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Era produto de uma mente não apenas retorcida, mas completamente distendida. Era enorme. E terrível.

Tinha uma Estátua nela.

Mas voltaremos à Estátua em breve.

Aquela vasta, incompreensivelmente vasta câmara parecia sido escavada no interior de uma montanha ― o que se devia precisamente ao fato de ela ter sido escavada no interior de uma montanha. Arthur sentia tudo girando de forma nauseante em torno de sua cabeça enquanto tentava olhar para a câmara.

Era negra.

Onde não era negra seria geralmente desejável que fosse, por conta das cores escolhidas para alguns dos indizíveis detalhes. As cores percorriam pavorosamente todo o

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espectro de cores nauseantes, indo do Ultraviolento ao Infravermicida, passando pelo Púrpura Fígado, Lilás Execrável, Amarelo Vômito, sem deixar de lado o Hombre Cremado e Gan Grená.

Os detalhes indizíveis nos quais essas cores foram usadas eram gárgulas que teriam feito Francis Bacon desistir de seu almoço.

Todas as gárgulas olhavam para dentro, afixadas nas paredes, nos pilares, nos contrafortes, nos assentos do coro ― todas olhavam em direção à Estátua, a respeito da qual falaremos em breve.

E, se as gárgulas teriam feito Francis Bacon desistir de seu almoço, ficava claro, pela cara das gárgulas, que a Estátua teria fato com que elas desistissem de seu próprio almoço. Isso, claro, se estivessem vivas para comê-lo ― coisa que não estavam ― e se alguém tivesse tentado servir-lhes um almoço ― coisa que não fizeram. Nas monumentais paredes havia enormes placas de pedra em memória daqueles que haviam sido mortos por Arthur Dent

Os nomes de alguns dos imortalizados estavam sublinhados e tinham asteriscos ao seu lado. Por exemplo, o nome de uma vaca que foi abatida e da qual Arthur por acaso comeu um filé tinha seu nome gravado sem destaque, enquanto o nome de um peixe, que o próprio Arthur pescou, depois decidiu que não gostou e finalmente deixou no canto do prato, esta sublinhado duas vezes, com três asteriscos e uma adaga ensangüentada acrescentados como decoração para deixar coisas bem claras.

O mais perturbador em tudo isso ― tirando a Estátua, que estamos aos poucos introduzindo, por etapas ― era a implicação muito clara de que todas aquelas pessoas e criaturas eram de fato uma só, repetidas vezes.

Estava igualmente claro que aquela pessoa estava, ainda que de forma injusta, muito chateada e irritada.

Na verdade, seria razoável dizer que aquela pessoa tinha atingido um nível de irritação jamais visto no Universo. Era uma irritação de proporções épicas, uma chama flamejante e ardente de irritação, uma irritação que abrangia todo o tempo e o espaço em sua infinita sombra.

E esta irritação tinha sido expressa da forma mais contundente na Estátua que ficava no centro de toda essa monstruosidade, que era uma estátua de Arthur Dent, não muito lisonjeira, por sinal. Com 15 metros contados, não havia um centímetro nela que não estivesse cheio de insultos àquele lá representado, e 15 metros de insultos seriam suficientes para fazer qualquer um sentir-se mal. Desde a pequena espinha ao lado de seu nariz até o horrível corte de seu roupão, nenhum aspecto de Arthur Dent deixou de ser esculhambado e vilipendiado pelo escultor.

Arthur era mostrado como uma górgona, um ogro malvado, voraz e faminto por sangue, massacrando tudo em sua passagem pelo inocente Universo de um só homem. Com cada um dos 30 braços que o escultor, num ímpeto de fervor artístico, havia decidido lhe dar, a Estátua estava esmagando a cabeça de um coelho, matando uma mosca, partindo um osso da sorte, arrancando um piolho do cabelo fazendo alguma coisa que Arthur não conseguiu identificar na primeira vez.

Seus muitos pés estavam basicamente esmagando formigas.

