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O julgamento começou. Angelo Carmine contava com a omertá, código de silêncio siciliano, para protegê-lo. Para o seu espanto, no entanto, descobriu que a principal testemunha do Estado era nada menos do que Benito Patas, o guarda-costas.

Benito Patas estava com a família Carmine há tanto tempo, e merecia tanta confiança que tinha permissão para estar presente na sala de reuniões em que se discutiam questões confidenciais de negócios; e como os negócios consistiam de todas as atividades ilegais nos estatutos criminais, Patas tinha estado a par de muitas informações. Quando prendera Patas minutos depois de ele ter assassinado a sangue-frio e mutilado o novo namorado de sua amante, a polícia ameaçara-o com prisão perpétua.

Embora relutante, Patas concordara em ajudar a polícia a condenar Carmine, em troca de uma sentença mais leve. Agora, numa incredulidade horrorizada, Angelo Carmine sentou-se no tribunal e escutou Patas revelar os segredos mais íntimos da família.

Lucia também comparecia ao tribunal todos os dias, ouvindo o homem que fora seu amante destruir o pai e os irmãos.

O testemunho de Benito Patas abriu as comportas. Depois que a investigação do comissário começou, inúmeras vítimas apresentaram-se para contar histórias de Angelo Carmine e o que os seus capangas lhes havia feito. A Máfia controlara seus negócios à força, chantageara, forçara à prostituição, assassinara e mutilara pessoas amadas, vendera tóxicos a seus filhos. A lista de atrocidades era interminável.

Ainda mais perniciosos foram os testemunhos dos pentiti, os membros arrependidos da Máfia que resolveram falar.

Lucia teve permissão de visitar o pai na prisão.

Ele recebeu-a jovialmente. Abraçou-a e sussurrou:

- Não se preocupe, faccia d'angelo. O juiz Giovanni Buscetta é meu ás secreto na manga. Ele conhece todos os truques da lei. Vai usá-los para que eu e seus irmãos sejamos absolvidos.

Angelo Carmine provou ser um péssimo profeta.

O público estava indignado com os excessos da Máfia e quando o julgamento finalmente terminou, o juiz Giovanni Buscetta, um astuto animal político, condenou os mafiosos a longas sentenças de prisão. Angelo Carmine e seus dois filhos receberam a pena máxima na lei italiana, a prisão perpétua, com um mínimo obrigatório de 28 anos.

Para Angelo Carmine, era uma sentença de morte.

Toda a Itália aclamou. A justiça triunfara por fim. Para Lucia, porém, era um pesadelo além da imaginação. Os três homens que ela mais amava no mundo estavam sendo enviados para o inferno.

Mais uma vez, Lucia teve permissão para visitar o pai na cela. A mudança em Angelo Carmine, da noite para o dia, era angustiante. Em pouco tempo ele se tornara um velho. O corpo estava murcho, e a pele corada e saudável se tornara amarelada.

- Eles me traíram - lamentou-se Angelo Carmine. - Todos me traíram. O juiz Geovanni Buscetta… eu o possuía, Lucia! Tornei-o um homem rico, e ele fez esta coisa terrível comigo. E Patas! Fui com um pai para ele. O que aconteceu com o mundo? O que aconteceu com a honra? Eles são sicilianos, como eu.

Lucia pegou a mão do pai e disse em voz baixa:

- Também sou siciliana, papai. Terá sua vingança. Juro que terá, por minha vida.

- Minha vida acabou - retrucou Angelo Carmine. - Mas a sua ainda está pela frente. Tenho uma conta numerada em Zurique. O Banco Leu. Há mais dinheiro do que você poderia gastar em dez vidas. - Sussurrou um número em seu ouvido. - Deixe a maldita Itália. Pegue o dinheiro e divirta-se.

Lucia abraçou-o.

- Papai…

- Se algum dia precisar da um amigo, pode confiar em Dominic Durell. Somos como irmãos. Ele tem uma casa na França, em Béziers, perto da fronteira espanhola.

- Não esquecerei.

- Prometa que deixará a Itália.

- Prometo, papai. Mas há uma coisa que preciso fazer primeiro.

Ter um desejo ardente de vingança era uma coisa, encontrar um meio de consumá-lo era outra. Estava sozinha, e não seria fácil. Lucia pensou na expressão italiana Rubare il mestiere.

