Выбрать главу

Ele caiu, dobrou-se e sofreu com a vertigem. Tentou correr, inutilmente, mas suas pernas estavam fracas demais. Tropeçou e estatelou-se no chão. Foi então que lembrou que, naquela sacola, não apenas havia a lata de azeite grego como também a cota máxima permitida de retsina ― vinho grego ―, e, com o agradável choque causado por esta descoberta, deixou de notar durante pelo menos dez segundos que estava voando novamente.

Riu e chorou cheio de alívio e prazer, além de puro deleite físico. Mergulhou, girou, deslizou e flutuou pelo ar. Com ar blasé, sentou-se em uma ascendente e revirou o conteúdo da bolsa. Sentia-se da mesma forma que imaginava que os anjos deveriam sentir-se durante sua famosa dança sobre a cabeça de um alfinete enquanto os filósofos tentavam contá-los. Riu prazerosamente ao ver que a bolsa de fato continha o azeite grego, a retsina, assim como um par de óculos escuros rachados, alguns calções de banho cheios de areia, alguns cartões-postais amassados de Santorini, uma grande e feiosa toalha, alguma pedras interessantes e vários pedacinhos de papel com o endereço de pessoas que ele pensava, muito aliviado, que jamais encontraria de novo, mesmo que a razão para tal fosse triste. Jogou fora as pedras, colocou os óculos escuros e deixou os pedacinhos de papel serem levados pelo vento.

Dez minutos mais tarde, enquanto flutuava despreocupadamente em uma nuvem, foi atingido no cóccix por uma enorme e incrivelmente obscena festa.

Capítulo 21

A mais longa e destrutiva festa já realizada está agora em sua quarta geração e, ainda assim, ninguém dá sinais de querer sair. Certa vez alguém olhou para o relógio, mas isso foi há 11 anos e a coisa parou por aí.

A bagunça é extraordinária, algo em que você só acreditaria vendo, mas, se você

não tiver nenhuma necessidade específica de acreditar, melhor não ir, porque você não vai gostar de lá.

Recentemente houve alguns estrondos e luzes em meio às nuvens e surgiu uma

67

teoria de que fosse uma batalha em andamento entre frotas de diversas empresas rivais de limpeza de carpetes que sobrevoam a coisa como se fossem urubus, mas não se deve acreditar em tudo que se escuta em festas, sobretudo não nas coisas que se ouve nessa festa. Um dos problemas ― e um que obviamente só vai piorar ― é que todas as pessoas na festa são filhos, netos ou bisnetos das pessoas que não saíram de lá no início de tudo e, por conta de todas aquelas baboseiras sobre seleção natural e genes recessivos, isso significa que todas as pessoas que estão agora na festa ou são fanáticos por festas ou completos imbecis ou ― o que é cada vez mais freqüente ― ambas as coisas. De qualquer forma isso significa que, geneticamente falando cada nova geração está

menos propensa a sair do que a anterior.

Há outros fatores que entram em cena, tal como, por exemplo, quando é que a bebida vai acabar.

Bem, por conta de algumas coisas que ocorreram e que pareciam uma boa idéia na época (e um dos problemas com festa que nunca terminam é que todas aquelas coisas que só

parecem ser uma boa idéia durante a festa continuam parecendo ser boas idéias), esse ponto parece estar ainda muito distante.

Uma das coisas que pareciam uma boa idéia na época era que a festa deveria decolar não no sentido comum em que dizemos que as festas devem decolar, mas no sentido literal.

Certa noite, tempos atrás, um bando de astroengenheiros da primeira geração, bêbados, construiu o prédio de um lado para o outro, cavando isso, instalando aquilo, batendo fortemente naquilo outro e, quando o sol se levantou na manhã seguinte, ficou surpreso ao se descobrir brilhando sobre um prédio cheio de pessoas bêbadas e felizes que estava, naquele momento, flutuando como um pássaro jovem e incerto sobre as árvores. Não apenas isso, mas a festa voadora também tinha conseguido se armar fortemente. Se por acaso se metessem em discussões mesquinhas com vendedores de vinho, queriam ter certeza de que a força estaria do lado deles.

