A instabilidade do vôo do prédio o deixava em pânico e, após algum tempo, pegou a toalha que estava na bolsa e fez com ela algo que, mais uma vez, justificava sua posição suprema na lista de coisas úteis que devem ser levadas ao pegar carona pela Galáxia: vendou os olhos, pois assim não teria que ver o que estava fazendo. Seus pés acompanhavam a borda do prédio. Seu braço estava completamente esticado e grudado à parede.
Finalmente chegou ao canto e, quando sua mão o contornou, encontrou algo que lhe deu um susto tão grande que quase caiu. Era outra mão.
As duas mãos se seguraram.
Queria desesperadamente usar sua outra mão para tirar a toalha de seus olhos, mas ela estava segurando a bolsa com o azeite, a retsina e os cartõespostais de Santorini, e ele
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realmente não queria largar aquilo tudo.
Passou por um daqueles momentos de crise de identidade quando você subitamente se volta para dentro e começa a pensar: "Quem sou eu? O que eu desejo? Quais minhas realizações? Estou indo bem?" Ele soluçou baixinho.
Tentou liberar sua mão, mas não podia. A outra mão estava segurando a sua bem firme. Não tinha outro jeito senão andar em direção ao canto. Contornou-o e sacudiu a cabeça na tentativa de deslocar a toalha. Aparentemente isso teve como efeito provocar um grito agudo de alguma emoção fora de moda por parte do dono da outra mão. Quando a toalha caiu de sua cabeça, descobriu que seus olhos estavam fixos nos de Ford Prefect. Atrás dele estava Slartibartfast e, mais para trás, ele podia ver claramente o portão do prédio e uma grande porta fechada.
Os outros dois também estavam de costas contra a parede, os olhos esbugalhados de terror toda vez que olhavam para dentro da densa nuvem cinza que os cercava, enquanto tentavam resistir aos balanços e sacudidelas do prédio.
― Por que zárquon de fóton você andou? ― sussurrou Ford, em completo pânico.
― Ahn, bem... ― gaguejou Arthur, meio sem saber como iria resumir tudo em poucas palavras. ― Por aí. O que vocês estão fazendo aqui?
Ford virou seus olhos esbugalhados para Arthur novamente.
― Não querem nos deixar entrar sem uma garrafa!
A primeira coisa que Arthur notou, quando entraram na parte mais movimentada da festa, além do ruído, do calor sufocante, da profusão de cores selvagens que podia ser vista vagamente em meio ao ar cheio de fumaça, dos carpetes cobertos com uma grossa camada de caquinhos de vidro, cinzas e restos de pastinhas, além do pequeno grupo de criaturas pterodactilóides vestidas em lurex que vieram atracar-se com sua querida garrafa de retsina, grasnando "nova diversão, nova diversão", foi Trillian levando uma cantada do Deus do Trovão.
― Não te conheço do Milliways? ― disse ele.
― Você era o cara com o martelo?
― O próprio. Mas prefiro este lugar aqui. É tão menos respeitável, tão mais lotado. Gritos de algum prazer indescritível ecoaram pela sala, cujas dimensões externas eram invisíveis através da multidão pulsante de criaturas alegres e barulhentas, animadamente gritando umas para as outras coisas que ninguém podia ouvir e ocasionalmente tendo chiliques.
― É, parece divertido ― disse Trillian. ― O que você disse, Arthur?
― Eu perguntei como você chegou aqui?
― Eu era uma fileira de pontinhos flutuando aleatoriamente pelo Universo. Você conhece Thor? Ele faz trovões.
― Oi ― disse Arthur. ― Deve ser bem legal.
― Oi ― disse Thor. ― É legal. Você já pegou uma bebida? ― Ahn, não, na verdade...
― Então por que você não vai procurar uma? ― Te vejo depois, Arthur ― disse Trillian.
Alguma coisa passou pela mente de Arthur e ele olhou em volta, procurando alguém.
