Durante algum tempo esses tropeços continuaram, mas estava claro que não iriam durar muito. A festa era, agora, uma festa mortalmente ferida. Toda a diversão havia se perdido, fato que as eventuais piruetas alquebradas não podiam disfarçar. Nesse ponto, quanto mais tempo ela evitasse a queda, pior seria o choque quando finalmente caísse.
Lá dentro, as coisas também não estavam indo muito bem. Na verdade, estavam indo monstruosamente mal, as pessoas estavam odiando aquilo e dizendo isso em alto e bom som― Os robôs de Krikkit estragaram a festa.
Tinham levado o Prêmio pelo Uso Mais Desnecessário da Palavra "Foda-se" em um Roteiro Sério e, em seu lugar, deixaram uma cena de devastação que fez com que Arthur se sentisse quase tão enjoado quanto um candidato a um Rory.
― Gostaríamos muito de poder ficar e ajudar ― gritou Ford, abrindo caminho através dos destroços ―, mas não vamos.
A festa sacolejou novamente, gerando gritos e gemidos exaltados dentre os destroços chamuscados.
― Sabe, é que temos que sair para salvar o Universo ― prosseguiu Ford. ― E se isso parece uma bela desculpa esfarrapada, pode até ser. De qualquer forma, estamos fora. Deparou-se subitamente com uma garrafa fechada, miraculosamente inteira e de pé
sobre o chão.
― Vocês se importam se levarmos isso? ― disse. ― Não vão mais precisar, não é?
Pegou um pacote de batatas fritas também.
― Trillian? ― gritou Arthur, com uma voz enfraquecida e abalada. Não conseguia ver nada naquela confusão, em meio à fumaça.
― Terráqueo, temos que ir ― disse Slartibartfast, nervoso.
― Trillian? ― gritou Arthur novamente.
Pouco depois surgiu Trillian, chocada e trêmula, apoiando-se em seu novo amigo, o Deus do Trovão.
― A garota vai ficar comigo ― disse Thor. ― Estão dando uma grande festa no Valhala, vamos voar até lá...
― Onde estava você quando tudo aconteceu? ― disse Arthur.
― Lá em cima ― respondeu Thor. ― Estava vendo o peso dela. Voar é uma coisa complicada, sabe? É preciso calcular a velocidade dos...
― Ela vem conosco ― disse Arthur.
― Ei!. ― disse Trillian. ― Será que eu não...
― Não ― disse Arthur ―, você vem conosco.
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Thor olhou para ele com um olhar que ardia lentamente. Ele estava deixando bem claro um determinado ponto sobre sua divindade e não tinha nada a ver com ser honesto.
― Ela vem comigo ― disse baixinho.
Vamos, terráqueo ― disse Slartibartfast nervosamente, puxando Arthur pela manga.
― Vamos, Slartibartfast ― disse Ford, puxando o velho pela manga. O dispositivo de teleporte estava com Slartibartfast.
A festa inclinou-se e balançou, fazendo com que todos cambaleassem, exceto Thor e exceto Arthur, que olhava, tremendo, dentro dos olhos negros do Deus do Trovão. Lentamente, inacreditavelmente, Arthur levantou o que pareciam ser seus pequenos punhos magrelos.
― Vai encarar? ― disse ele.
― O que disse, seu inseto nanico? ― trovejou Thor.
― Eu perguntei ― repetiu Arthur, incapaz de manter a firmeza na voz ― se você
vai encarar? ― Moveu ridiculamente seus punhos.
Thor olhou para ele com total incredulidade. Então uma pequena nesga de fumaça subiu, saindo de sua narina. Havia uma chama bem pequena lá dentro também. Colocou as mãos no cinturão.
Encheu o peito, só para deixar bem claro que aquele era um homem cujo caminho você só ousaria cruzar se estivesse acompanhado por uma boa equipe de Sherpas. Desprendeu o cabo de seu martelo do cinturão. Segurou-o em suas mãos, deixando à mostra a maciça marreta de ferro. Dessa forma eliminou qualquer dúvida eventual de que estivesse apenas carregando um poste por aí.
― Se eu vou ― disse ele, sibilando como um rio correndo pelo alto-forno de uma refinaria ― encarar?
