― Meio louco, meio louco ― insistia o homem, enquanto o transportavam, siderado, a bordo da nave.
Ele era um jornalista do Siderial Daily Mentíoner's. Deram-lhe sedativos e deixaram Marvin cuidando dele até que ele prometesse se comportar e falar algo sensato.
― Eu estava fazendo a cobertura de um julgamento ― disse, finalmente ― em Argabuthon.
Levantou-se, apoiando-se em seus ombros magros e enfraquecidos, com um olhar selvagem. Seus cabelos brancos pareciam estar acenando para um conhecido deles na outra sala.
― Calma, calma ― disse Ford. Trillian pousou uma mão tranqüilizadora sobre seu ombro.
O homem afundou novamente na cama e olhou para o teto da enfermaria da nave.
― O caso ― disse ele ― é irrelevante agora, mas havia uma testemunha... um homem chamado... chamado Prak. Um homem estranho e difícil. Acabaram sendo forçados a administrar-lhe uma droga para fazer com que dissesse a verdade, um soro da verdade. Seus olhos rolavam dentro das órbitas.
― Deram-lhe uma dose forte demais ― disse, quase choramingando. ― Foi forte demais, demais. ― Começou a chorar. ― Acho que os robôs devem ter esbarrado no braço do médico.
― Robôs? ― perguntou Zaphod subitamente. ― Que robôs?
― Uns robôs brancos ― disse o homem em voz baixa e rouca ― invadiram o tribunal e roubaram o cetro do juiz, o Cetro da Justiça de Argabuthon, um treco horrível feito de acrílico. Não tenho idéia do que queriam com aquilo. ― Recomeçou a chorar. ― E
acho que esbarraram no braço do médico...
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Balançou sua cabeça de um lado para o outro, desamparado, tristonho, olhos contorcidos pela dor.
― E quando o julgamento continuou ― disse, em um sussurro quase choroso ―
perguntaram a Prak uma coisa terrível. Pediram a ele ― parou e estremeceu ― que contasse a Verdade, Toda a Verdade e Nada Mais que a Verdade. Só, entendem?
Subitamente apoiou-se novamente nos ombros e gritou para eles:
― Deram-lhe uma dose muito, muito forte daquela droga! Caiu na cama de novo, resmungando baixinho:
― Muito forte, muito forte, muito forte, muito forte...
Em torno da cama, o grupo trocou olhares. Aquilo lhes dava arrepios.
― O que aconteceu? ― disse Zaphod por fim.
― Bem, ele lhes contou tudo ― disse o homem, selvagemente ― e, até onde sei, continua contando coisas até agora. Coisas estranhas e terríveis... terríveis, terríveis! ―
gritou.
Tentaram acalmá-lo, mas ele fez força e se apoiou nos cotovelos novamente.
― Coisas terríveis, incompreensíveis ― gritou ―, coisas que deixariam qualquer homem louco!
Olhou para eles assustado.
― Ou, no meu caso ― acrescentou ―, meio louco. Sou um jornalista.
― Você quer dizer ― perguntou Arthur, baixinho ― que você está acostumado a se defrontar com a verdade?
― Não ― respondeu o outro com o semblante franzido. ― Quero dizer que inventei uma desculpa e saí mais cedo.
Depois disso ele entrou em coma, do qual saiu apenas uma vez, brevemente. Nessa ocasião descobriram o seguinte a partir do que ele contou: Quando ficou claro que era impossível interromper Prak, que ali estava a verdade em sua forma final e absoluta, a corte foi evacuada.
Não apenas evacuada, ela foi selada com Prak lá dentro. Paredes de aço foram construídas ao redor dela e, apenas por garantia, colocaram também arame farpado, uma cerca elétrica, construíram um fosso com crocodilos e estacionaram três grandes exércitos, para garantir que ninguém jamais teria que ouvir Prak falar.
