― o Coração de Ouro, o centro do Motor de Improbabilidade Infinita. Apenas aquilo e o Pilar de Madeira haviam permanecido intactos após a destruição da Fechadura.
― Me disseram que sua nave anda bem ― disse Zaphod. ― Então que tal me deixar na minha antes que você ...
― Você não vai nos ajudar? ― disse Slartibartfast.
― Nós? ― perguntou Ford, subitamente. ― Nós quem, cara-pálida?
― Eu adoraria ficar e ajudá-lo a salvar a Galáxia ― insistiu Zaphod, apoiando-se nos cotovelos ―, mas tenho a maior dor de cabeça de todos os tempos e pressinto que há
várias outras vindo por aí. Mas, da próxima vez que for preciso salvá-la, é comigo mesmo. E aí, Trillian?
Ela olhou para trás rapidamente. ― Sim?
― Quer vir? Coração de Ouro? Diversão e aventura e coisas exóticas?
― Vou descer em Krikkit ― respondeu ela.
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Capítulo 27
Era o mesmo monte, mas ao mesmo tempo não.
Desta vez não era uma Ilusão Informacional. Era realmente Krikkit e estavam de pé
na superfície do planeta. Perto deles, atrás das árvores, estava o estranho restaurante italiano que havia trazido seus corpos verdadeiros para onde estavam, o verdadeiro mundo de Krikkit no presente.
A grama espessa sob seus pés era real e o solo perfumado também. As fragrâncias doces da árvore também eram reais. A noite era uma noite real. Krikkit.
Possivelmente o lugar mais perigoso da Galáxia para qualquer um que não fosse um krikkitiano. O lugar que não podia tolerar a existência de qualquer outro lugar, cujos habitantes encantadores, simpáticos e inteligentes gritariam com um ódio selvagem, feroz e assassino quando confrontados com qualquer um que não fosse um deles. Arthur estremeceu.
Slartibartfast estremeceu.
Ford, surpreendentemente, estremeceu.
Não era surpreendente que ele houvesse estremecido; o surpreendente é que estivesse ali. Quando levaram Zaphod de volta à sua nave, Ford sentiu-se surpreendentemente envergonhado e decidiu não fugir.
Errado, pensou consigo mesmo, errado, errado, errado. Abraçou contra si uma das Zapoguns com que haviam armado no depósito de armas de Zaphod. Trillian estremeceu e franziu a testa quando olhou para o céu. Também já não era o mesmo. Já não estava mais completamente negro e vazio. O campo em torno deles havia mudado pouco nos 2.000 anos das Guerras de Krikkit e, depois, durante os míseros cinco anos que haviam se passado localmente desde que Krikkit havia sido selado no envoltório de Tempolento, dez bilhões de anos antes. O
céu, contudo, estava dramaticamente diferente.
Luzes fracas e formas pesadas pairavam nele.
Lá no alto, lá para onde nenhum krikkitiano jamais olhava, ficavam as Zonas de Guerra, as Zonas dos Robôs. Enormes naves de guerra e torres flutuavam nos campos de Zero-Grav muito acima das idílicas terras pastorais da superfície de Krikkit. Trillian olhou para aquilo tudo e pensou.
― Trillian ― sussurrou Ford.
― Sim? ― respondeu ela.
― O que você está fazendo?
― Pensando.
― Você sempre respira assim quando pensa?
― Não tinha percebido que estava respirando.
― Foi o que me deixou preocupado.
― Eu acho que sei... ― disse Trillian.
― Shhh! ― disse Slartibartfast alarmado, e sua mão magra e trêmula fez sinal para que se escondessem ainda mais sob a sombra da árvore.
Como antes na fita, subitamente surgiram luzes vindas da trilha na colina, mas, desta vez, as lanternas que balançavam eram lanternas elétricas e não tochas. Não chegava a ser mudança dramática por si só, mas cada novo detalhe fazia com que seus corações batessem assustados. Agora não havia músicas alegres sobre flores e fazendas e cachorros mortos, mas vozes abafadas discutindo algo importante.
Uma luz se moveu no céu, lenta e pesadamente. Arthur foi tomado por um terror
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claustrofóbico e o vento morno ficou atravessado em sua garganta. Logo a seguir um segundo grupo surgiu, vindo do outro lado da colina escura. Moviam-se rapidamente, com uma intenção clara, suas lanternas balançando e vasculhando o terreno ao seu redor.
Os grupos estavam claramente convergindo não apenas um em relação ao outro, mas deliberadamente se dirigindo para o lugar onde Arthur e os outros estavam. Arthur ouviu um leve ruído quando Ford Prefect levantou sua Zapogun e uma tossida incomodada quando Slartibartfast levantou a sua. Sentiu o peso estranho e frio de sua própria arma e, com as mãos trêmulas, levantou-a também.
Seus dedos tatearam para encontrar a trava de segurança e ativar a trava de perigo extremo, como Ford havia mostrado. Estava tremendo tanto que, se atirasse em alguém naquele momento, provavelmente iria assinar seu nome com os raios da arma. Trillian foi a única que não levantou sua arma. Em vez disso, levantou as sobrancelhas, abaixou-as novamente e mordeu os lábios, pensativa.
― Vocês já pensaram... ― começou a dizer, mas ninguém queria discutir nada naquele momento.
Uma luz cortou a escuridão por trás deles e, ao se voltarem, viram um terceiro grupo de habitantes de Krikkit vindo por trás deles, procurando-os com suas luzes. A arma de Ford Prefect disparou ferozmente, mas os raios voltaram-se contra a própria arma, que caiu de suas mãos.
Houve um momento de profundo terror, um segundo no qual, congelados, ninguém atirou.
E no final desse segundo ninguém mais atirou.
Estavam cercados por krikkitianos de feições pálidas e iluminados pelas luzes oscilantes.
Os prisioneiros olhavam para seus captores, os captores olhavam para seus prisioneiros.
― Oi? ― disse um dos captores. ― Desculpe, mas vocês são... alienígenas?
Capítulo 28
Enquanto isso, muitos milhões de quilômetros além do que a mente pode confortavelmente compreender, Zaphod Beeblebrox estava novamente malhumorado. Havia consertado sua nave, ou melhor, havia observado com total atenção enquanto um robô de manutenção consertava sua nave. Ela havia voltado a ser, novamente, uma das mais poderosas e extraordinárias naves existentes. Ele podia ir a qualquer lugar, fazer qualquer coisa. Folheou um livro, depois jogou-o num canto. Já tinha lido aquele. Foi até o painel de comunicações e abriu todas as freqüências de um canal de emergência.
― Alguém quer tomar um drinque? ― disse.
― Isso é uma emergência, cara? ― rosnou uma voz do outro lado da Galáxia.
― Tem algo para misturar? ― perguntou Zaphod.
― Vai pegar carona no rabo de um cometa.
― Tá bom, tá bom ― disse Zaphod, fechando o canal. Suspirou e sentou-se. Levantou-se novamente e andou até a tela do computador. Apertou alguns botões. Pequenos pontos começaram a correr através da tela, devorando-se mutuamente.
― Pow! ― disse Zaphod. ― Freeooool Pop pop popl
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― Oi! ― disse o computador animadamente após um ou dois minutos ― Você fez três pontos. O melhor placar anterior foi de sete milhões, quinhentos e noventa e sete mil, duzentos e...
― Tá bom, tá bom ― disse Zaphod, desligando novamente a tela.
Sentou-se de novo. Brincou com um lápis. Perdeu seu interesse por isso rapidamente.