A transição entre uma festa em tempo integral para uma festa de pilhagens em tempo parcial foi algo natural e ajudou bastante a acrescentar um pouco de emoção e aventura à coisa toda, o que era importante naquele momento por conta das infindáveis vezes que a banda já tinha tocado todo o seu repertório ao longo dos anos. Eles saqueavam, eles pilhavam, eles mantinham cidade inteiras como reféns em troca de um novo estoque de biscoitinhos de queijo, pastas para os biscoitinhos, costeletas porco, vinho e outras bebidas alcoólicas, que agora eram bombeadas a bordo vindas de tanques flutuantes.

O problema de quando é que a bebida vai acabar terá, contudo, que ser abordado algum dia.

O planeta sobre o qual estão flutuando já não é mais o que era quando começaram a flutuar sobre ele.

Está em péssimo estado.

A festa já tinha atacado e saqueado quase tudo nele, e ninguém ainda tinha sido capaz de atacá-la de volta por conta da forma aleatória e imprevisível com que ela se movimenta no céu.

É uma festa do cacete.

Também é uma cacetada ser atingido por ela no cóccix.

68

Capítulo 22

Arthur estava deitado, se revirando de dor, em um pedaço de concreto armado rachado, golpeado levemente por tufos de nuvens passageiras e confundido pelos sons festivos vindos de algum lugar não discernível atrás dele.

Havia um som que ele não conseguiu identificar imediatamente, em parte por não conhecer a música I Left My Leg in Janglan Beta* (Deixei minha perna em Janglan Beta) e em parte porque a banda que a tocava já estava muito cansada, de maneira que alguns músicos tocavam em compasso 3/4, outros em 4/4 e outros em uma espécie de R2 bebum, de acordo com a quantidade de tempo que cada um havia dormido recentemente.

* Provavelmente uma brincadeira com a conhecida música I Left My Heart in San Francisco (N. do T.).

Ficou ali deitado, ofegando muito no ar úmido. Tentou tocar algumas partes do corpo para descobrir onde poderia ter se machucado. Onde quer que tocasse, doía. Acabou concluindo que era sua mão que estava doendo. Aparentemente havia torcido o pulso. Suas costas também pareciam estar doendo, mas logo percebeu que não estava seriamente machucado, apenas um pouco ralado e um pouco atordoado, mas quem não estaria? Não podia entender o que um prédio estava fazendo voando no meio das nuvens. Por outro lado, também teria sérias dificuldades em explicar, de forma coerente, o que estava fazendo ali, então decidiu que ele e o prédio teriam que se aceitar mutuamente. Olhou para cima. Uma parede de revestimento de pedra clara mas manchada erguia-se atrás dele ― era o prédio em si. Arthur parecia estar estatelado em algum tipo de borda ou beirada que se estendia para fora por cerca de um metro em volta de todo o prédio. Era um pedaço do solo no qual o prédio da festa um dia tivera suas fundações e que havia transportado consigo para se manter inteiro na parte inferior. Levantou-se nervosamente e, olhando para além da borda, subitamente ficou com vertigem. Pressionou suas costas contra a parede, molhado de névoa e suor. Sua cabeça nadava em estilo livre, mas alguém em seu estômago estava nadando borboleta. Ainda que tivesse chegado até lá por conta própria, no momento não podia nem olhar para o tremendo abismo à sua frente. Não estava nem um pouco disposto a testar sua sorte pulando. Não iria chegar nem um centímetro mais perto da borda. Agarrado à sua bolsa, foi andando junto à parede, na esperança de encontrar uma porta de entrada. A solidez do peso da lata de azeite era altamente reconfortante. Estava indo em direção ao canto mais próximo, na esperança de que a parede do outro lado apresentasse mais escolhas no quesito "portas" do que aquela, que não tinha nenhuma.