- Preciso de um refúgio.
- E decidiu procurar o refúgio em Deus?
"Exatamente."
- Isso mesmo. - Lucia começou a improvisar. - É o que sempre quis… devotar-me à vida do Espírito.
- Em nossas almas, não é o que todos desejamos, filha?
"Meu Deus, ela está mesmo engolindo a minha história", pensou Lucia, feliz.
A reverenda madre continuou:
- Deve compreender que a Ordem Cisterciense é a mais rigorosa de todas, minha criança. Estamos completamente isolados do mundo exterior. - As palavras soavam como música aos ouvidos de Lucia. - As que passam por estes muros devem fazer votos de nunca mais ir embora.
- Nunca mais vou querer ir embora - garantiu Lucia.
"Ou pelo menos durante os próximos meses."
A madre levantou-se.
- É uma decisão importante. Sugiro que volte agora e pense a esse respeito com todo cuidado, antes da decisão final.
- Já pensei a esse respeito - apressou-se Lucia em dizer. - Acredite, reverenda madre, não tenho pensado em outra coisa. - Fitou a madre prioresa nos olhos. - Quero ficar aqui mais do que qualquer outra coisa no mundo. - A voz de Lucia ressoava com sinceridade.
A reverenda madre ficou perplexa. Havia alguma coisa inquietante e frenética naquela mulher que era perturbadora. E, no entanto, que melhor motivo havia para alguém vir para o convento, onde o seu espírito poderia ser tranquilizado pela meditação e oração?
- Você é católica?
- Sou.
A reverenda madre pegou uma antiquada pena de escrever.
- Diga-me seu nome, criança.
- Meu nome é Lucia Car… Roma.
- Seus pais são vivos?
- Só meu pai.
- O que ele faz?
- Era um homem de negócios. Está aposentado. - Lucia pensou no pai, pálido e consumido na última vez em que o vira, e sentiu uma pontada de angústia.
- Tem irmãos?
- Dois.
- E o que eles fazem?
Lucia decidiu que precisava de toda a ajuda que pudesse obter.
- São padres.
- Maravilhoso.
A catequese prolongou-se por três horas. No final, a reverenda madre disse:
- Providenciarei um leito para a noite. Pela manhã, começará a receber as instruções e, quando acabarem, se ainda tiver o desejo, poderá ingressar na Ordem. Mas devo avisar-lhe que é um caminho difícil o que escolheu.
- Pode estar certa que não tenho alternativa - declarou Lucia, solenemente.
A brisa noturna era quente e suave, sussurrando pela clareira no bosque. Lucia dormia. Estava numa festa, em uma linda villa, o pai e os irmãos também se achavam presentes. Todos se divertiam, até que um estranho entrou na sala e indagou:
- Quem são essas pessoas?
Então as luzes apagaram-se, um facho forte de uma lanterna incidiu em seu rosto, ela despertou e sentou-se, ofuscada.
Havia alguns homens na clareira, à volta das freiras. Com a luz em seus olhos, Lucia mal podia divisar seus contornos.
- Quem são vocês? - tornou o homem a perguntar, a voz rude e profunda.
Lucia encontrava-se instantaneamente desperta, a mente alerta. Estava acuada. Mas se aqueles homens fossem da polícia, saberiam quem eram as freiras. E o que faziam no bosque à noite?
Lucia resolveu correr o risco e disse:
- Somos irmãs do convento em Ávila. Alguns homens do governo apareceram e…
- Já ouvimos falar a esse respeito - interrompeu o homem.
As outras irmãs estavam todas sentadas agora, despertas e apavoradas.
- Quem… quem são vocês?
- Meu nome é Jaime Miró.
Eles eram seis, vestidos de calças grossas, blusões de couro, suéteres de gola rolê e sapatos de lona com solas de corda, e as tradicionais boinas bascas. Estavam fortemente armados e, ao luar fraco, tinham uma aurea demoníaca. Dois homens davam a impressão de terem sido brutamente espancados.
O homem que se apresentara como Jaime Miró era alto e magro, com olhos pretos penetrantes.
- Eles podem estar por perto. - Ele virou-se para um membro do bando. - Dê uma olhada.
- Sim.
Lucia identificou a voz que respondera como feminina. Observou-a afastar-se entre as árvores, em silêncio.
