- Maravilhoso.
Ele questionou, não pela primeira vez, se a tia seria rica o suficiente para fazer com que todas aquelas audições valessem a pena.
- Ficarei na cabine de controle. Terá tempo para uma canção.
- Senhor… o que devo…?
Ele se fora. Teresa ficou sozinha no estúdio, diante do microfone. Não tinha a menor idéia do que iria cantar.
- Basta procurá-lo - dissera a tia. - A emissora tem um programa musical todas as noites de sábado e…
"Preciso sair daqui."
- Não tenho o dia todo - soou a voz de Louis de repente.
- Desculpe, mas não posso…
O diretor, no entanto, estava determinado a puni-la por desperdiçar seu tempo.
- Só algumas notas - insistiu.
O suficiente para que pudesse dizer à tia como a garota fora uma tola. Talvez isso a persuadisse a parar de enviar seus protégés.
- Estou esperando - acrescentou.
Bennet recostou-se na cadeira e acendeu um Gitane. Mais quatro horas de trabalho. Yvette estaria à sua espera. Teria tempo de passar no seu apartamento, antes de ir para casa e a esposa.
Talvez até houvesse tempo para…
Foi neste instante que ele ouviu e não pôde acreditar. Era uma voz tão pura e tão suave que provocou calafrios por sua espinha. Uma voz impregnada de anseios e desejo, que cantava a solidão e o desespero, amores perdidos e sonhos mortos, uma voz que lhe trouxe lágrimas aos olhos. Avivou nele emoções que julgava há muito mortas. "Meu Deus! Onde estava ela?"
Um técnico de som passava pela cabine de controle e parou, ao ouvir aquela voz, fascinado. A porta estava aberta, e outros começaram a chegar, atraídos pela voz. Ficaram parados em silêncio, ouvindo o som pungente de um coração clamando desesperadamente por amor. Não havia qualquer outro som na cabine.
Quando a canção terminou, houve silêncio prolongado, até que uma mulher murmurou:
- Quem quer que ela seja, não a deixe escapar.
Louis Bennet passou apressado para o estúdio. Teresa preparava-se para sair.
- Desculpe por ter demorado tanto. É que eu nunca…
- Sente-se, Maria.
- Teresa.
- Desculpe. - Ele respirou fundo. - Temos um programa musical nas noites de sábado.
- Eu sei. Sempre o escuto.
- Gostaria de participar?
Teresa fitou aturdida, incapaz de acreditar no que ouvia.
- Está querendo dizer… quer me contratar?
- A partir desta semana. No início, pagaremos o mínimo, mas será uma excelente promoção para você.
Era quase bom demais para ser verdade. "Eles vão me pagar para cantar."
- Pagar? - exclamou Monique. - Quanto?
- Não sei. E também não me importa.
"O importante é que alguém me quer", quase acrescentou, mas se conteve a tempo.
- É uma notícia maravilhosa. Então você vai apresentar-se no rádio! - comentou o pai.
A mãe já começava a fazer planos.
- Pediremos a todos os nossos amigos para escutarem e mandarem cartas com elogios à sua voz.
Teresa olhou para Monique, à espera de que a irmã dissesse:
"Não precisam de fazer isso. Teresa é muito boa."
Mas Monique não disse nada. "Isso passará depressa", era o que ela estava pensando.
Estava enganada.
Na noite de sábado, na emissora de rádio, Teresa estava em pânico.
- Fique tranquila, pois isso é perfeitamente natural - garantiu Louis Bennet. - Todos os artistas passam por tal momento.
Estavam sentados na pequena sala usada pelos artistas.
- Você será uma sensação.
- Acho que vou vomitar.
- Não há tempo. Entrará no ar dentro de dois minutos.
Teresa ensaiara naquela tarde com uma pequena orquestra que a acompanharia. O ensaio fora extraordinário. O estúdio em que fora realizado estava lotado pelo pessoal da emissora, que ouvira falar da moça com a voz incrível. Todos escutaram em silêncio enquanto Teresa ensaiava as canções que iria cantar no ar.
Ninguém duvidava de que estavam testemunhando o nascimento de uma estrela importante.
