― Meu planeta foi destruído uma certa manhã ― disse Arthur que, inesperadamente, se viu contando a história de sua vida para o homenzinho, ou pelo menos resumindo os melhores momentos ―, e por isso estou vestido assim, com esse roupão. Meu planeta foi destruído com todas as minhas roupas dentro, entende? Não sabia que eu vinha para uma festa.
O homenzinho assentiu entusiasticamente.
― Mais tarde eu fui jogado para fora de uma espaçonave. Ainda em meu roupão. Normalmente seria bom estar usando um traje espacial nessa hora. Pouco depois descobri que meu planeta tinha sido construído originalmente para um punhado de camundongos. Você pode imaginar como isso me fez sentir. Então atiraram em mim algumas vezes e eu fui detonado. Na verdade, já fui detonado um número absurdo de vezes, já atiraram em mim, me insultaram, fui desintegrado várias vezes, privado de chá e, há pouco tempo, nossa nave caiu em um pântano e tive que passar cinco anos em uma caverna úmida.
― Ah! ― disse o homenzinho alegremente. ― Então você se divertiu muito?
Arthur se engasgou violentamente com seu drinque.
― Que tosse formidavelmente excitante ― disse o homenzinho, bastante espantado com aquilo ―, você se importa se o acompanhar?
Tendo dito isso, ele começou a ter um impressionante acesso de tosse que deixou Arthur tão surpreso que ele se engasgou violentamente, descobriu que já estava engasgado antes e ficou totalmente confuso.
Juntos fizeram um dueto de estourar os pulmões que durou uns dois minutos antes que Arthur conseguisse parar.
― Muito revigorante ― disse o homenzinho, arquejante e enxugando lágrimas dos olhos. ― Que vida excitante você deve ter. Muitíssimo obrigado. Apertou calorosamente as mãos de Arthur e depois saiu andando, misturando-se à
multidão.
Arthur apenas balançou a cabeça, surpreso.
Um jovem aproximou-se dele em seguida. Fazia o tipo agressivo, com uma boca torta como um gancho, um nariz de lanterna e ossos da maçã do rosto pequenos e brilhantes. Estava usando calças pretas, uma camisa de seda preta aberta até o que parecia ser seu umbigo ― embora Arthur já tivesse aprendido a nunca presumir nada sobre as anatomias do tipo de gente que vinha encontrando ultimamente ― e tinha diversos penduricalhos dourados esquisitos em volta do pescoço. Carregava alguma coisa em uma bolsa preta e claramente queria que as pessoas notassem que ele não queria que notassem a bolsa.
― E aí, não ouvi você dizer seu nome agora há pouco? ― perguntou. Essa foi uma das muitas coisas que Arthur contou ao homenzinho entusiasmado.
― Sim, é Arthur Dent.
O cara parecia estar dançando levemente em algum outro ritmo que não um dos muitos que a banda tocava sem cessar.
― Isso aí ― disse o cara. ― Tinha um sujeito numa montanha que estava querendo muito ver você.
― Já encontrei com ele.
― É, mas ele tava realmente ansioso com isso, sabe?
― Sei, encontrei com ele.
― É, bom, achei que era legal avisar.
― Já sei. Eu encontrei com ele.
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O cara fez uma pausa para mastigar chiclete. Depois deu um tapinha nas costas de Arthur.
― Isso aí ― ele disse ―, manda ver. Só tava avisando, falo? Boa noite, boa sorte, ganhe prêmios.
― O quê? ― disse Arthur, que estava começando a se atrapalhar seriamente àquela altura.
― Sei lá. Faça o que quiser. Faça bem-feito ― ele fez um ruído parecido com um clique usando seja lá o que for que estivesse mascando, depois fez uns gestos vagos.
― Por quê? ― disse Arthur.
― Faça mal, então ― disse o cara. ― E quem se importa? Ninguém tá nem aí, não é? ― O sangue parecia ter subido à cabeça do sujeito, que começou a gritar.
