― aliás, seja o que for, temos que agarrá-lo, pois é a única forma de sairmos daqui!
Saltou até a base da rocha onde estavam e começou a correr pelo campo.
“Agarrá-lo?”, pensou Arthur, depois levantou as sobrancelhas, espantado, quando viu que o Chesterfield estava balançando e flutuando lentamente pela grama. Com um grito de prazer totalmente inesperado, desceu saltitante da rocha e saiu correndo atrás de Ford Prefect e daquela peça irracional de mobília. Correram tresloucadamente pela grama, pulando, rindo e gritando instruções para levar aquela coisa para um lado ou para o outro. O sol brilhava ardentemente sobre a relva e pequenos animais saíam correndo para abrir caminho.
Arthur sentia-se feliz. Estava profundamente contente porque, pelo menos uma vez, seu dia estava saindo exatamente como planejado. Há apenas 20 minutos havia decidido ficar louco e, pouco depois, lá estava ele, caçando um Chesterfield através dos campos da Terra pré-histórica.
O sofá ondulava de um lado para o outro, parecendo ser ao mesmo tempo tão sólido quanto as árvores ao passar entre algumas delas e tão nebuloso quanto um sonho alucinado ao flutuar como um fantasma através de outras.
Ford e Arthur corriam desvairadamente atrás dele, mas o sofá se desviava e se esquivava como se seguisse uma complexa topografia matemática própria ― era exatamente o que estava fazendo. Continuavam a perseguição, o sofá continuava dançando e girando, até que, subitamente, virou-se e mergulhou, como se estivesse cruzando o limite de um gráfico catastrófico, e se viram praticamente em cima dele. Dando impulso e gritando, subiram no sofá, o sol tremeluziu, caíram por um vazio doentio e apareceram inesperadamente no meio do campo de críquete conhecido como Lord's Cricket Ground, em St. John's Wood, Londres, perto do final da última partida [Test Match] da Série Australiana no ano de 198―, quando a Inglaterra precisava de apenas 28 runs para vencer.
Capítulo 3
Fatos importantes extraídos da História Galáctica, número um: (Reproduzido do Livro de História Galáctica Popular do Síderial Daily Mentioner's.) O céu noturno do planeta Krikkit é a vista menos interessante de todo o Universo.
Capítulo 4
Era um dia lindo e agradável no Lord's Cricket Ground quando Ford e Arthur foram casualmente jogados para fora de uma anomalia espaço-temporal e se estatelaram violentamente sobre o gramado perfeito.
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A torcida aplaudia estrondosamente. Não eram eles que estavam sendo aplaudidos, mas se curvaram, em um gesto instintivo de agradecimento, o que foi uma grande sorte, já
que a pequena e pesada bola vermelha que a torcida estava aplaudindo passou zunindo a poucos milímetros da cabeça de Arthur. Na multidão, um homem desmaiou. Eles se jogaram de volta no chão, que parecia girar de forma medonha em torno deles.
― O que foi isso? ― sussurrou Arthur.
― Algo vermelho ― sussurrou Ford de volta.
― Onde estamos?
― Ahn, sobre algo verde.
― Formas ― murmurou Arthur. ― Preciso de formas.
O aplauso da multidão foi rapidamente substituído por exclamações de perplexidade e pelas risadas tensas de centenas de pessoas que ainda não tinham decidido se acreditavam ou não no que haviam acabado de ver.
― Este sofá é de vocês? ― disse uma voz.
― O que foi isso? ― sussurrou Ford.
Arthur olhou para cima.
― Algo azul.
― Forma? ― perguntou Ford.
Arthur olhou novamente.
― Tem a forma ― sussurrou para Ford, com as sobrancelhas furiosamente contraídas ― de um policial.
Permaneceram agachados por alguns instantes, franzindo os olhos o máximo possível. A coisa azul com a forma de policial cutucou os dois.
