Zaphod olhou, chocado, para os robôs.
Era impossível explicar a causa, mas seus corpos brancos de curvas perfeitas e reluzentes, pareciam ser a mais perfeita incorporação de uma malignidade calculada e eficaz. Desde seus olhos hediondamente mortiços até seus poderosos pés sem vida, eram claramente o produto perfeito de uma mente que simplesmente desejava matar. Zaphod engoliu em seco tomado pelo medo.
Eles estavam desmantelando parte da parede traseira da ponte e haviam forçado passagem através de alguns dos pontos internos vitais da nave. Em meio ao emaranhado de peças, Zaphod podia ver, com uma sensação ainda maior e mais profunda de choque, que estavam criando um túnel em direção ao próprio núcleo da nave, o coração do Gerador de Improbabilidade que havia sido misteriosamente criado a partir do nada, o Coração de Ouro em si.
O robô que estava mais próximo olhou pra ele de uma forma que sugeria que estava medindo cada minúscula partícula de seu corpo, sua mente e suas habilidades. Quando falou, aquilo que disse pareceu transmitir exatamente isso.
Antes de seguirmos para a parte do que ele realmente disse, vale a pena registrar aqui que Zaphod era o primeiro ser orgânico a ouvir uma dessas criaturas falar em mais de dez bilhões de anos. Se ele tivesse prestado mais atenção em suas aulas de história antiga e menos em seu corpo orgânico, sem dúvida teria ficado mais impressionado com essa honra. A voz do robô era como seu corpo: fria, perfeita e sem vida. Quase chegava a ter um verniz de elegância. Soava tão antiga quanto era.
Ele disse:
― Você de fato está segurando uma pistola Zapogun em sua mão.
Inicialmente, Zaphod não entendeu bem o que ele quis dizer, mas então olhou para sua mão e ficou aliviado ao perceber r que aquilo que encontrara montado em um suporte na parede de fato era o que ele pensava ser.
― Sim ― respondeu em um tom de alívio desdenhoso, o que é bem difícil ―, bem, eu não quis exigir muito de sua imaginação, robô. ― Durante algum tempo ninguém disse nada e Zaphod compreendeu que os robôs obviamente não estavam ali para conversar. Essa parte ficaria por conta dele. ― Por acaso notei que vocês estacionaram a nave de vocês ―
disse, apontando com uma de suas cabeças na direção adequada ― dentro da minha. Não havia como negar isso. Sem o menor respeito por qualquer tipo de comportamento dimensional, haviam simplesmente materializado sua nave precisamente onde queriam que ela ficasse. Isso significava que estava entrelaçada através da Coração de Ouro como se não fossem nada além de dois pentes.
Novamente não responderam nada, e Zaphod pensou que a conversa poderia ganhar um pouco de dinamismo se ele transformasse as suas falas em perguntas.
― ...não é verdade? ― acrescentou.
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― Sim ― respondeu o robô.
― Ah. Certo ― disse Zaphod. ― Então o que vocês, meus chapas, estão fazendo por aqui?
Silêncio.
― Robôs ― disse Zaphod ―, o que vocês estão fazendo por aqui?
― Viemos ― respondeu o robô ― em busca da Trave de Ouro. Zaphod assentiu. Sacudiu a arma, indicando que gostaria de informações.
O robô pareceu entender o gesto.
― A Trave de Ouro é parte da chave que buscamos prosseguiu ― para libertar nossos Mestres de Krikkit.
Zaphod assentiu novamente. Sacudiu a arma de novo.
― A Chave ― prosseguiu o robô, indiferente ― foi desintegrada no espaço e no tempo. A Trave de Ouro está embutida no dispositivo que impulsiona sua nave. Será usada para reconstituir a Chave. Nossos Mestres serão libertados. O Reajuste Universal irá continuar.
Zaphod assentiu mais uma vez.
― Do que você está falando? ― perguntou.
A face totalmente inexpressiva do robô pareceu ser atravessada por um leve pesar. Ele parecia estar achando aquela conversa deprimente.
― Aniquilação ― disse. ― Procuramos a Chave ― repetiu ― e já temos o Pilar de Madeira, o Pilar de Aço e o Pilar de Acrílico. Mais um pouco e teremos o Pilar de Ouro...
