Quando houvesse nascido na terra, à meia-noite em uma lua cheia, uma cabra com três cabeças, era um sinal.
Quando houvesse nascido na terra, em uma hora qualquer, um gato ou porco perfeitamente normal sem qualquer complicação, ou mesmo uma criança com um nariz empinado, muitas vezes essas coisas também eram vistas como um sinal. Então não havia dúvida alguma de que uma nova estrela no céu era um sinal de enorme magnitude.
E cada novo sinal significava a mesma coisa ― que os Príncipes das Planícies e as Tribos das Montanhas Gélidas estavam se preparando para arrancar o couro uns dos outros. Por si só, isso não seria nada demais, exceto que os Príncipes das Planícies e as Tribos das Montanhas Gélidas sempre decidiam arrancar o couro uns dos outros na Floresta, e a pior parte dessas lutas sobrava sempre para os Habitantes da Floresta, ainda que, até
onde eles conseguissem entender, não tivessem nada a ver com isso. E algumas vezes, depois dos piores desses ultrajes, os Habitantes da Floresta enviavam um mensageiro para o líder dos Príncipes das Planícies ou para o líder das Tribos das Montanhas Gélidas, perguntando-lhes qual a Razão daquele comportamento insuportável.
E o líder, fosse quem fosse, levava o mensageiro para um canto e lhe explicava a Razão, lenta e cuidadosamente, tendo um grande cuidado ao explicar todos os detalhes envolvidos.
A coisa mais terrível era a seguinte: a razão era muito boa. Era clara, muito racional e muito dura. O mensageiro abaixava a cabeça, consternado, sentindo-se tolo por não ter percebido o quão duro e complexo era o mundo real, e quão enormes eram as dificuldades e paradoxos que precisavam ser defrontados para que fosse possível viver nele.
― Você entende agora? ― dizia o líder.
O mensageiro concordava em silêncio.
― E você compreende que essas batalhas precisam ocorrer?
Outra vez concordava em silêncio.
― E por que elas têm que ocorrer na Floresta, no interesse de todos, inclusive dos Habitantes da Floresta?
― Eh...
― A longo prazo.
― Eh, sim.
E o mensageiro de fato compreendia a Razão, e retornava para seu povo na Floresta. Contudo, enquanto se aproximava deles, enquanto atravessava a Floresta, por entre as árvores, percebia que tudo de que podia se lembrar a respeito da Razão era o quão incrivelmente claro o argumento havia parecido.
Qual era exatamente o argumento, isso ele nunca conseguia se lembrar. E isso era, claro, um grande consolo quando as Tribos e os Príncipes voltavam a guerrear, cortando e queimando tudo em seu caminho através da Floresta e matando todos os Habitantes da Floresta que encontrassem.
Prak fez uma pausa em sua história e tossiu.
― Eu fui o mensageiro ― disse ele ― após as batalhas causadas pela aparição de sua nave, que foram especialmente selvagens. Muitos de nosso povo morreram. Acreditei que poderia trazer a Razão de volta. Fui até o líder dos Príncipes, que a contou para mim,
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mas no caminho de volta ela foi se desfazendo e sumindo em minha mente como neve sob o sol. Isso foi há muitos anos e muitas outras coisas já aconteceram desde então. Olhou para Arthur e soltou outro risinho leve.
― Há uma coisa de que consigo me lembrar após o soro da verdade. Além das rãs, e é a última mensagem de Deus para sua criação. Vocês gostariam de ouvi-la?
Durante um breve momento, não sabiam se deviam levá-lo a sério ou não.
― Mesmo ― disse ele. ― Estou falando sério.
Seu peito arfava com dificuldade e lutava para respirar. Sua cabeça pendeu levemente para o lado.
― Não fiquei muito impressionado quando soube pela primeira vez o que era ―
disse ele ―, mas agora, lembrando o quão impressionado eu fiquei pela Razão do Príncipe e quão rápido me esqueci dela, acho que poderia ser bem mais útil. Vocês querem saber o que é? Querem?
Todos concordaram em silêncio.
― Achei que iriam querer. Se vocês estiverem interessados, sugiro que procurem por ela. Está escrita em letras chamejantes de nove metros no topo das Montanhas de Quentulus Quazgar na terra de Sevorbeupstry no planeta Preliumtarn, o terceiro a partir do sol Zarss no Setor Galáctico QQ7 Ativo J Gama. É guardado pela Lajéstica Vantraconcha de Lob.
Houve um longo silêncio após essa parte, finalmente quebrado por Arthur.
― Desculpe, onde mesmo você disse que estava?
― Está escrita ― repetiu Prak ― em letras chamejantes de nove metros no topo das Montanhas de Quentulus Quazgar na terra de Sevorbeupstry no planeta Preliumtarn, o terceiro a partir do...
― Desculpe ― repetiu Arthur ―, que montanhas?
― As Montanhas de Quentulus Quazgar na terra de Sevorbeupstry no planeta...
― Que terra você mencionou? Não peguei bem essa parte.
― Sevorbeupstry, no planeta...
― Sevorbe... o quê?
― Ah, que se dane ― disse Prak, e morreu em seguida. Nos dias seguintes, Arthur pensou um pouco sobre a tal mensagem, mas, no final das contas, decidiu que não iria se deixar levar por ele e insistiu em prosseguir com seu plano original de encontrar um agradável pequeno mundo onde pudesse se assentar e levar uma vida calma e isolada. Tendo salvado o Universo duas vezes no mesmo dia, achou que podia levar as coisas de forma mais calma daí em diante.
Eles o deixaram no planeta Krikkit, que havia voltado a ser um mundo idílico e pastoral, mesmo que as músicas o irritassem um pouco.
Passou muito tempo voando.
Aprendeu a se comunicar com as aves e descobriu que a conversa delas era incrivelmente chata. Só falavam sobre a velocidade do vento, envergadura das asas, relação força/peso e muitas coisas sobre frutinhas. Infelizmente ele também descobriu que, uma vez que você tenha aprendido o passareado, rapidamente percebia que todo o ar estava cheio dele o tempo todo, nada além de tagarelice sem sentido entre pássaros. Não há como escapar.
Foi por esse motivo que Arthur acabou desistindo desse esporte e aprendeu a viver no chão e gostar dele, apesar de também ouvir muita tagarelice sem sentido por lá. Um dia, estava andando pelos campos cantarolando uma adorável melodia que havia aprendido recentemente quando uma espaçonave prateada desceu do céu e pousou na sua frente.
Uma escotilha se abriu, uma rampa se estendeu e um alienígena alto e cinza 104
esverdeado saiu lá de dentro e aproximou-se dele.
― Arthur Phili... ― disse, então olhou atentamente para ele e depois para a sua prancheta. Franziu o rosto. Olhou novamente para ele.
― Já peguei você antes, não foi?
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