― Ei, por que não pirar? ― disse. ― Sai fora, me deixa em paz, cara. Zarca fora!
― Tudo bem, tô saindo ― disse Arthur apressadamente.
― Foi pra valer ― o cara acenou bruscamente e desapareceu na massa.
― Que diabos foi isso? ― perguntou Arthur para uma garota que estava ao lado dele. ― Por que ele me disse para ganhar prêmios?
― Maluquice de artista ― disse a garota. ― Ele acabou de ganhar um prêmio na Cerimônia Anual de Premiação do Instituto de Ilusões Recreativas de Alfa da Ursa Menor e estava querendo comentar com você como se não fosse nada, mas como você não perguntou, ele não pôde dizer nada.
― Ah ― disse Arthur ―, ah, puxa, lamento. Qual foi o prêmio?
― Uso Mais Desnecessário da Palavra "Foda-se" em um Roteiro Sério. É um prêmio muito importante.
― Sei ― disse Arthur ―, e como se chama o prêmio?
― Um Rory. É só uma pequena coisa de prata enfiada em um grande pedestal preto. O que você disse?
― Não disse nada. Eu ia perguntar o que a coisa de prata...
― Ah, achei que você tinha dito "uop".
― O quê?
― Uop.
Há anos as pessoas estavam entrando e saindo da festa, penetras famosos de outros mundos, e já fazia algum tempo que os participantes da festa tinham notado, quando olhavam para seu próprio mundo abaixo deles, com suas cidades destroçadas, as fazendas de abacate destroçadas e os vinhedos destruídos por pragas, suas vastas extensões de terras transformadas em desertos, seus oceanos cheios de migalhas de biscoitos e coisas muito piores, enfim, haviam notado que, de formas mínimas, quase imperceptíveis, seu mundo já
não era tão agradável quanto antes. Alguns deles tinham começado a pensar se poderiam ficar sóbrios tempo suficiente para tornar a festa inteira capaz de viajar no espaço e, então, decolar para planetas de outras pessoas, onde o ar fosse mais puro e lhes desse menos dores de cabeça.
Os poucos e malnutridos fazendeiros que ainda conseguiam extrair um miserável sustento do solo árido da superfície do planeta teriam ficado extremamente felizes em saber disso tudo, mas, naquele dia, quando a festa rasgou as nuvens com um som gritante e os fazendeiros olharam para cima temendo um outro saque de queijos e vinhos, ficou claro que a festa não iria para lugar nenhum durante um bom tempo. Na verdade, em breve a festa estaria acabada. Muito em breve seria hora de pegar os chapéus e casacos e cambalear para fora procurando saber qual era a hora, que dia era aquele e onde, naquela terra devastada, seria possível encontrar um táxi.
A festa estava presa num terrível abraço com uma estranha nave branca, que parecia estar meio enfiada nela. Juntas, estavam balançando, oscilando e girando pesadamente no
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céu, em um grotesco desdém por seu próprio peso.
As nuvens se abriram. O ar rugia e abria caminho.
A festa e a nave de Krikkit, em suas manobras, de certa forma se pareciam com dois patos, um dos quais está tentando fazer um terceiro pato dentro do segundo pato, enquanto este segundo pato está tentando explicar, de forma veemente, que não se sente pronto para um terceiro pato naquele exato momento, que não tem muita certeza de sequer querer que um suposto terceiro pato seja feito por aquele primeiro pato para início de conversa e certamente não enquanto ele, o segundo pato, estiver ocupado voando. O céu gritava e gemia em meio à fúria daquilo tudo, esbofeteando o chão com ondas de choque.
E, subitamente, com um "fuop", a nave de Krikkit se foi. A festa vagou trôpega pelo céu, como um homem encostado numa porta inesperadamente aberta. Ela girou e sacolejou sobre seus jatos flutuadores. Tentou endireitar-se, mas conseguiu apenas ficar mais torta. Cambaleou novamente pelo céu.