― Não, não terão.
― Teremos ― declarou o robô.
― Não terão não. Ele faz minha nave funcionar.
― Mais um pouco ― repetiu o robô, pacientemente ― e teremos o Pilar de Ouro...
― Não terão ― disse Zaphod.
― E depois temos que ir ― disse o robô, absolutamente sério ― a uma festa.
― Ah ― disse Zaphod, surpreso. ― Posso ir também?
― Não ― disse o robô. ― Vamos atirar em você.
― É mesmo? ― disse Zaphod, sacudindo sua arma.
― Sim ― disse o robô, e atiraram nele.
Zaphod ficou tão surpreso que tiveram de atirar de novo antes que ele caísse.
Capítulo 12
― Shhh ― fez Slartibartfast. ― Ouçam e observem.
A noite havia caído no antigo planeta Krikkit. O céu estava escuro e vazio. A única luz provinha da cidade vizinha, a partir da qual sons pacíficos e amigáveis vagavam suavemente pela brisa. Estavam de pé sob uma árvore que exalava odores inebriantes. Arthur agachou-se para sentir a Ilusão Informacional do solo e da grama. Pegou um pouco de terra e deixou cair entre seus dedos. O solo parecia denso e rico, a grama tinha vigor. Era difícil evitar a impressão de que aquele lugar era absolutamente maravilhoso de todas as formas.
Contudo, o céu era vazio, e Arthur tinha a impressão de que ele transmitia uma certa frieza à paisagem que, embora não pudesse ser vista no momento, era idílica. Supôs, entretanto, que fosse apenas questão de hábito.
Sentiu um cutucão no seu ombro e olhou para cima. Slartibartfast estava lhe
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mostrando, em silêncio, algo que vinha descendo do outro lado da colina. Ele olhou e pôde perceber luzes distantes que serpenteavam, movendo-se devagar na direção deles. Quando chegaram mais perto, pôde ouvir os sons também, e logo as luzes e sons se transformaram em um pequeno grupo de pessoas retornando para casa, vindo das colinas e dirigindo-se à cidade.
Passaram andando bem perto dos observadores sob a árvore com suas tochas balançando e projetando focos suaves de luz que dançavam sobre as árvores e a grama. Estavam tagarelando alegremente e cantando uma música que falava sobre o quão maravilhoso aquilo era, sobre como estavam felizes, como gostavam de trabalhar nas fazendas e como era bom voltar para suas casas e ver as mulheres e os filhos, com um refrão animado que dizia o quão docemente perfumadas as flores eram naquela época do ano, e também que era uma pena que o cachorro, que gostava tanto deles, tivesse morrido. Arthur quase podia imaginar Paul McCartney sentado, com seus pés diante da lareira no entardecer, cantarolando aquilo para Linda e pensando no que compraria com os royalties ―
provavelmente Essex.
― Os Mestres de Krikkit ― sussurrou Slartibartfast em tom sepulcral. Essa observação causou em Arthur uma breve confusão, tendo chegado tão rapidamente após seus próprios pensamentos sobre Essex. Então a lógica da situação se impôs em sua mente dispersa e descobriu que continuava sem entender o que o velho queria dizer.
― O quê? ― perguntou.
― Os Mestres de Krikkit ― repetiu Slartibartfast e, se o tom anterior foi sepulcral, desta vez ele soou como alguém que está com bronquite no Hades. Arthur examinou o grupo e tentou extrair algum sentido das poucas informações que tinha à disposição até o momento.
As pessoas do grupo eram claramente alienígenas por pequenos detalhes, como o fato de parecerem um pouco altas, magras, de feições duras e quase tão pálidas que se podia dizer brancas. Fora isso, pareciam muito agradáveis. Bem, talvez fossem um pouco esquisitonas e talvez não fossem pessoas com quem se gostaria de fazer uma longa viagem de ônibus, mas o ponto é que, se, de alguma forma, se desviavam de serem pessoas boas e honestas, era por serem legais em excesso e não o contrário. Então por que toda essa constrição pulmonar de Slartibartfast, que parecia mais adequada a um comercial de rádio para um daqueles filmes de terror asquerosos a respeito de operadores de serras elétricas que levavam trabalho para fazer em casa à noite?