Выбрать главу

- Não sei se tenho vocação para isso, padre. Tenho medo.

- O primeiro contato com Deus, Betina, pode ser bastante desconcertante, e a decisão de consagrar sua vida a Ele é das mais difíceis.

"Como descobri minha vocação?" especulara Betina. Quando pequena, evitava a igreja e as aulas de catecismo. Na adolescência, estava mais interessada em festas, roupas e rapazes. Se perguntasse às amigas em Madrid para indicarem possíveis candidatas a freiras, Betina ficaria no final da lista.

Ou, mais acuradamente, nem entraria na lista. Mas aos 19 anos começaram a ocorrer eventos que mudaram sua vida. Estava na cama, dormindo, quando uma voz disse:

- Betina, levante-se e saia.

Abriu os olhos e sentou-se na cama, assustada. Acendeu o abajur na mesinha-de-cabeceira. Estava só. "Que sonho estranho!"

Mas a voz fora bastante real. Tornou a deitar-se, mas foi impossível voltar a dormir.

- Betina, levante-se e saia.

"É o meu subconsciente", pensou. "Por que eu haveria de querer sair no meio da noite?"

Apagou o abajur, mas tornou a acendê-lo um momento depois.

"Isso é loucura."

Mas acabou pondo um chambre e chinelas e desceu. Todos na casa dormiam.

Abriu a porta da cozinha, e nesse instante foi envolta por uma onda de medo, porque de alguma forma sabia que deveria sair para o pátio. Correu os olhos pela escuridão e divisou um brilho de luar numa geladeira abandonada, agora usada para guardar ferramentas.

Betina compreendeu subitamente por que estava ali.

Encaminhou-se para a geladeira, como se estivesse hipnotizada, e abriu-a. Seu irmão de três anos estava lá dentro, inconsciente.

Esse foi o primeiro incidente. Com o tempo, Betina racionalizou isso como uma experiência perfeitamente normal. "Devo ter ouvido meu irmão levantar e sair para o pátio, lembrei que a geladeira estava ali, fiquei preocupada com ele, e por isso saí para verificar."

A segunda experiência não foi fácil de explicar. Aconteceu um mês depois. No sono, Betina ouviu uma voz dizer:

- Você deve apagar o fogo.

Sentou-se na cama, completamente despertada, o coração disparado. Outra vez, foi impossível voltar a dormir. Pôs o chambre e chinelos, saiu para o corredor. Não havia fumaça. Não havia fogo. Abriu a porta do quarto dos pais. Tudo normal ali.

Também não havia fogo no quarto do irmão. Desceu e verificou todos os cômodos. Não havia o menor indício de fogo.

"Sou uma idiota", pensou. "Foi apenas um sonho."

Voltava para a cama no momento em que a casa foi sacudida por uma explosão. Ela e a família escaparam, os bombeiros conseguiram extinguir o incêndio.

- Começou no porão - explicou um bombeiro. - E uma caldeira explodiu.

O incidente seguinte ocorreu três semanas depois. E desta vez não foi sonho. Betina estava no pátio, lendo, quando avistou um estranho atravessando. Ele a fitou, e nesse instante ela sentiu uma malevolência irradiando-se do homem, quase palpável. Ele virou-se e foi embora.

Betina não conseguiu tirá-lo da mente.

Três dias depois, ela estava num prédio de escritório, à espera do elevador. A porta se abriu, e ela já ia entrar no elevador quando reparou no ascensorista. Era o homem que vira no pátio. Betina recuou, assustada. A porta fechou-se e o elevador subiu. Momentos depois caiu, matando todas as pessoas que estavam lá dentro.

No domingo seguinte Betina foi à igreja.

"Santo Deus, não sei o que está acontecendo, e me sinto assustada. Por favor, oriente-me e diga o que devo fazer."

A resposta veio naquela noite, enquanto Betina dormia. A voz disse uma única palavra. "Devoção."

Pensou a esse respeito durante o resto da noite, e pela manhã foi conversar com o padre.

Ele escutou atentamente o que Betina tinha a dizer.

- Ah, você é uma das afortunadas! Foi escolhida.

- Escolhida para quê?

- Está disposta a devotar toda sua vida a Deus, minha criança?

- Eu… eu não sei…

Mas, no final, ela acabou ingressando no convento.

