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Essa questão do Krikkit também era complexa. Ele ainda não tinha conseguido fazer a ponte entre o que conhecia como críquete e aquilo que... Slartibartfast interrompeu os pensamentos de Arthur nesse ponto, como se percebesse o que o outro estava pensando.

― O jogo que você conhece como críquete ― disse, com uma voz que parecia ainda vagar por subterrâneos ― é apenas uma dessas peculiaridades da memória racial, capaz de manter algumas imagens vivas na mente séculos após seu verdadeiro sentido ter se perdido nas névoas do tempo. De todas as raças da Galáxia, apenas os ingleses seriam capazes de reviver a memória da mais terrível das guerras que já cindiram o Universo e transformá-la naquilo que, lamento dizer, é visto como um jogo incompreensivelmente chato e sem sentido.

― Eu até gosto dele ― acrescentou ―, mas, aos olhos de muitos, vocês foram inadvertidamente culpados de um grotesco mau gosto. Aquela parte da bolinha vermelha acertando o wicket é particularmente cruel.

― Hum ― disse Arthur, franzindo o rosto de forma reflexiva para indicar que suas sinapses cognitivas estavam lidando com aquilo da melhor forma possível. ― Hum.

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― E estes ― disse Slartibartfast, retornando a seu tom criptogural e apontando para o grupo de homens de Krikkit que passou por eles ― são os que começaram tudo, e tudo irá

começar hoje à noite. Venham, vamos segui-los para ver o que vem a seguir. Saíram de baixo da árvore e seguiram o grupo animado longo da trilha escura pela colina. Seus instintos naturalmente diziam para que se movessem furtivamente e em silêncio atrás de suas presas. Contudo, como estavam apenas andando em meio uma Ilusão Informacional, poderiam estar tocando tuba pintados de azul sem problema algum, já que ninguém iria notar.

Arthur observou que alguns deles tinham passado a cantar uma outra música. Chegava até eles carregada pela suave brisa da noite e era uma balada romântica e doce que permitiria a Paul McCartney comprar Kent e Sussex, além de fazer uma boa oferta por Hampshire.

― Você certamente sabe ― disse Slartibartfast, virando-se para Ford ― o que está

para acontecer, não?

― Eu? ― disse Ford. ― Não.

― Você não estudou História Antiga da Galáxia quando era jovem?

― Eu ficava no cibercubículo atrás de Zaphod ― disse Ford ―, era impossível me concentrar. O que não significa que não tenha aprendido algumas coisas muito impressionantes.

Nesse momento, Arthur notou um detalhe curioso naquela canção. Os oito compassos do meio ― que fariam com que Paul se consolidasse em Winchester e olhasse com interesse sobre o Test Valley chegando até as ricas terras de New Forest logo a seguir

― tinham uma letra peculiar. Quem escreveu a canção falava sobre encontrar-se com uma garota, mas não dizia "sob o luar" ou "sob as estrelas", e sim "sobre a grama". Aquilo soava um pouco prosaico para Arthur.

Então ele olhou novamente para o céu, desconcertantemente preto, e teve a sensação de que havia uma questão importante aí ― se ao menos pudesse definir qual era. A sensação era a de estar sozinho no Universo, que foi o que ele disse para os outros.

― Não ― disse Slartibartfast, apressando ligeiramente o passo ― o povo de Krikkit nunca pensou “Estamos sozinhos no Universo”. Eles estão cercados por uma enorme Nuvem de Poeira, entende? Um único sol com um único mundo e estão na extremidade leste da Galáxia. Por causa da Nuvem de Poeira nunca houve nada para ser visto no céu. Durante a noite é completamente escuro.

Durante o dia há o sol, mas não é possível olhar diretamente para o sol, então eles não olham. Quase não percebem que há um céu. É como se tivessem um ponto cego que se estende 180 graus, de um horizonte a outro.

― O único motivo pelo qual nunca pensaram "Estamos sozinhos no Universo" é

porque, até esta noite, eles sequer sabiam que há um Universo. Ao menos não até esta noite. Continuou andando, deixando suas palavras reverberando no ar atrás de si.

― Imagine como seria nem mesmo ter pensado "Estamos sós", simplesmente porque você nunca houvesse pensado que havia outra possibilidade. Andou novamente

― Creio que seria apavorante ― acrescentou.

Enquanto falava, começaram a ouvir um ruído agudo de algo muito alto, cortando o céu sem estrelas acima deles. Olharam para cima, preocupados, mas não conseguiram ver nada num primeiro momento.

Então Arthur notou que o grupo à sua frente também havia ouvido o ruído, mas ninguém sabia muito como agir. Estavam olhando em volta, confusos, para a esquerda, para a direita, Para a frente, para trás e até mesmo para o chão. Sequer penaram em olhar para cima.

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A profundidade do choque e do horror que demonstraram logo em seguida, quando os destroços em chamas de uma espaçonave desceram do céu com um estrondo, chocandose contra o solo cerca de um quilômetro à frente, era algo que só podia ser entendido por quem estava lá.

Alguns falam com admiração da Coração de Ouro, outros da Nave Estelar Bistromática.

Muitos falam, com toda razão, da lendária e gigantesca Espaçonave Titanic, uma majestosa e luxuosa nave de cruzeiro lançada dos grandes estaleiros nos complexos de asteróides de Artifactovol há centenas de anos.

De infinita beleza, estonteantemente enorme e equipada com mais diversões do que qualquer outra nave daquilo que hoje ainda nos resta da História, teve o azar de ser construída logo no início das pesquisas em Física da Improbabilidade muito antes que este difícil ramo do saber fosse completamente ― ou ao menos minimamente ― compreendido. Os projetistas e engenheiros decidiram, em sua inocência, construir um protótipo de Campo de Improbabilidade na nave, cujo propósito seria, supostamente, o de assegurar que fosse Infinitamente Improvável que qualquer coisa desse errado em qualquer parte da nave. Não perceberam que, por conta da natureza quase-recíproca e circular de todos os cálculos de Improbabilidade, qualquer coisa que fosse Infinitamente Improvável muito possivelmente aconteceria quase instantaneamente.

A Espaçonave Titanic era uma visão incrivelmente bela, atracada como uma Baleia Megavoid arcturiana prateada entre o tracejado laser dos guindastes de construção, uma nuvem brilhante de agulhas de luz sobressaindo-se contra a profunda escuridão do espaço interestelar. Entretanto, ao ser lançada, não conseguiu nem mesmo completar sua primeira mensagem de rádio ― um S.O.S. ― antes de sofrer um súbito e fortuito colapso total de existência.

Ainda assim, o mesmo evento que demonstrou a desastrosa falha de uma ciência em sua infância também testemunhou a apoteose de outra ciência. Foi provado, de forma definitiva que o número de pessoas assistindo à cobertura na TV 3D do lançamento era maior do que o número de pessoas que existiam de fato na época ― algo que é hoje reconhecido como a maior façanha de todos os tempos na ciência da pesquisa de audiência. Outro evento espetacular da mídia naquela época foi o fato a estrela Ysllodins ter se tornado uma supernova poucas horas depois. Ysllodins é a estrela ao redor da qual a maioria dos grandes agentes de seguro vive ou, melhor dizendo, vivia.