- Pois não, papai.
- Roma é o tesouro do mundo. Deve visitar a Cidade do Vaticano, a Basílica de Santa Maria Maggiore e a Galeria Borghese, é claro.
- Claro, papai.
Com um planejamento cuidadoso, Lucia conseguiu não ver nenhum desses lugares. Tia Rosa insistia em tirar uma sesta todas as tardes e dormir cedo à noite.
- Deve descansar também, criança.
- Claro, tia Rosa.
E assim, enquanto tia Rosa dormia, Lucia dançou no Quisisana em Capri, passeou numa carrozza puxada por um cavalo de chapéu e plumas, juntou-se a um grupo de estudantes na Marina Piccola, foi a piqueniques em Bagni di Tiberio, tomou o funiculare para Anacapri, onde se juntou a um grupo de universitários franceses para drinques na Piazza Umberto I.
Em Veneza, um belo gondoleiro levou-a a uma discoteca, e um pescador levou-a a uma pescaria em Chioggia. E tia Rosa dormia.
Em Roma, Lucia tomou vinho da Apúlia e descobriu todos os restaurantes agitados em voga, como o Marte, Ranieri e Giggi Fazi.
Onde quer que fosse, Lucia descobria pequenos bares e boates, homens românticos e atraentes, pensando sempre: "O querido papai estava certo. Viajar melhorou minha educação."
Na cama, ela aprendeu a falar diversas línguas diferentes e pensou: "Isso é muito mais divertido do que as aulas de línguas na escola."
Ao voltar para casa, em Taormina, Lucia confidenciou às amigas mais íntimas:
- Fiquei nua em Nápoles, drogada em Selerno, bêbeda em Florença e fodida em Lucca.
A própria Sicília era uma maravilha a explorar, uma ilha de templos gregos, anfiteatros romanos bizantinos, capelas, banhos árabes e cavalos suábios.
Lucia achava Palermo atraente e animada, gostava de vaguear pelo Kalsa, o velho distrito árabe, e visitar a Opera dei Pupi, o teatro de marionetes. Mas Taormina, onde nascera, era sua cidade predilecta. Era um lugar de cartão postal, no mar Jônio, numa montanha pairando sobre o mundo. Era uma cidade de butiques e joalherias, bares e lindas praças antigas, trattorias e hotéis pitorescos, como o Excelsior Palace e o San Domenico.
A estrada que sobe do porto de Naxos é íngreme. Estreita e perigosa. Quando Lucia ganhou um carro, ao completar 15 anos, violou todas as leis de trânsito, mas nunca foi detida pelos carabinieri. Afinal era filha de Angelo Carmine.
Para os considerados bastante corajosos ou estúpidos para perguntarem, Angelo Carmine estava no negócio imobiliário. E em parte era verdade, pois a família Carmine possuia a villa em Taormina, uma casa no lago Como, em Cernobbio, um chalé em Gstaad, um apartamento e uma imensa fazenda nos arredores de Roma. Mas Carmine também operava negócios diferentes. Possuía vários bordéis, dois cassinos, seis navios que traziam cocaína de suas plantações na Colômbia e uma variedade de outros empreendimentos lucrativos, inclusive agiotagem. Angelo Carmine era o capitão dos mafiosos sicilianos e, assim, era apropriado que vivesse bem. Sua vida era uma inspiração para os outros, a prova animadora de que um pobre camponês italiano que fosse ambicioso e trabalhasse duro poderia se tornar rico e bem-sucedido.
Carmine começara como mensageiro para os mafiosos quando tinha 12 anos. Aos 15 tornou-se cobrador de empréstimos de agiotagem, aos 16 anos matara o primeiro homem e se estabelecera sua reputação. Pouco depois disso, casara com a mãe de Lucia, Anna.
Nos anos subsequentes, Angelo Carnime subira pela traiçoeira escada corporativa até ao topo, deixando em sua esteira sucessão de inimigos mortos. Ele crescera, mas Anna permanecera a camponesa simples com quem se casara. Deu-lhe três lindos filhos, mas depois disso sua contribuição à vida de Angelo cessou. Como se soubesse que não tinha mais lugar na vida da sua família, Anna atenciosamente morreu, sendo bastante diferente para fazê-lo com um mínimo de rebuliço.