Arthur cobriu os olhos com as mãos, inclinou a cabeça e sacudiu-a lentamente de um lado para o outro, diante da tristeza e do horror evocados por toda aquela maluquice. Quando reabriu os olhos, viu à sua frente o homem ou criatura, ou o que quer que fosse, que supostamente ele estava perseguindo o tempo todo.

― RrrrrrrrrhhhhhhhaaaaaaaaHHHHHHHHl ― disse Agrajag. Ele, ou aquilo, ou o que fosse, parecia um morcego gordo enlouquecido. Caminhou lentamente em torno de Arthur, cutucando-o com suas garras recurvadas.

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― Olhe....! ― reclamou Arthur.

― RrrrrrrrrhhhhhhhaaaaaaaaHHHHHHHH! ― explicou Agrajag, e Arthur aceitou aquilo, relutantemente, pelo simples fato de estar bastante assustado por aquela medonha e estranhamente disforme aparição.

Agrajag era negro, inchado, enrugado e coriáceo.

Suas asas de morcego eram ainda mais assustadoras por serem coisas pateticamente quebradas e desajeitadas do que se fossem asas fortes e musculosas. A coisa mais terrível era provavelmente a tenacidade de sua existência, que continuava apesar de violar todas as probabilidades da física.

Tinha uma coleção de dentes muito impressionante.

Era como se cada um deles tivesse vindo de um animal diferente e depois tivessem sido arrumados dentro de sua boca em ângulos tão bizarros que, se Arthur Dent realmente fosse tentar mastigar alguma coisa, parecia que iriam dilacerar metade de sua própria face ao mesmo tempo, além de arrancar um olho.

Cada um dos três olhos era pequeno e intenso, parecendo ter a mesma sanidade de um peixe em um arbusto.

― Foi numa partida de críquete ― disse, rancoroso.

Diante de tudo que estava acontecendo, Arthur achou que isso era uma noção tão absurda que praticamente se engasgou

― Não neste corpo ― grasnou a criatura ―, não neste corpo Este é meu último corpo. Minha última vida. É meu corpo para a vingança. Meu corpo para matar Arthur Dent. Minha última chance, e ainda tive que lutar para consegui-la.

― Mas...

― Foi em uma ― esbravejou Agrajag ― partida de críquete! Eu tinha um coração fraco, com problemas, mas o que poderia me acontecer, disse para a minha mulher, em uma partida de críquete? E lá estava eu, vendo o jogo, e o que aconteceu? Duas pessoas surgiram do nada, maliciosamente, à minha frente. A última coisa que não pude deixar de notar antes que meu pobre coração pifasse por conta do choque foi que uma delas era Arthur Dent usando um osso de coelho em sua barba. Coincidência?

― Sim ― disse Arthur.

― Coincidência? ― gritou a criatura, dolorosamente esmigalhando suas asas quebradas e abrindo uma pequena ferida em sua bochecha direita com um dente particularmente nojento. Olhando mais de perto, coisa que vinha tentando evitar, Arthur notou que boa parte da face de Agrajag estava coberta por pedaços de band-aid preto. Afastou-se nervosamente. Passou a mão pela barba. Ficou perplexo ao descobrir que ainda estava com o osso de coelho enfiado nela. Arrancou-o e jogou fora.

― Olhe ― disse ele ―, é apenas o destino fazendo travessuras com você. E

comigo. Conosco. É uma completa coincidência.

― O que você tem contra mim, Dent? ― rosnou a criatura, avançando contra ele e mancando dolorosamente ao fazê-lo.

― Nada ― insistiu Arthur. ― Honestamente, nada.

Agrajag olhou para ele com intensidade.

Matar uma pessoa o tempo todo me parece uma forma bem estranha de se relacionar com alguém contra quem você não tem nada. Eu diria mesmo que é uma forma bem peculiar de interação social. Também diria que é uma mentira!

Mas, veja ― disse Arthur ―, realmente lamento muito. Houve um terrível engano. E preciso ir. Você tem um relógio? Eu deveria estar ajudando a salvar o Universo. ―