― Zaphod por acaso está aqui? ― perguntou.
― Vejo você ― repetiu Trillian com firmeza ― mais tarde.
Thor lançou-lhe um olhar duro com seus olhos pretos com carvão; sua barba se eriçou e a pouca luz que havia no sala reagrupou suas forças para cintilar ameaçadoramente no chifres de seu capacete.
Pegou Trillian pelo ombro com sua enorme mão e os músculos de seu braço
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passaram uns pelos outros, como dois fuscas estacionando.
Levou-a embora.
― Uma das coisas interessantes de ser imortal ― disse ele ― é que...
― Uma das coisas interessantes sobre o espaço ― Arthur ouviu Slartibartfast dizer para uma criatura espaçosamente gorda, que se parecia com alguém que estivesse perdendo uma briga contra um edredom rosa e que estava hipnotizada pelos olhos profundos e pela barba prateada do velho ― é quão monótono ele é.
― Monótono? ― disse a criatura, piscando seus olhos bastante enrugados e também injetados.
― Sim – continuou Slartibartfast ―, espantosamente monótono.
Estonteantemente monótono. Sabe, o problema é que há muito espaço e pouca coisa dentro dele. Você quer que eu cite algumas estatísticas?
― Olha, bem...
― Ah, por favor, eu adoraria. Elas também são sensacionalmente monótonas.
― Claro, já volto para ouvir isso ― disse a criatura, dando um tapinha no braço dele e depois levantando sua saia como um hovercraft e se perdendo em meio à multidão.
― Achei que ela não iria mais embora ― resmungou o velho ― Venha, terráqueo...
― Arthur.
― Precisamos encontrar a Trave de Prata, ela está aqui e algum lugar.
― Não podemos relaxar um pouquinho? ― disse Arthur. ― Tive um dia difícil. Por coincidência, Trillian também está aqui, mas não disse como chegou. Suponho que não importe.
― Pense nos perigos que o Universo corre...
― O Universo ― disse Arthur ― já está bem grandinho e já tem idade para cuidar de si mesmo durante meia hora. Tudo bem, tudo bem ― acrescentou, vendo que Slartibartfast estava ficando mais inquieto ―, vou dar uma volta e descobrir se alguém viu a trave.
― Ótimo, ótimo ― disse Slartibartfast. ― Ótimo. ― Depois ele também mergulhou na multidão e todos por quem passava lhe diziam que deveria relaxar um pouco.
― Você viu uma trave em algum lugar? ― perguntou Arthur para um homenzinho que parecia estar de pé aguardando ansiosamente que alguém fosse falar com ele. ― É feita de prata, vitalmente importante para a segurança futura do Universo e é mais ou menos deste tamanho.
― Não ― respondeu o homenzinho entusiasticamente franzino ―, mas vamos tomar um drinque enquanto você me conta todos os detalhes.
Ford Prefect passou, sacudindo-se, dançando de forma frenética, selvagem e um pouco obscena com alguém que parecia estar usando a Ópera de Sydney sobre a cabeça. Ele estava gritando uma conversa fiada para ela por cima da zoeira.
― Gosto deste chapéu! ― berrou.
― O quê?
― Disse que gosto do chapéu.
― Mas eu não estou usando um chapéu.
― Bom, então eu gosto da cabeça. ―
― O quê?
― Eu disse que gosto da cabeça.
― É uma estrutura óssea interessante.
― O quê?
Ford incluiu um "deixa pra lá" com os ombros em complexa rotina de movimentos que estava executando.
― Disse que você dança bem ― vociferou ―, mas tente nao sacudir tanto a cabeça.
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― O quê?
― É só que, toda vez que você sacode a cabeça ― disse Ford e acrescentou "ai!" quando sua parceira se inclinou novamente para dizer "o quê?" e, mais uma vez, enfiou a ponta afiada e protuberante de seu crânio na testa de Ford.