"Escolhi o caminho certo", pensou a reverenda madre Betina, "porque jamais conheci tanta felicidade…"

E agora ali estava aquela criança maltratada a murmurar:

- Tenho medo.

A reverenda madre pegou a mão de Graciela.

- Leve o tempo que precisar para decidir, Graciela. Deus não irá embora. Pense a esse respeito, volte e poderemos conversar.

Mas o que havia para pensar? "Não tenho outro lugar para onde ir", refletiu Graciela. E o silêncio seria bem-vindo. "Já ouvi sons terríveis demais." Fitou a reverenda madre e disse:

- Terei prazer com o silêncio.

Isso acontecera 17 anos antes, e nesse período Graciela encontrara paz pela primeira vez. E toda sua vida era dedicada a Deus. O passado não mais lhe pertencia. Estava perdoada pelos horrores com que fora criada. Era a esposa de Cristo, e ao final de sua vida iria se juntar a Ele. À medida que os anos se passaram, em profundo silêncio, apesar dos pesadelos ocasionais, os sons terríveis em sua mente pouco a pouco se desvaneceram.

Irmã Graciela foi designada para trabalhar no jardim, cuidando dos pequenos arco-íris do milagre de Deus, jamais se cansava de seu esplendor. Os muros do convento erguiam-se acima dela, por todos os lados, como uma montanha de pedra, mas Graciela nunca se sentia aprisionada; em vez disso, sentia-se isolada do terrível mundo exterior, um mundo que jamais queria rever.

A vida no convento fora serena e pacífica. Agora, porém, os pesadelos assustadores convertiam-se em realidade. Seu mundo fora invadido por bárbaros. Expulsaram-na de seu santuário, para o mundo a que renunciara para sempre. E seus pecados ressurgiam, enchendo-a de horror. O mouro voltara. Podia sentir seu bafo quente no rosto. Enquanto lutava com ele, Graciela abriu os olhos, e era o frade quem estava por cima dela, tentando penetrá-la. E ele dizia:

- Pare de resistir, irmã. Vai gostar disso.

- Mamãe! - gritou Graciela. - Mamãe! Socorro!

Capítulo 7

Lucia Carmine sentia-se muito bem enquanto descia pela rua, acompanhada por Megan e Teresa. Era maravilhoso usar de novo roupas femininas, e ouvir o sussurro da seda contra sua pele. Olhou para as outras. As duas andavam nervosamente, desacostumadas às roupas novas parecendo inibidas e embaraçadas na saia e meias. "Parecem que vieram de outro planeta", pensou Lucia. "Certamente não pertencem a este. É como se estivessem usando cartazes que dizem: PEGUEM-ME."

Irmã Teresa era a mais contrafeita. Trinta anos no convento incutiram-lhe um profundo senso de recato, que estava sendo violado pelos eventos que não podiam controlar. Aquele mundo a que pertencera agora parecia irreal. O convento, era real, e ela ansiava voltar ao santuário de seus muros protetores.

Megan estava consciente de que os homens a contemplavam enquanto descia pela rua e corou. Vivera num mundo de mulheres por tanto tempo que esquecera como era ver um homem, muito menos observar um a sorrir-lhe. Era embaraçoso, indecente… excitante. Os homens despertavam sensações que Megan sepultara há muito tempo. Pela primeira vez em anos, estava consciente de sua feminidade.

Estavam passando pelo bar que haviam visto na ida, e a música saíra estrondosa para a rua. Como fora mesmo que frei Carrillo chamara? Rock and roll. "Muito popular entre os jovens." E, subitamente, Megan compreendeu o que era. Ao passarem pelo cinema, o frade dissera: "É vergonhoso o que o cinema tem permissão para mostrar hoje em dia. Esse filme é pura pornografia. Os atos mais pessoais e intimos são apresentados, para todos verem."

O coração de Megan começou a bater mais depressa. Se frei Carrillo passara os últimos vinte anos encerrado num mosteiro, como podia saber sobre a música de rock ou o que o cinema exibia? Alguma coisa estava terrivelmente errada.

Virou-se para Lucia e Teresa e disse, em tom de urgência:

- Precisamos voltar à loja.

Elas observaram enquanto Megan se virava correndo, depois a seguiram.