― É pena ― disse Arthur. ― Queria saber o que ele tinha a dizer. Supostamente deveria saber qual é a Pergunta Fundamental para a Resposta Final. Continuo chateado por nunca termos descoberto isso.
― Pense em um número ― disse o computador. ― Qualquer número.
Arthur disse ao computador o número de telefone do setor de informações da estação de trens de King's Cross, acreditando que aquele número deveria ter alguma função e talvez fosse aquela.
O computador injetou o número no Gerador de Improbabilidade da nave, que havia sido reconstruído.
Na Relatividade, a Matéria diz ao Espaço como se curvar, e o Espaço diz à Matéria como se mover.
A Coração de Ouro disse ao espaço que desse um nó em si mesmo e estacionou de forma perfeita dentro do perímetro interno do muro de aço da Câmara de Justiça de Argabuthon.
O tribunal era um lugar austero, uma grande câmara sombria, claramente desenhada para servir à Justiça e não, por exemplo, ao Prazer. Você não conseguiria dar uma festa ali, pelo menos não uma festa animada. A decoração deixaria seus convidados deprimidos. O teto era alto, curvo e muito escuro. Sombras se escondiam lá com uma determinação sinistra. Os revestimentos das paredes, dos bancos e dos pilares maciços,
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todos haviam sido talhados usando as mais escuras e severas árvores da terrível Floresta de Arglebard. A imponente Tribuna da Justiça, que dominava o centro da câmara, era um monstro de gravidade. Se algum raio de sol já tivesse conseguido se esgueirar tão fundo no complexo de justiça de Argabuthon, ele teria feito meia-volta e se esgueirado para fora novamente.
Arthur e Trillian entraram primeiro, enquanto Ford e Zaphod guardavam heroicamente a retaguarda.
Primeiro parecia que tudo estava completamente escuro e deserto. Os passos ecoavam pela câmara deserta. Aquilo parecia estranho. Todas as defesas continuavam em posição e operando normalmente do lado de fora do prédio, coisa que as varreduras da nave confirmaram. Portanto, eles tinham presumido que Prak ainda estaria contando toda a verdade.
Mas não havia nada.
Então, conforme seus olhos se acostumaram com a escuridão, perceberam um leve brilho vermelho em um canto e, atrás dele, uma sombra. Apontaram uma lanterna naquela direção.
Prak estava largado em um banco, fumando um cigarro indolentemente.
― Oi ― disse ele, com um curto aceno. Sua voz ecoou pela câmara. Era um cara pequeno, com cabelos desgrenhados. Estava sentado com os ombros curvados para a frente e sua cabeça e joelhos não paravam de se mover. Deu outro trago no cigarro. Olharam para ele.
― O que está acontecendo? ― perguntou Trillian.
― Nada ― disse ele, sacudindo os ombros. Arthur apontou sua lanterna bem na cara de Prak.
― Pensávamos ― disse ele ― que você estivesse contando a Verdade, Toda a Verdade e Nada Mais que a Verdade.
― Ah, isso ― disse Prak. ― É. Eu estava. Já acabei. Não tem tanta coisa quanto as pessoas imaginam. Mas algumas partes são bem engraçadas.
Subitamente disparou em cerca de três segundos de risadas maníacas e depois parou novamente. Ficou sentado ali, mexendo a cabeça e os joelhos. Deu outra tragada, com um sorriso estranho no canto da boca.
Ford e Zaphod saíram das sombras.
― Conte-nos um pouco a respeito ― disse Ford.
― Ah, já não consigo me lembrar de nada ― disse Prak. ― Pensei em escrever algumas partes, mas primeiro não consegui achar um lápis, e depois, pensei, para que me preocupar?
Houve um longo silêncio, durante o qual puderam sentir o Universo ficar um pouco mais velho. Prak olhava para a lanterna.
― Nada? ― disse Arthur por fim. ― Você não consegue se lembrar de nada?