- É uma pena que ela não seja bonita - comentou um contra-regra. - Mas, pelo rádio, quem pode saber a diferença.
O desempenho de Teresa naquela noite foi magnífico. Ela sabia que nunca cantara melhor. E quem sabia até aonde aquilo poderia levá-la? Talvez, se se tornasse famosa, tivesse homens a seus pés, suplicando para que casasse com eles. Como acontecia com Monique.
Monique comentou, como se lesse seus pensamentos:
- Estou muito feliz por você, mana, mas não fique muito entusiasmada. Essas coisas nunca duram para sempre.
"Isso vai durar", pensou Teresa, na maior felicidade. "Sou finalmente uma pessoa. Sou alguém."
Na manhã de segunda-feira houve um telefonema interurbano para Teresa.
- Provavelmente é uma brincadeira - advertiu o pai. - A pessoa se apresentou como Jacques Raimu.
"O mais importante diretor artístico da França." Teresa atendeu, cautelosa.
- Alô?
- Señorita De Fosse?
- Teresa De Fosse?
- Isso mesmo.
- Sou Jacques Raimu. Ouvi seu programa de rádio na noite de sábado. É exatamente do que estava à procura.
- Eu… eu não compreendo…
- Estou encenando uma peça na Comédie Française, um musical. Começo os ensaios na próxima semana, e estava à procura de alguém com uma voz como a sua. Para ser franco, não há ninguém com uma voz como a sua. Quem é seu agente?
- Agente? Eu… eu não tenho agente.
- Pois então irei até aí pessoalmente e faremos um contrato.
- Monsieur Raimu… eu… não sou bonita.
Era angustiante dizer as palavras, mas Teresa sabia que era necessário. "Ele não deve criar falsas expectativas." Raimu riu.
- Espere até depois de eu a produzir. O teatro é faz-de-conta. A maquilagem pode fazer as mágicas mais incríveis.
- Mas…
- Estarei aí amanhã.
Era um sonho por cima de uma fantasia. Estrelar numa peça de Raimu!
- Acertarei o contrato com ele - declarou o pai de Teresa. - É preciso tomar muito cuidado quando se lida com essa gente de teatro.
- Precisamos comprar um vestido novo para você - sugeriu a mãe. - E eu o convidarei para jantar.
Monique não comentou nada. Considerava aquela situação insuportável. Não podia aceitar que a irmã se tornasse uma estrela. Talvez houvesse uma maneira…
Monique deu um jeito para ser a primeira a descer quando Jacques Raimu chegou à residência dos De Fosse naquela tarde.
Ele foi recebido por uma jovem tão bonita que seu coração exultou.
Ela vestia um traje branco simples que ressaltava seu corpo à perfeição.
"Por Deus!", pensou ele. "Esta aparência e a voz! Ela é perfeita. Será uma estrela de sucesso."
- Não tenho palavras para expressar como me sinto feliz por conhecê-la - disse Raimu.
Monique sorriu efusivamente.
- Também me sinto muito feliz por conhecê-lo. Sou uma grande admiradora sua, Monsieur Raimu.
- Ótimo. Já vi que trabalharemos juntos muito bem. Trouxe um roteiro comigo. É uma linda história de amor e eu acho…
Nesse momento Teresa entrou na sala. Usava um vestido novo, mas mesmo assim parecia desajeitada. Parou ao deparar com Jacques Raimu.
- Ahn… como vai? Não sabia que estava aqui… chegou mais cedo.
Ele olhou para Monique, inquisitivo.
- Esta é minha irmã - disse Monique. - Teresa.
As duas notaram a mudança de expressão de Raimu. Passou do choque ao desapontamento e repulsa.
- Você é a cantora?
- Isso mesmo.
Ele virou-se para Monique.
- E você…
Monique sorriu, com um ar de inocência.
- Sou a irmã de Teresa.
Raimu virou-se para examinar Teresa outra vez, depois sacudiu a cabeça.
- Sinto muito. Você é… - Ele hesitou, à procura da palavra apropriada. -… jovem demais. E agora, se me dão licença, preciso voltar a Paris.
As irmãs ficaram paradas ali, observando Raimu encaminhar-se para a porta.