Выбрать главу

― A África foi bem interessante ― prosseguiu. ― Me comportei de forma bem estranha por lá.

Olhou para longe, pensativo.

― Resolvi ser cruel com os animais ― disse, meio aéreo. ― Mas apenas por diversão.

― Não me diga ― respondeu Arthur, cauteloso.

― É verdade ― afirmou Ford. ― Não vou perturbá-lo com os detalhes porque eles iriam...

― O quê?

― Perturbá-lo. Mas você pode achar interessante saber que sou o integralmente responsável pela evolução do animal que, dentro de alguns séculos, vocês irão chamar de girafa. Também tentei aprender a voar. Acredita?

― Conte-me.

― Eu conto depois. Só vou mencionar que o Guia diz...

― O quê?

― O Guia do Mochileiro das Galáxias. Você se lembra, não?

― Sim, lembro-me de tê-lo jogado no rio.

― Ê, mas eu o pesquei de volta depois ― disse Ford.

― Você não me contou isso.

― Não queria que você o jogasse fora de novo.

7

― Tudo bem ― respondeu Arthur. ― E o que ele diz?

― O quê?

― O que o Guia diz?

― Ah. O Guia diz que há toda uma arte para voar ― respondeu Ford. ― Ou melhor, um jeitinho. O jeitinho consiste em aprender como se jogar no chão e errar. ― Deu um sorrisinho. Apontou para as marcas em suas calças na altura dos joelhos e levantou os braços para mostrar os ombros. Estavam arranhados e machucados. ― Até agora não dei muita sorte ― disse. Depois estendeu a mão. ― Estou muito feliz em vê-lo novamente, Arthur.

Arthur sacudiu a cabeça em um acesso súbito de emoção e perplexidade.

― Há anos que não vejo alguém ― disse. – Absolutamente ninguém. Mal me lembro de como se fala. Me esqueço de algumas palavras. Tenho praticado, sabe. Eu pratico falando com... falando com... como se chamam aquelas coisas que fazem os outros acharem que ficamos loucos quando falamos com elas? Como George III.

― Reis? ― tentou Ford.

― Não, não ― respondeu Arthur. ― As coisas com as quais ele costumava falar. Estamos cercados por elas, mas que droga. Eu mesmo plantei centenas delas. Todas morreram. Árvores! Eu pratico falando com árvores. Para que é isso?

Ford continuava com a mão estendida. Arthur olhava, sem entender.

― Aperte ― sugeriu Ford.

Arthur apertou a mão, meio nervoso no início, como se ela pudesse se transformar em um peixe. Então segurou-a vigorosamente com suas duas mãos, sentindo um enorme alívio. Apertou, apertou e apertou.

Depois de um tempo, Ford achou que já bastava. Subiram em uma colina rochosa próxima e olharam o cenário em volta.

― O que aconteceu com os golgafrinchenses? Arthur deu de ombros.

― Muitos não sobreviveram ao inverno, três anos atrás. Os poucos que viveram até

a primavera disseram que precisavam de umas férias e partiram em uma jangada. A História nos diz que devem ter sobrevivido...

― É ― disse Ford. ― Certo, certo. ― Ele colocou as mãos na cintura e olhou novamente em volta para o planeta vazio. Repentinamente, Ford sentiu-se cheio de energia e perspectivas.

― Estamos de partida ― disse, animado.

― Para onde? Como? ― perguntou Arthur.

― Não sei ― disse Ford ―, mas posso sentir que chegou a hora. Vão acontecer coisas. Estamos a caminho.

Falou em voz baixa, quase sussurrando.

― Detectei ― disse ele ― perturbações na corrente. Lançou um olhar decidido para o horizonte, como se quisesse que o vento soprasse em seus cabelos dramaticamente naquele momento. O vento, contudo, estava ocupado brincando com umas folhas não muito longe.

Arthur pediu para Ford repetir o que acabara de dizer, porque não havia compreendido totalmente o sentido. Ford repetiu.

― A corrente? ― perguntou Arthur.

― A corrente do espaço-tempo ― disse Ford e, quando o vento soprou brevemente ao redor deles, abriu um largo sorriso.