Arnaldo e Victor estavam no negócio com o pai. Desde pequena, Lucia sempre ouvira as conversas excitantes entre o pai e os irmãos, escutava histórias de como haviam enganado ou dominado seus inimigos. Para Lucia, o pai era como um cavaleiro numa armadura reluzente. Nada via de errado no que o pai e os irmãos faziam. Ao contrário, eles ajudavam as pessoas. Se as pessoas queriam jogar, por que deixar que leis estúpidas impedissem? Se os homens encontravam prazer em comprar sexo, por que não ajudá-los? E como o pai e os irmãos eram generosos ao emprestar dinheiro às pessoas que eram repelidas pelos banqueiros de coração duro. Para Lucia, o pai e os irmãos eram cidadãos exemplares. A prova disso estava nos amigos do pai. Uma vez por semana, Angelo Carmine oferecia um grande jantar na villa e… ah, as pessoas que se sentavam à sua mesa! O prefeito comparecia, assim como alguns vereadores e juízes, artistas de cinema e cantores de ópera, muitas vezes o próprio chefe de polícia e um monsenhor. Várias vezes por ano o próprio governador visitava a casa.
Lucia levava uma vida idílica, com muitas festas, roupas e jóias, carros e criados, amigos poderosos. E de repente, num mês de Fevereiro, quando tinha 23 anos, tudo terminou abruptamente.
Começou de forma bastante inócua. Dois homens foram à villa para falar com seu pai. Um deles era um amigo, o chefe de polícia, o outro seu lugar-tenente.
- Perdoe-me, padrone - disse o chefe de polícia -, mas esta é uma formalidade estúpida a que o comissário está me obrigando. Mil perdões, padrone, mas se fizer a gentileza em me acompanhar à delegacia, providenciei para que esteja em minha casa a tempo de desfrutar a festa de aniversário de sua filha.
- Não há problema. Um homem deve cumprir seu dever. - Angelo Carmine falou jovialmente e sorriu. - Esse novo comissário que foi designado pelo presidente é… para usar uma expressão típica… um "cu-de-ferro", não é mesmo?
- Infelizmente, é isso mesmo. - O chefe de polícia suspirou - Mas não se preocupe. Já vimos muitos homens assim chegarem e partirem depressa, não é mesmo, padrone?
Os dois riram e seguiram para a delegacia.
Angelo não voltou para a festa naquele dia e também não apareceu no dia seguinte. Na verdade, nunca mais tornou a ver qualquer de suas casas. O Estado apresentou um indiciamento com uma centena de acusações contra ele, incluindo homicídio, tráfico de drogas, prostituição, incêndio criminoso e dezenas de outros crimes. A fiança foi negada. A polícia lançou uma rede em que prendeu toda a organização criminosa de Carmine. Ele contava com suas ligações poderosas na Sicília para que as acusações contra ele fossem arquivadas, mas acabou sendo levado para Roma, às escondidas, e internado na Regina Coeli, a mais notória prisão italiana. Foi metido numa cela pequena, com janela gradeada, um aquecedor, uma cama e um vaso sem tampa. Era uma afronta! Uma indignidade além da imaginação!
No começo, Carmine tinha certeza que Tommasco Contorno, seu advogado, haveria de soltá-lo imediatamente. Quando Contorno encontrou-o na sala de visitas da prisão, Carmine estava furioso.
- Eles fecharam meus bordéis e a operação de tráfico de tóxicos, sabem tudo da lavagem do dinheiro. Alguém está falando. Descubra quem é e me traga sua língua.
- Não se preocupe, padrone - assegurou Contorno. - Vamos descobrir. - Seu otimismo era infundado.
A fim de proteger suas testemunhas, o Estado se recusava intransigentemente a revelar os nomes, até o início do julgamento.
Dois dias antes do julgamento, Angelo Carmine e os outros mafiosos acusados foram transferidos para a Prigione Rebibbia, a vinte quilômetros de Roma. Um tribunal próximo fora fortificado como uma casamata. Os 160 mafiosos acusados foram levados por um túnel subterrâneo, com algemas e corrente, metidos em trinta celas feitas de aço e vidro à prova de balas. Guardas armados cercaram o interior e exterior do tribunal, os espectadores foram revistados antes de poderem entrar.
Ao entrar no tribunal, Angelo Carmine sentiu o coração pular de alegria, pois o juiz que presidia o julgamento era Giovanni Buscetta, um homem que estivera na sua folha de pagamento durante 15 anos, um hóspede frequente de sua casa. Carmine sabia que finalmente haveria justiça.