comerciaclass="underline" Telefs. 21 397 40 67/8 — Fax 21 397 14 11

geral@gradiva.mail.pt/www.gradiva.pt 1." edição: Outubro de 2008 Depósito legal n.° 282 891/2008

gradiva

Editor: Guilherme Valente

Visite-nos na Internet www.gradiva.pt

Ships that pass in the night and speak to each other in passing, Only a signal shown and a distant voice in the darkness; So on the ocean of life we pass and speak one another, Only a look and a voice; then darkness again and silence.

1929

Dorme, mãe Pátria, nula e

postergada

I

O sol jorrava por todas as janelas em cascatas de luz, tépidas e difusas, e os alunos inclinaram-se na sua direcção; pareciam flores em busca do calor meigo que lhes faltava, o rosto procurando a quentura acolhedora com as suas promessas de aconchego. O impiedoso Inverno transmontano aproximava-se, lento mas inexorável, e o calendário pregado à porta marcava 1929.

Luís Afonso passou a mão pelo cabelo, deixou a franja castanho-clara descair-lhe para o lado e espiou furtivamente a fila de janelas para lá do pátio do Liceu Central Emídio Garcia, em Bragança.

Lá estava ela, a beldade do outro dia. Na semana anterior, os olhos castanhos de Luís haviam-se cruzado pela primeira vez com aqueles mesmos olhos cor de mel, verdadeiros rebuçados dourados que espreitavam do outro lado, da ala feminina. Foi um momento breve, o tempo de uma abelha beijar uma pétala, o instante que demora um fugaz palpitar do coração; mas também eterno, eterno como o

incansável cintilar de uma estrela incrustada no firmamento negro ou o contínuo marulhar do mar sobre a areia fulgente da praia.

Eterno.

Aquele efémero momento foi eterno, porque foi com ele que tudo começou.

O olhar dos dois voltou a cruzar-se essa manhã, cada um na sua sala, ele no piso superior, ela no piso inferior, as duas alas separadas pelo pátio; ambos espreitavam pela janela como se o sonho estivesse para lá dela, como se o fluir da vida ali os aguardasse, mas desta vez a rapariga manteve-se um tudo-nada mais a fitá-lo, o olhar de jade prendendo-o no tempo, um instante sem fim, ela com aqueles olhos melífluos, não eram castanhos nem verdes, eram áureos e açucarados, carregados de promessas, olhos quentes e brilhantes. Como o mel.

O momento prolongou-se por três inextinguíveis segundos, tão longos como se o tempo tivesse parado, tão intensos que tudo desapareceu a não ser aquelas jóias hipnóticas, tão fortes que os corações ribombaram descontroladamente no peito; até que ela, com um súbito rubor a colorir-lhe a face delicada, acabou por virar a cara e escondê-la entre os cabelos ondulados com madeixas aloiradas. Um anjo, pensou Luís; era um anjo como nunca se vira por aquelas paragens.

"Então, senhor Afonso? Para onde está o senhor a olhar, pode-se saber?"

Luís estremeceu e voltou bruscamente o rosto, a realidade da aula impondo-se à fantasia da janela; encostado à sua carteira, as pontas dos dedos sujas com o pó branco de giz, o professor de Química observava-o, o bigode a tremelicar de irritação.

"Hã?"

"Aqui não há hã nem meio hã", repreendeu-o o professor. "Faz o obséquio de me dizer para onde estava o senhor a olhar?"

"Eu?"

"Sim, o senhor."

"Oh, nada de especial", devolveu Luís, esboçando um gesto vago com a mão esquerda na direcção do pátio. "Estava apenas a... a ver ali uma pardaleca a pardalar."

O professor observou as raparigas visíveis na fileira de janelas do outro lado e, coruja velha, tamborilou os dedos na madeira rude da carteira do aluno.

"Você é que me saiu um bom pardal."

O toque das onze 'da manhã assinalou o fim da aula e, instantes depois, no meio da enxurrada de alunas que abandonavam a sala em catadupa, a rapariga esgueirou-se pela porta e deslizou pelo corredor na direcção das escadas. Com o coração aos pulos pela temeridade do que planeava fazer, Luís abandonou o lugar onde se ocultara, um discreto pilar estrategicamente colocado diante da sala, apressou o passo atrás dela e apanhou-a já na escadaria; ao ultrapassá-la abriu os braços e, com espalhafato, deixou tombar os cadernos nos degraus, mesmo à frente da beldade dos olhos de mel.

"Perdão", desculpou-se, dobrando o corpo para apanhar os cadernos espalhados diante dela.

"Sou um desastrado." Voltou a cabeça e espreitou-a sobre o ombro, embora se mantivesse debruçado a recuperar o material escolar. "Não se assustou, pois não?"

A rapariga tinha estacado num degrau, pestanejando de surpresa com a confusão gerada a seus pés. Mal o moço a encarou, porém, recuperou do espanto e reconheceu-o; era o rapaz da janela.

Num relance estudou-o da cabeça aos pés, procurando o que a longínqua janela escondera. O rapaz era mais alto e bem constituído do que parecia à distância; tinha os sapatos impecavelmente engraxados, as roupas claras vinham limpas e bem passadas, o cabelo liso castanho-claro brilhava à luz do dia, os pelinhos de adolescente-que-se-faz-homem nasciam--lhe nos cantos da boca e os expressivos olhos castanhos brilhavam na face máscula e quadrada de varão atraente. Era a primeira vez que o encarava de perto e reconheceu nele um ar bem tratado; o rapaz vinha certamente de boas famílias.