- O que vamos fazer com elas? - perguntou Ricardo Mellado.
- Nada - respondeu Jaime Miró. - Vamos deixá-las e seguir em frente.
Um dos homens protestou:
- Jaime… essas são as irmãzinhas de Jesus.
- Então deixe que Jesus cuide delas - retrucou Jaime Miró bruscamente. - Temos trabalho a fazer.
As freiras ficaram de pé, à espera da decisão deles. Os homens concentravam-se em torno de Jaime Miró, argumentando com ele.
- Não podemos deixar que sejam apanhadas. Acoca e seus homens estão à procura delas.
- Também estão à nossa procura, amigo.
- As irmãs jamais conseguirão escapar sem a nossa ajuda.
- Não - insistiu Jaime Miró, decidido. - Não arriscaremos nossas vidas por elas. Já temos nossos próprios problemas.
Felix Carpio, um dos seus lugar-tenentes, interveio:
- Podemos escoltá-las por parte do caminho, Jaime. Só até elas saírem daqui. - Olhou para as freiras. - Para onde estão indo, irmãs?
Teresa respondeu, com a luz de Deus em seus olhos:
- Tenho uma missão sagrada. Há um convento em Mendavia que nos abrigará.
Felix Carpio disse a Jaime Miró:
- Podemos acompanhá-las até lá. Mendavia fica em nosso caminho para San Sebastián.
Jaime Miró virou-se para ele, furioso.
- Seu idiota! Por que não põem uma placa no caminho avisando para onde estamos indo?
- Eu só queria…
- Mierda! - A voz estava cheia de raiva. - Agora não temos alternativa. Teremos de levá-las conosco. Se Acoca as descobrisse, faria com que falassem. Elas vão nos retardar e tornar muito mais fácil para Acoca e seus carniceiros encontrarem a nossa trilha.
Lucia não prestava muita atenção. A cruz de ouro encontrava-se ao seu alcance, tentadora. "Mas esses miseráveis! Você escolhe os piores momentos, Deus, e tem um estranho senso de humor."
- Está bem - dizia Jaime Miró. - Tentaremos resolver o problema da melhor forma possível. Mas não podemos viajar todos juntos, como um circo. - Virou-se para as freiras. Não era capaz de evitar a irritação na voz. - Alguma de vocês sequer sabe onde fica Mendavia?
As irmãs se entreolharam.
- Não exatamente - respondeu Graciela.
- Então, como esperam chegar lá?
- Deus nos guiará - respondeu irmã Teresa, resoluta.
Outro dos homens, Rubio Arzano, sorriu.
- Estão com sorte. - Acenou com a cabeça na direção de Jaime. - Ele desceu para guiá-las em pessoa, irmã.
Jaime silenciou-o com um olhar.
- Vamos nos separar. Seguiremos por três caminhos diferentes. - Tirou o mapa da mochila.
Os homens se agacharam ao redor, apontando os fachos das lanternas para o mapa.
- O convento de Mandavia fica aqui, a sudeste de Logrono. Seguirei para o norte, passando por Val ladolid, depois subirei para Burgos. - Jaime passou os dedos pelo mapa e virou-se para Rubbio, um homem alto, com aparência de camponês. - Você vai pelo caminho de Olmedo, Peñafiel e Aranda de Duero.
- Certo, amigo.
Jaime Miró concentrou-se outra vez no mapa. Olhou para Ricardo Mellado, um homem com o rosto machucado.
- Ricardo, siga para Segóvia, depois pegue o caminho da montanha para Cerezo de Abajo, e depois Soria. Voltaremos a nos encontrar em Logrono. - Guardou o mapa. - Logrono fica a 210 quilômetros daqui. - Jaime calculou mentalmente. - Vamos nos encontrar lá daqui a sete dias. Mantenha-se longe das estradas principais.
- Em que lugar de Logrono vamos nos encontrar? - perguntou Felix.
- O Cirque Japon estará se apresentando em Logrono na próxima semana - lembrou Ricardo.
- Ótimo. Vamos nos encontrar lá. Na matinê.
- Com quem as freiras vão viajar? - indagou Felix Carpio.
- Vamos dividi-las.
Estava na hora de acabar com aquilo, decidiu Lucia.