― Sim ― disse Arthur, com a voz súbita e extraordinariamente forte e belicosa. Sacudiu os punhos novamente, dessa vez com firmeza.
― Vamos resolver isso lá fora? ― rosnou para Thor.
― Tudo bem! ― tonitruou Thor, como um touro enfurecia (ou, na verdade, como um Deus do Trovão enfurecido, o que bem mais impressionante), e saiu.
― Ótimo ― disse Arthur ―, ficamos livres dele. Slarty, nos tire daqui.
Capítulo 23
Está bem ― Ford gritou com Arthur ―, eu sou mesmo um covarde, mas a questão é que ainda estou vivo. ― Estavam de novo a bordo da Espaçonave Bistromática, assim como Slartibartfast e Trillian. A harmonia e a concórdia, contudo, não estavam por lá.
― Bom, eu também estou vivo, não estou? ― retaliou Arthur, a adrenalina correndo solta por conta da aventura e da raiva. Suas sobrancelhas subiam e desciam como se quisessem bater uma na outra.
― Mas por pouco não morreu! ― explodiu Ford.
Arthur virou-se bruscamente para Slartibartfast, que estava em seu assento de piloto na cabine de comando. O velho olhava pensativamente para o fundo de uma garrafa que estava lhe dizendo algo que ele claramente não conseguia compreender, apelou para Slartibartfast.
― Você acha que esse cara entendeu uma palavra sequer do acabei de dizer? ―
falou, trêmulo de emoção.
― Não sei ― respondeu Slartibartfast, vagamente.
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― Não estou bem certo ― acrescentou, olhando para cima por um instante ― se eu mesmo entendi.
Olhou para seus instrumentos com renovado vigor e total desconcerto.
― Você terá que nos explicar tudo de novo ― disse então.
― Bem...
― Mas não agora. Coisas terríveis nos aguardam.
Deu uns tapinhas no pseudovidro do fundo da garrafa.
― Devo dizer que nosso desempenho na festa foi patético Nossa única chance agora é tentar impedir que os robôs coloquem a Chave na Fechadura. Como iremos fazer isso, não tenho idéia ― murmurou. ― Creio que temos de ir até
lá. Não que eu goste da idéia. Provavelmente vamos todos morrer.
― Onde está Trillian, afinal? ― disse Arthur, aparentando uma repentina indiferença. Estava louco de raiva porque Ford havia lhe dado uma bronca por ele ter perdido tempo naquela discussão com o Deus do Trovão, quando poderiam ter escapado muito mais rápido. A opinião pessoal de Arthur, que ele tinha exposto caso alguém achasse que ela pudesse contar minimamente, era de que havia sido extraordinariamente corajoso e imaginativo.
A visão dominante parecia ser a de que sua opinião não valia sequer uma lasca podre de pão. O que realmente doía, contudo, era que Trillian não parecia se importar muito com a coisa toda e havia saído da cabine.
― E onde estão minhas batatas fritas? ― disse Ford.
― Ambas estão ― respondeu Slartibartfast, sem olhar para cima ― na Sala de Ilusões Informacionais. Acho que sua jovem amiga está tentando entender algumas questões da História Galáctica. E creio que as batatas estão lhe fazendo bem.
Capítulo 24
E um erro acreditar que é possível resolver qualquer problema importante usando apenas batatas.
Por exemplo, houve uma vez uma raça imensamente agressiva chamada de Silásticos Armademônios de Striterax. Esse era apenas o nome dessa raça. O nome de seu exército era muito pior. Felizmente eles viveram ainda mais para trás na História Galáctica do que qualquer outra coisa conhecida ― cerca de 20 bilhões de anos atrás, quando a Galáxia era jovem e inocente e qualquer idéia pela qual valesse a pena lutar era uma idéia nova. E lutar era aquilo que os Silásticos Armademônios de Striterax faziam melhor e, sendo bons nisso, dedicavam-se bastante à coisa. Lutavam contra seus inimigos (ou seja, todos os outros) e lutavam entre si. Seu planeta era uma enorme ruína. A superfície estava coberta por cidades abandonadas que estavam cercadas por máquinas de guerra abandonadas que, por sua vez, estavam cercadas por bunkers profundos nos quais os Silásticos Armademônios viviam e brigavam uns com os outros.