- Se os soldados estão à procura de vocês, señor, estaríamos mais seguras se viajássemos sozinhas.
- Mas nós não estaríamos, irmã - retrucou Jaime. - Sabem demais sobre nossos planos agora.
- Além do mais - acrescentou Rubbio -, vocês não teriam a menor chance. Conhecemos o território. Somos bascos, e os habitantes lá do norte são nossos amigos. Vão nos ajudar e nos esconder dos soldados Nacionalistas. Nunca chegariam a Mendavia sozinhas.
"Não quero ir para Mendavia, seu idiota."
- Muito bem, vamos logo embora - falou Jaime Miró, relutante. - Quero estar longe daqui antes do amanhecer.
Irmã Megan escutava em silêncio o homem que dava ordens.
Era rude e arrogante, mas parecia irradiar um tranquilizador senso de poder. Jaime Miró olhou para Teresa e apontou para Tomas e Rubbio Arzano.
- Eles serão responsáveis por você.
- Deus é responsável por mim - retrucou irmã Teresa.
- Claro - respondeu Jaime, secamente. - Deve ter sido por isso que veio parar aqui.
Rubbio aproximou-se de Teresa.
- Rubbio Arzano a seu serviço, irmã. Como se chama?
- Sou irmã Teresa.
Lucia interviu no mesmo instante:
- Viajarei com irmã Teresa.
Não permitiria de jeito nenhum que a separassem da cruz de ouro. Jaime assentiu.
- Está bem. - Ele apontou para Graciela. - Ricardo, você vai com esta.
Ricardo Mellado balançou a cabeça.
- Bueno.
A mulher que Jaime enviara para fazer um reconhecimento voltou ao grupo e anunciou:
- Está tudo em ordem.
- Ótimo. - Jaime olhou para Megan. - Você vem comigo, irmã.
Megan assentiu. Jaime Miró fascinava-a. E havia alguma coisa intrigante na mulher. Era morena, aparência ameaçadora, as feições aquilinas de um predador. A boca nela alguma coisa intensamente sexual. A mulher aproximou-se de Megan.
- Sou Amparo Jirón. Fique de boca fechada, irmã, e não haverá problemas.
- Vamos partir - avisou Jaime aos demais. - Logrono, dentro de sete dias. Não percam as irmãs de vista.
Irmã Teresa e Rubbio Arzano já começavam a descer a trilha.
Lucia seguiu apressada no encalço deles. Vira o mapa que Rubbio Arzano guardara na mochila. "Vou tirá-lo quando ele estiver dormindo", decidiu Lucia.
A fuga através da Espanha começara.
Capítulo 10
Miguel Carrillo estava nervoso. Mais do que isso, Miguel Carrillo estava muito nervoso. Não fora um dia maravilhoso para ele. O que começara tão bem pela manhã, quando encontrara as quatro freiras e as convencera de que era um frade, terminara com ele derrubado e inconsciente, mãos e pés amarrados, deixado no chão da loja de roupas.
Fora a mulher do proprietário quem o encontrara. Era uma mulher idosa e corpulenta, de bigode e estourada. Fitara-o, todo amarrado no chão, e dissera:
- Madre de Diós! Quem é você? O que está fazendo aqui?
Carrillo recorrera a todo seu charme.
- Graças aos céus que apareceu, señorita. - Jamais vira alguém que fosse mais obviamente uma señorita - Estava tentando me livrar dessas correias para poder usar seu telefone e chamar a polícia.
- Não respondeu à minha pergunta.
Ele tentara se ajeitar numa posição mais confortável.
- A explicação é simples, señorita. Sou frei Gonzales. Venho de um mosteiro perto de Madrid. Passava por sua linda loja quando vi dois homens arrombando-a. Achei que era o meu dever, como mensageiro de Deus, impedi-los. Entrei atrás, na esperança de persuadi-los a desistirem de seus pecados, mas eles me dominaram e me amarraram. Agora, se fizer a gentileza de me soltar…
- Mierda!
Carrillo fitara-a aturdido.
- O que disse?
- Quem é você?
- Já disse. Sou…
- Você é o maior mentiroso que já conheci.
Ela fora até os hábitos que as freiras haviam descartado.
- O que é isso?
- Ah… os dois jovens estavam usando esses hábitos como disfarce e…
- Há trajes aqui de quatro pessoas. Disse que eram dois homens.
