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― Peter, Peter, um momento... Queria interrompê-lo para dizer que o sofá acaba de desaparecer.

― Ê verdade. Temos um mistério a menos, então. Ainda assim, definitivamente essa vai entrar para a história, sobretudo porque ocorreu em um momento dramático da partida, a Inglaterra só precisa de 24 runs para vencer a rodada. Neste momento, um policial está escoltando os dois homens para fora do gramado, os espectadores estão se sentando e parece que a partida vai recomeçar.

― Senhor ― disse o policial depois que passaram por um grupo de espectadores curiosos e colocaram o corpo pacificamente inerte de Arthur sobre um cobertor ―, talvez possa me contar quem você é, de onde vem e qual o significado de toda essa confusão?

Ford olhou para o chão por um momento, como se estivesse se preparando para algo, depois endireitou-se e disparou um olhar para o policial que o atingiu com toda a força de cada milímetro dos 600 anos-luz de distância que separam a Terra e o planeta de Ford, próximo de Betelgeuse.

― Tudo bem ― disse Ford, com toda a calma do mundo ―, vou contar.

― Ah, olha, não vai ser necessário ― disse o policial apressadamente. ― Apenas não deixe que seja lá o que for aconteça de novo. ― O policial virou-se e partiu em busca de alguém que não fosse de Betelgeuse. Felizmente o campo estava cheio de pessoas assim.

12

A consciência de Arthur aproximou-se de seu corpo, relutantemente, como se viesse de muito longe. Ela já tinha passado por maus bocados lá dentro. Tensa e lentamente, entrou e assentou-se em sua posição habitual.

Arthur sentou-se.

― Onde estou? ― perguntou.

― No Lord's Cricket Ground ― respondeu Ford.

― Ótimo ― disse Arthur, e sua consciência saiu de novo para tomar um pouco de ar. Seu corpo voltou a cair na grama.

Dez minutos depois, agarrado a uma xícara de chá em uma barraquinha de refrigerantes, seu rosto exausto já estava menos pálido.

― Como está se sentindo? ― perguntou Ford.

― Estou em casa ― respondeu Arthur, com uma voz rouca. Fechou os olhos e deliciou-se com o aroma de seu chá como se fosse... bem, do ponto de vista de Arthur, como se aquilo fosse chá, o que de fato era.

― Estou em casa ― repetiu ―, em casa. Estou na Inglaterra, no presente, o pesadelo acabou. ― Abriu seus olhos novamente e deu um sorriso sereno. ― Estou aqui, onde pertenço ― disse, com um suspiro emocionado.

― Acho que há duas coisas que devo lhe dizer ― disse Ford, colocando um exemplar do jornal Guardian à frente de Arthur.

― Estou em casa ― disse Arthur.

― Sim ― disse Ford. ― A primeira coisa ― continuou, apontando para a data impressa no jornal ― é que a Terra será demolida dentro de dois dias. Estou em casa ― disse Arthur. ― Chá, críquete, grama aparada, bancos de madeira, blazers de linho branco, latas de cerveja...

Focou lentamente o jornal. Torceu um pouco a cabeça para o lado e franziu a testa.

― Acho que já vi isso antes. ― Seus olhos subiram lentamente pela página até

chegar à data, sobre a qual Ford continuava batendo com o dedo. Seu rosto se congelou durante alguns segundos, depois começou a fazer aquela coisa terrível de rachar lentamente que os icebergs do Ártico costumam fazer de forma tão dramática na primavera.

― A outra coisa ― disse Ford ― é que há um osso enfiado em sua barba. ― Ele tomou seu chá.

Do lado de fora da barraquinha de refrigerantes, o sol brilhava sobre uma multidão alegre. Brilhava sobre chapéus brancos e rostos rosados. Brilhava sobre picolés, derretendoos. Brilhava sobre as lágrimas das criancinhas cujos picolés derretiam e caíam no chão. Brilhava sobre as árvores, reluzia nos bastões de críquete que giravam, fulgurava sobre um objeto absolutamente extraordinário que estava estacionado atrás dos outdoors e que, aparentemente, ninguém havia notado. Resplandecia sobre Ford e Arthur quando saíram da barraquinha de refrigerantes, ofuscados pela claridade, e olharam para a cena em volta. Arthur estava trêmulo.