Roubar a profissão deles. "Preciso pensar na maneira como eles fazem."

Poucas semanas depois do pai e os irmãos começarem a cumprir as sentenças de prisão, Lucia Carmine apareceu na casa do juiz Giovanni Buscetta. O próprio juiz abriu a porta.

Fitou Lucia surpreso. Vira-a muitas vezes quando era hóspede na casa de Carmine, mas quase nunca haviam se falado.

- Lucia Carmine! O que está fazendo aqui? Não deveria…

- Vim agradecer-lhe, Meritíssimo.

Ele estudou-a desconfiado.

- Agradecer o quê?

Lucia fitou- nos olhos.

- Por denunciar meu pai e irmãos pelo que eles eram. Eu não passava de uma inocente, vivendo naquela casa de horrores. Não tinha a menor idéia de que monstros… - Perdeu o controle e começou a chorar.

O juiz ficou indeciso, depois afagou-lhe o ombro.

- Calma, calma… Entre e tome um chá.

- Oh, obrigada.

Quando estavam sentados na sala de estar, o juiz Buscetta disse:

- Não sabia que se sentia assim em relação a seu pai. Tinha a impressão de que eram muito ligados.

- Só porque eu ignorava como ele e meus irmãos eram. Quando descobri… - Lucia estremeceu. - Não pode imaginar como é. Eu queria sair, mas não havia escapatória para mim.

- Eu não sabia. - Ele afagou-lhe a mão. - Receio tê-la julgado mal, minha cara.

O juiz Buscetta notou, não pela primeira vez, que linda jovem Lucia era. Usava um vestido preto simples, que revelava os contornos do corpo sensual. Ele contemplou os seios arredondados e não pôde deixar de observar como ela crescera.

"Seria sensacional dormir com a filha de Angelo Carmine", pensou Buscetta. "Ele está impotente agora para me fazer qualquer coisa. O velho filho da puta pensava que me possuía, mas eu era esperto demais para ele. Lucia provavelmente é virgem. Eu poderia lhe ensinar algumas coisas na cama." Uma empregada idosa trouxe uma bandeja com chá e uma travessa de biscoitos. Pôs na mesa.

- Devo servir o chá?

- Pode deixar que eu sirvo - murmurou Lucia.

Sua voz era quente, cheia de promessa. O juiz Buscetta sorriu para Lucia.

- Pode ir - disse ele à empregada.

- Pois não, senhor.

O juiz observou Lucia encaminhar-se para a mesinha em que estava a bandeja e servir o chá com todo cuidado.

- Tenho a impressão de que você e eu podemos nos tornar bons amigos - comentou o juiz Buscetta, sondando.

Lucia ofereceu-lhe um sorriso sedutor.

- Eu gostaria muito que isso acontecesse, Meritíssimo.

- Por favor… Giovanni.

- Giovanni. - Lucia entregou-lhe o chá. Ergueu sua xícara, num brinde. - À morte dos vilões.

Sorrindo, Buscetta também levantou sua xícara. - Ele tomou um gole e fez uma careta. O chá estava com um gosto amargo.

- Está muito…?

- Não, não. Está ótimo, minha cara.

Lucia tornou a levantar sua xícara.

- À nossa amizade. - Tomou outro gole.

Buscetta acompanhou-a.

- À… - Não terminou o brinde. Foi dominado por um súbito espasmo, sentiu que um ferro em brasas lhe espetava o coração.

Levou a mão ao peito.

- Oh, Deus! Chame um médico…

Lucia continuou sentada, tomando o chá calmamente, observando-o levantar, cambalear e cair no chão. O corpo de Buscetta teve alguns estertores e depois ficou imóvel.

- Esse é o primeiro, papai - murmurou Lucia.

Benito Patas estava em sua cela, jogando paciência, quando o guarda anunciou:

- Tem uma visita conjugal.

Benito ficou radiante. Desfrutava de uma situação especial, como informante, com muitos privilégios, entre os quais as visitas conjugais. Patas tinha algumas namoradas, que alternavam as visitas. Especulou qual delas fora visitá-lo.

Contemplou-se no pequeno espelho pendurado na parede de cela, passou um pouco de creme nos cabelos, alisou-os para trás, depois seguiu o guarda pelo corredor da prisão, até a área em que ficavam as salas reservadas.