- É isso mesmo. Os outros dois apareceram depois e…
Ela se encaminhou para o telefone.
- O que vai fazer?
- Chamar a polícia.
- Posso lhe garantir que isso não é necessário. Assim que me soltar, irei direto à polícia e farei um relato completo.
A mulher fitara-o com desdém.
- Seu hábito está aberto, frei.
A polícia foi ainda menos compreensiva do que a mulher.
Carrillo estava sendo interrogado por quatro homens da Guarda Civil. Os uniformes verdes e quepes de verniz preto do século dezoito eram suficientes para inspirar terror por toda a Espanha, e efetuaram sua magia em Carrillo.
- Sabia que corresponde exatamente à descrição de um homem que assassinou um padre lá no norte?
Carrillo suspirou.
- Não estou surpreso. Tenho um irmão gêmeo, que os céus possam puni-lo. Foi por sua causa que ingressei no mosteiro. Nossa pobre mãe…
- Esqueça. - Um gigante com cicatriz no rosto entrou na sala. - Boa tarde, coronel Acoca.
- É esse o homem?
- Isso mesmo, coronel. Por causa dos hábitos das freiras que encontramos com ele na loja, achamos que poderia estar interessado em interrogá-lo pessoalmente.
O coronel Acoca aproximou-se do infeliz Carrillo.
- Claro que estou interessado… e muito.
Carrillo ofereceu ao coronel seu sorriso mais insinuante.
- Fico contente que esteja aqui, coronel. Estou numa missão para minha igreja, e é importante que chegue a Barcelona o mais depressa possível. Como já tentei explicar a esses simpáticos cavalheiros, sou uma vítima das circunstâncias, apenas porque tentei ser um bom samaritano.
O coronel Acoca acenou com a cabeça amavelmente.
- Como está com pressa, tentarei não desperdiçar seu tempo.
Carrillo ficou radiante.
- Obrigado, coronel.
- Fico feliz em saber disso. Fale-me a respeito das quatro freiras.
- Não sei coisa nenhuma sobre quatro freiras…
O punho que o atingiu na boca tinha soqueira de latão, e o sangue esguichou pela sala.
- Santo Deus! - balbuciou Carrillo. - O que está fazendo?
O coronel Acoca repetiu:
- Fale-me a respeito das quatro freiras.
- Eu não…
O punho tornou a acertar na boca de Carrillo, quebrando dentes. Carrillo estava sufocando com o próprio sangue.
- Não! Eu…
- Fale-me a respeito das quatro freiras. - A voz de Acoca era suave e afável.
- Eu… - Carrillo viu o punho levantar. - Está bem! Eu… Eu… - As palavras saíram atabalhoadas. - Elas estavam em Villacastín, fugindo do convento. Por favor, não me bata de novo.
- Continue.
- Eu prometi ajudá-las. Precisavam trocar de roupas.
- Então arrombou a loja…
- Não. Eu… é verdade… elas roubaram algumas roupas, depois me derrubaram e foram embora.
- Comentaram para onde iam?
Um estranho senso de dignidade prevaleceu subitamente em Carrillo.
- Não.
O fato de não mencionar Mendavia nada tinha haver com um desejo de proteção das freiras. Carrillo não estava preocupado com elas. Era apenas porque o coronel lhe desfigurara o rosto.
Seria muito difícil ganhar a vida depois que saísse da prisão.
O coronel Acoca virou-se para os homens da Guarda Civil.
- Estão vendo o que um pouco de persuasão amigável pode fazer? Mandem-no para Madrid, sob acusação de assassinato.
Lucia, irmã Teresa, Rubbio Arzano e Tomás Sanjuro caminharam para o noroeste, seguindo na direção de Olmedo, permanecendo longe das estradas principais e atravessando plantações de cereais. Passando por rebanhos de ovelhas e cabras; a inocência da paisagem pastoral era um irónico contraste com o grande perigo em que todos estavam. Andaram durante toda a noite, e ao amanhecer se encaminharam para um ponto isolado nas colinas.
- A cidade de Olmedo fica logo adiante - avisou Rubbio Arzano. - Pararemos aqui até ao anoitecer. Vocês duas precisam de dormir um pouco. Irmã Teresa estava fisicamente exausta.