― Talvez ― ele disse ― eu devesse...

― Não ― retrucou Ford, seco.

― O quê?

― Não tente telefonar para si mesmo em casa.

― Mas como você sabia? Ford deu de ombros.

― Por que não? ― insistiu Arthur.

― Falar consigo mesmo no telefone ― respondeu Ford ― nunca leva a nada.

― Mas...

― Veja ― disse Ford. Pegou um telefone imaginário e apertou teclas imaginárias.

― Alô? ― disse ele, no fone imaginário. ― Gostaria de falar com Arthur Dent?

Ah, sim, bom dia. Aqui é Arthur Dent falando. Não desligue.

13

Lançou um olhar desapontado para o fone imaginário.

― Desligou! ― disse, e depois colocou o fone imaginário cuidadosamente de volta em seu gancho imaginário. ― Olha, esta não é minha primeira anomalia temporal. Um olhar ainda mais abatido substituiu o olhar abatido no rosto de Arthur.

― Quer dizer que não estamos sãos e salvos em casa, relaxando após um bom banho? ― perguntou.

― Acho que não podemos sequer dizer ― respondeu Ford ― que estamos em casa nos secando vigorosamente com uma toalha.

O jogo prosseguia. O arremessador aproximou-se do wicket com passos rápidos, depois trotando, então correndo. Subitamente explodiu em uma rajada de braços e pernas da qual saiu voando uma bola. O rebatedor acertou a bola e lançou-a para trás, por cima dos outdoors. Ford seguiu a bola com os olhos e congelou por um instante. Ficou imóvel. Percorreu novamente a trajetória da bola e mais uma vez seus olhos se contraíram.

― Esta não é minha toalha ― disse Arthur, que estava revirando o conteúdo de sua bolsa de pele de coelho.

― Psst! ― disse Ford. Travou os olhos, concentrado.

Eu tinha uma toalha esportiva de Golgafrinchan ― prosseguiu Arthur ― que era azul com umas estrelas amarelas. Não é esta!

― Psst! ― repetiu Ford. Cobriu um dos olhos enquanto olhava com o outro.

― Esta é rosa ― disse Arthur. ― Por acaso é sua?

― Queria que você ficasse quieto e parasse de falar sobre sua toalha ― disse Ford.

― Mas não é minha toalha ― insistiu Arthur ―, é justamente isso que estou tentando...

― E eu queria que você ficasse quieto exatamente agora ― completou Ford, quase rosnando.

― Tudo bem ― disse Arthur, colocando a toalha de volta em sua bolsa préhistórica.

― Entendo que provavelmente não seja um evento importante na escala cósmica, mas ainda assim é peculiar. Uma toalha rosa, do nada, em vez da toalha azul com estrelas amarelas...

Ford estava começando a agir de forma bastante estranha, ou talvez não estivesse realmente começando a agir estranhamente, mas começando a agir de uma forma que era estranhamente diferente das outras formas estranhas como ele geralmente agia. Estava fazendo o seguinte: ignorando solenemente os olhares de estranhamento que provocava no restante do público, passava as mãos em movimentos rápidos na frente de seu rosto, agachava-se atrás de algumas pessoas, pulava por trás de outras, depois ficava imóvel, piscando muito. Fez isso por alguns instantes e então começou a andar sorrateiramente para a frente, de forma lenta e dissimulada, com o rosto completamente franzido e concentrado, como um leopardo que não estivesse bem certo de ter visto uma lata quase vazia de comida de gato a um quilômetro de distância em uma planície quente e poeirenta.

― Esta também não é a minha sacola ― disse Arthur, subitamente. Arthur quebrou a concentração de Ford, que olhou para ele irritado.