― Vamos lá, vocês dois ― disse a forma ―, vamos andando. Essas palavras tiveram um forte efeito sobre Arthur. Em um segundo estava de pé, como um escritor ao ouvir o telefone tocar, e olhou espantado para as coisas em volta dele, que haviam se fixado em uma familiaridade bem terrível.
― De onde você tirou isso? ― gritou para a forma de policial.
― O que você disse? ― respondeu a forma, espantada.
― Isso aqui é Lord's Cricket Ground, não é? ― retrucou Arthur. ― Onde você
encontrou isso, como você o trouxe até aqui? Acho ― acrescentou, colocando a mão na testa ― que é melhor eu me acalmar. ― Agachou-se abruptamente diante de Ford.
― É um policial ― disse. ― O que vamos fazer? Ford deu de ombros.
― O que você quer fazer?
― Eu quero ― disse Arthur ― que você me diga que passei os últimos cinco anos sonhando.
Ford deu de ombros novamente e obedeceu.
― Você passou os últimos cinco anos sonhando. Arthur levantou-se outra vez.
― Está tudo bem, seu guarda ― disse ele. ― Eu passei os últimos cinco anos sonhando. Pergunte a ele ― acrescentou, apontando para Ford ―, ele também estava no sonho.
Tendo dito isso, saiu andando em direção à divisória do campo, espanando o pó de seu roupão. Foi então que notou seu roupão e parou. Olhou para ele. Atirou-se sobre o guarda.
― Então de onde foi que vieram estas roupas? ― gritou. Desmaiou e caiu sobre o gramado.
Ford balançou a cabeça.
― Os últimos dois milhões de anos foram difíceis para ele ― disse para o guarda. Juntos, colocaram Arthur sobre o sofá e o carregaram para fora do campo, sendo
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brevemente interrompidos, no meio do caminho, pela súbita desaparição do sofá. A multidão reagiu de formas bem variadas a tudo isso. Muitos não tiveram estômago para assistir à cena e preferiram ouvir a narração pelo rádio.
― Olha, Brian, essa foi interessante ― disse um dos locutores para o outro. ― Não me lembro de nenhuma materialização misteriosa no campo desde que... bom, acho que isso nunca aconteceu antes, não que eu me lembre.
― Que tal Edgbaston, 1932?
― O que foi que aconteceu por lá? Y
― Bem, Peter, acho que era Canter contra Wilícox, vindo para arremessar do extremo do campo quando um espectador subitamente atravessou o gramado. Ficaram em silêncio enquanto o primeiro locutor pensava a respeito.
― Eeeeeé... é ― disse ele. ― Bem, não vejo nenhum grande mistério nisso, não é
mesmo? Pelo que entendi, o sujeito não se materializou em campo, ele apenas entrou correndo, não?
― É verdade, é verdade, mas ele disse que tinha visto algo se materializar no campo.
― Ah! E o que ele viu?
― Acho que era um jacaré.
― Certo. E alguém mais notou o jacaré em campo?
― Aparentemente não. Como ninguém conseguiu que o tal homem desse uma descrição muito detalhada, fizeram uma busca rápida pelo campo mas não acharam nada.
― E que fim levou o sujeito?
― Bem, pelo que me lembro, alguém se ofereceu para tirá-lo de lá e pagar um almoço para o homem, mas ele disse que já havia comido muito, então deixaram o caso de lado e a partida acabou com Warwickshire vencendo por três wickets.
― Eu diria que foi bem diferente desse caso agora. Para os ouvintes que acabaram de sintonizar nossa transmissão, o que está acontecendo por aqui é que... bem... dois homens
― usando uns farrapos em péssimo estado, aliás ― e também um sofá... Era um Chesterfield, não era?
― Isso mesmo, Peter, um Chesterfield.
― Eles se materializaram sensacionalmente bem aqui, no meio do Lord's Cricket Ground. Mas não acho que tenham feito isso por maldade, parecem bemintencionados e...