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A beleza branco-prateada de Allosimanius Syneca desfilava abaixo deles. Zaphod ficou na cama, com uma cabeça enfiada embaixo de um travesseiro enquanto a outra montava quebra-cabeças até tarde.

Trillian assentiu pacientemente mais uma vez, contou até um número bem grande e depois disse a si mesmo que a coisa mais importante agora era fazer com que Zaphod

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falasse.

Tendo desativado todos os robôs sintomáticos da cozinha, preparou a refeição mais fantasticamente deliciosa que ela podia conceber ― carnes sutilmente untadas, frutas perfumadas, queijos de aromas delicados e vinhos finos de Aldebaran. Levou a comida até Zaphod e perguntou-lhe se gostaria de conversar.

― Vá se zarcar! ― foi a resposta.

Trillian assentiu pacientemente para si mesma, contou até número muito maior que o anterior, colocou suavemente a bandeja de lado, foi até a sala do transporte e teleportou-se para fora daquela vida idiota dele.

Ela sequer programou as coordenadas. Não tinha a menor idéia para onde estava indo, apenas foi ― uma fileira de pontinhos flutuando aleatoriamente pelo Universo.

― Qualquer coisa ― disse para si mesma ao sair ― é melhor que isto.

― Também acho ― murmurou Zaphod para si mesmo, depois virou-se e fracassou completamente em dormir.

No dia seguinte, ele andou inquieto pelos corredores na nave, fingindo não estar procurando por ela, apesar de saber que não estava mais lá. Ele ignorou as perguntas insistentes do computador a respeito do que estava acontecendo por lá e acabou conectando uma mordaça eletrônica num par de terminais.

Depois de um tempo, começou a desligar as luzes. Não havia nada para ser visto. Nada iria acontecer.

Deitado na cama, uma noite ― e a noite agora era contínua na nave ―, decidiu tomar jeito e colocar as coisas em perspectiva. Com um movimento rápido, sentou-se e começou a vestir as roupas. Decidiu que, em algum lugar do Universo, deveria haver alguém se sentindo mais desprezível, miserável e abandonado do que ele mesmo e estava determinado a encontrar essa pessoa.

A meio caminho da ponte ocorreu-lhe que poderia ser o Marvin. Então voltou para a cama.

Foi algumas horas depois, enquanto estompeava desconsolado através dos corredores escuros xingando as portas alegres, que ele ouviu dizerem "uop", coisa que o deixou bem nervoso.

Encostou-se, tenso, contra a parede do corredor e franziu o cenho como alguém que tentasse endireitar um saca-rolhas por telecinesia. Pressionou a ponta de seus dedos contra a parede e sentiu uma vibração incomum. Além disso, agora podia ouvir claramente leves ruídos e também podia ouvir de onde estavam vindo ― era da ponte.

― Computador? ― sussurrou.

― Mmmm? ― respondeu o terminal mais próximo, também sussurrando.

― Há mais alguém nesta nave?

― Mmmmmm ― disse o computador?

― Quem é?

― Mmmmmm mmmm mm mmmmmmmm.

Zaphod enfiou uma de suas caras em duas de suas mãos.

― Por Zarquon ― murmurou. Então olhou pelo corredor na direção da entrada da ponte, meio distante, da qual ruídos mais sugestivos estavam vindo e onde estavam situados os terminais amordaçados.

― Computador ― murmurou de novo.

― Mmm?

― Quando eu retirar a mordaça...

― Mmm.

― ...me lembre de dar um soco em minha própria boca.

― Mmmm mmmmm?

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― Qualquer uma. Me diga apenas uma coisa. Uma vez significa sim, duas significa não. É algo perigoso?

― Mmm.

― É?

― Mmm.

― Você não disse "mmm" duas vezes agora?

― Mmm mmm.

Avançou lentamente pelo corredor, como se na verdade estivesse querendo sair correndo na outra direção, o que era verdade.

Estava a dois metros da porta para a ponte de comando quando percebeu, horrorizado, que ela iria ser gentil com ele.

Parou imediatamente. Não havia sido capaz de desligar os circuitos vocais de cortesia das portas.

A porta que levava à ponte estava fora do campo de visão de quem estivesse lá

dentro, por conta da forma fascinantemente recurvada que usaram ao projetar a ponte. Zaphod esperava poder entrar sem ser visto.

Desanimado, apoiou-se novamente contra a parede e disse algumas palavras que deixaram sua outra cabeça bastante chocada.

Deu uma olhadela para o contorno rosado da porta e descobriu que, na escuridão do corredor, podia entrever o tênue Campo Sensor que se estendia para fora, pelo corredor, e avisava à porta quando havia alguém para quem ela deveria se abrir e para quem ela deveria fazer uma alegre e agradável observação.

Pressionou o corpo com força contra a parede e foi se esgueirando em direção à

porta, encolhendo o peito o máximo possível para evitar contato com o perímetro muito, muito fracamente iluminado do campo. Segurou a respiração e parabenizou-se por ter passado os últimos dias jogado na cama, em vez de tentar resolver seus problemas sentimentais na sala de musculação da nave.

Percebeu, então, que teria que dizer algo.

Respirou rapidamente algumas vezes e depois falou tão rápido e tão baixo quanto pôde:

― Porta, se você estiver me ouvindo, diga que sim o mais baixo que puder. O mais baixo que pôde, a porta murmurou: ― Posso ouvi-lo.

― Bom. Preste atenção. Daqui a pouco, vou pedir que se abra. Quando se abrir, não quero que diga que você ficou feliz com isso, certo?

― Certo.

― E também não quero que me diga que eu tornei uma simples porta muito feliz, ou que é um prazer abrir para mim e grande satisfação fechar de novo, com a consciência de um trabalho bem-feito, certo?

― Certo.

― E não quero que me diga para ter um bom dia, entendido?

― Entendido.

― Certo ― disse Zaphod, tensionando o corpo ―, abra, agora. A porta abriu-se em silêncio. Zaphod passou através dela em silêncio. A porta se fechou silenciosamente atrás dele.

― Era assim que o senhor queria, senhor Beeblebrox? ― disse a porta em voz alta.

― Quero que imaginem ― disse Zaphod para o grupo de robôs brancos que se viraram naquele momento para olhar para ele ― que estou segurando uma pistola Zapogun extremamente poderosa.

O silêncio que veio a seguir era intensamente frio e selvagem. Os robôs o examinaram com olhos hediondamente mortiços. Mantiveram-se imóveis. Havia algo

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intensamente macabro em sua aparência, especialmente para Zaphod, que nunca havia visto um deles antes, nem sabia nada a respeito. As Guerras de Krikkit pertenciam ao passado antigo da Galáxia, e Zaphod havia gasto a maioria de suas aulas de história antiga elaborando um plano para transar com a garota que ocupava o cibercubículo ao lado. Uma vez que o computador responsável por suas aulas era parte integral desse plano, ele eventualmente teve todos os seus circuitos de história apagados e substituídos por um conjunto completamente diferente de idéias. Como resultado isso, o computador foi desmontado e enviado para um abrigo para Cibertrastes Degenerados. Ele foi seguido pela garota, que havia inadvertidamente se apaixonado pela pobre máquina, coisa que, por sua vez, resultou em (a) Zaphod nunca ter conseguido nada com ela e (b) ele ter deixado de estudar um período de história antiga que teria um valor inestimável para ele naquele momento.