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Ainda assim, enquanto essas espaçonaves, assim como outras famosas que vêm à

mente, como os Cruzadores da Frota Galáctica ― o GSS Daring, o GSS Audacy e o GSS

Suicidal Insanity ―, são mencionadas com reverência, entusiasmo, afeto, admiração, lástima, inveja, ressentimento ― e todas as emoções mais comumente conhecidas ―, aquela que em geral evoca o mais sincero espanto é a Krikkit One, a primeira espaçonave construída pelo povo de Krikkit.

Não que fosse uma nave fantástica. Não era.

Era uma pilha insana de sucata amontoada. Parecia ter sido montada no quintal de alguém, e na verdade foi exatamente em um quintal que ela foi montada. O que era fantástico a respeito daquela nave não é que houvesse sido bem construída (não foi), mas simplesmente que houvesse sido construída. O tempo decorrido entre o momento que o povo de Krikkit descobriu que havia algo chamado "espaço" e o lançamento de sua primeira nave foi de quase um ano.

Ford Prefect estava profundamente aliviado, enquanto afivelava o cinto, por aquela ser apenas outra Ilusão Informacional e portanto ele estar em segurança. Na vida real, aquela não era uma nave na qual ele colocaria os pés, nem por todo o saquê da China. Uma das expressões que lhe vinham à mente era

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"Completamente desconjuntada". A outra expressão era “Posso sair daqui?”.

― Essa coisa vai mesmo voar? ― disse Arthur, olhando com desconfiança para as tubulações e o cabeamento primitivos que entulhavam o interior da nave. Slartibartfast lhe assegurou que aquilo iria voar, que estavam perfeitamente seguros e que tudo seria extremamente instrutivo e nada desconfortável. Ford e Arthur decidiram relaxar e ficar angustiados numa boa.

― Por que não ― disse Ford ― pirar?

Na frente deles estavam os três pilotos que, naturalmente não percebiam a presença deles pelo simples motivo de não estarem realmente lá. Tinham participado da construção da nave. Estiveram na trilha da colina naquela noite cantando suas músicas profundamente comoventes. Suas mentes haviam sido ligeiramente reviradas pela colisão da nave alienígena. Passaram semanas revirando cada minúsculo segredo dos destroços daquela nave incendiada, tudo isso enquanto cantarolavam melodiosas cantigas sobre revirar naves espaciais.

Depois haviam construído sua própria nave e lá estava ela. Aquela era a sua nave e no momento estavam cantarolando sobre isso também, expressando a dupla alegria de ter realizado e de possuir algo. O refrão era tocante e falava sobre a tristeza de que seu trabalho os tivesse obrigado a passar tanto tempo na garagem, longe de suas mulheres e filhos, que sentiram muita falta deles mas sempre os mantiveram alegres contando-lhes como o cachorrinho estava crescendo, saudável.

Pow!, decolaram.

Cruzaram o céu como uma nave que sabe exatamente o que está fazendo.

― Não é possível ― disse Ford, um pouco depois de terem se recuperado do choque da aceleração, enquanto subiam para além da atmosfera do planeta ―, não é

possível ― repetiu ― que alguém possa projetar e construir uma nave destas em um ano, não importa o quão motivados estivessem. Não acredito. Mesmo que me provem, não acredito. ― Sacudiu a cabeça, pensativo, e olhou por uma escotilha para o vazio do lado de fora. Por algum tempo nada aconteceu, e Slartibartfast apertou a tecla de avanço rápido para prosseguirem.