Arthur concordou, e limpou a garganta.

― Estaríamos falando ― perguntou, cautelosamente ― a respeito de alguma coisa que os vogons arrastam por aí ou o que exatamente?

― Há um zéfiro ― disse Ford ― no contínuo espaço-temporal.

8

― Ah ― concordou Arthur ―, onde ele está? Onde está? ― Colocou as mãos nos bolsos de seu roupão e perscrutou o horizonte.

― O quê?

― Bem, quem é esse tal de Zéfiro exatamente? ― perguntou Arthur. Ford olhou para ele, furioso.

― Você quer me ouvir, por favor? Não estou falando de uma pessoal

― Eu estava ouvindo ― disse Arthur ―, mas não acho que tenha ajudado muito. Ford agarrou-o pelas lapelas do roupão e falou com ele tão lenta, articulada e pacientemente como se fosse alguém do serviço de atendimento ao cliente de uma companhia telefônica.

― Parece... ― disse ― ...haver alguns núcleos... ― disse em seguida ― ...de instabilidade... ― continuou ― ...na tessitura... ― prosseguiu. Arthur olhava abestalhado para o tecido de seu roupão, onde Ford o segurava. Ford soltou o roupão antes que Arthur transformasse seu olhar abestalhado em uma observação abestalhada.

― ...na tessitura do espaço-tempo ― concluiu.

― Ah, é isso ― disse Arthur.

― Sim, isso ― confirmou Ford.

Lá estavam eles, sozinhos sobre uma colina na Terra pré-histórica, olhando um para o outro intensamente.

― E isso fez o quê? ― disse Arthur.

― Isso ― respondeu Ford ― desenvolveu núcleos de instabilidade.

― É mesmo?? ― disse Arthur, sem piscar os olhos por um segundo sequer.

― Sim, de fato ― retrucou Ford, com o mesmo grau de imobilidade ocular.

― Que bom! ― disse Arthur.

― Entendeu? ― disse Ford.

― Não ― disse Arthur. Fizeram uma pausa silenciosa.

― A dificuldade desta conversa ― disse Arthur, depois que uma expressão pensativa havia lentamente subido por todo o seu rosto, como um alpinista escalando uma passagem traiçoeira ― é que ela é muito diferente das que tenho tido nos últimos tempos. Como expliquei há pouco, foram basicamente com árvores. Não eram assim. Exceto talvez por algumas conversas que tive com os olmeiros, que algumas vezes ficam um pouco desorientados.

― Arthur ― disse Ford.

― Sim? ― disse Arthur.

― Basta acreditar no que eu lhe disser e tudo será extremamente simples.

― Puxa, não sei se acredito nisso.

Sentaram-se para tentar reorganizar os pensamentos. Ford pegou o Sensormático Subeta. Estava emitindo zumbidos variados e havia uma luz piscando, fraquinha.

― Pilha fraca?

― Não ― disse Ford ―, há uma perturbação em movimento na tessitura do espaço-tempo, um zéfiro, um núcleo de instabilidade, e parece estar bem próximo de nós.

― Onde?

Ford moveu o aparelho em um semicírculo, balançando-o ligeiramente. De repente a luz piscou.

― Lá! ― disse Ford, apontando com o braço. ― Bem atrás daquele sofá!

Arthur olhou. Ficou completamente surpreso ao notar que havia um sofá

Chesterfield, forrado de veludo paisley, no campo bem na frente deles. Olhou para ele com uma perplexidade inteligente. Perguntas perspicazes perpassaram sua mente.

― Por que ― perguntou ele ― tem um sofá naquele campo?

9

― Acabei de explicar! ― gritou Ford, irritado. ― Um zéfiro no contínuo espaçotemporal.

― E este sofá é do Zéfiro? ― perguntou Arthur, tentando se apoiar em seus pés e, apesar da falta de otimismo, também em seus sentidos.

― Arthur! ― gritou Ford com ele. ― Aquele sofá está ali por causa da instabilidade no espaço-tempo que estou tentando incutir em sua mente terminalmente debilitada. Ele foi jogado para fora do contínuo, é um resíduo nas margens do espaço-tempo