Muito rapidamente, então, chegaram até o perímetro interno da Nuvem de Poeira, oca e esférica, que circundava seu sol e seu planeta, ocupando a próxima órbita. Foi como se houvesse uma mudança gradual na textura e consistência do espaço. A escuridão parecia agora estar sendo arranhada e rasgada conforme passavam. Era uma escuridão muito fria, um vácuo pesado; era a escuridão do céu da noite de Krikkit. Sua frieza e seu peso e seu vazio aos poucos se infiltraram no coração de Arthur e ele podia sentir nitidamente os sentimentos dos pilotos de Krikkit que flutuavam no ar como uma potente carga estática. Estavam agora no próprio limite do conhecimento histórico de sua raça. Era este o ponto além do qual nenhum deles havia especulado, ou sequer tomado conhecimento de que havia algo sobre o qual especular.

A escuridão da nuvem esbofeteava a nave. Lá dentro havia apenas o silêncio da história. Sua missão histórica era a de descobrir se havia algo ou algum lugar do outro lado do céu de onde a espaçonave destroçada pudesse ter vindo. Um outro mundo, talvez, por mais estranho e incompreensível que esse pensamento fosse para as mentes fechadas daqueles que viviam sob o céu de Krikkit.

A história estava se preparando para desfechar outro duro golpe. Em volta, a escuridão continuava arranhando-os, aquela escuridão vazia e envolvente. Parecia estar cada vez mais próxima, cada vez mais densa, cada vez mais pesada. E subitamente se desfez.

Voaram para além dos confins da nuvem.

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Viram as maravilhosas jóias da noite em sua infinita poeira e suas mentes zumbiam de medo.

Permaneceram voando por mais algum tempo, imóveis contra a imensidão estrelada da Galáxia, também ela imóvel contra a imensidão do Universo. Depois fizeram meia-volta.

― Isso não pode ficar aí ― disseram os homens de Krikkit enquanto navegavam para casa.

No caminho de volta entoaram diversas canções que ponderavam sobre paz, justiça, moral, cultura, esportes vida em família e o aniquilamento de todas as outras formas de vida.

Capítulo 13

Agora vocês compreendem ― disse Slartibartfast, mexendo devagar seu café

artificialmente preparado e, ao fazê-lo, mexendo também as interfaces turbilhonantes entre números reais e irreais, entre as percepções interativas da mente e do Universo, gerando, dessa forma, as matrizes reestruturadas de uma subjetividade implicitamente redobrada que permitia sua nave redefinir o próprio conceito de tempo e espaço ― como foi.

― Sim ― disse Arthur.

― Sim ― disse Ford.

― O que eu faço ― disse Arthur ― com este pedaço de galinha? Slartibartfast olhou para ele seriamente.

― Brinque com ele ― disse ―, brinque com ele. Pegou um de seus pedaços e mostrou-lhe o que fazer. Arthur imitou-o e pôde sentir o ligeiro formigamento de uma função matemática perpassando a coxa de galinha enquanto se movia quadridimensionalmente através daquilo que Slartibartfast havia lhe dito ser um espaço de cinco dimensões.

― De um dia para o outro ― disse Slartibartfast ― toda a população de Krikkit deixou de ser um grupo de encantadoras, agradáveis, inteligentes...

― ...e esquisitonas...

― ...pessoas comuns ― disse Slartibartfast ― para se tornar grupo de encantadoras, agradáveis, inteligentes...

― ...e esquisitonas...

― ...pessoas xenófobas e maníacas. A ideia de que havia um Universo não se enquadrava em sua visão de mundo, digam assim. Não podiam lidar com ele. Então, de forma encantadora, agradável e inteligente ― até mesmo esquisitona, já

que você insiste ―, decidiram destruir o Universo. Qual o problema agora?

― Não gostei muito do vinho ― disse Arthur, cheirando-o.

― Mande devolver. Tudo faz parte da matemática da coisa. Arthur devolveu o vinho. Não gostou muito da topografia do sorriso do garçom, mas ele nunca gostara de gráficos mesmo.

― Para onde estamos indo? ― perguntou Ford.

― De volta para a Sala de Ilusões Informacionais ― disse Slartibartfast, levantando-se e limpando a boca com a representação matemática de um guardanapo de papel ― para assistirmos à segunda parte.