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- Ricardo Mellado.

O padre fitou-o atentamente. Era difícil dizer com o que o homem parecia. O rosto estava inchado e esfolado, os olhos quase fechados. Através de lábios grossos, o homem murmurou:

- Fico contente que tenha vindo, padre.

- Sua salvação é o dever da igreja, meu filho.

- Eles vão me enforcar esta manhã?

O padre afagou-lhe o ombro, gentilmente.

- Foi condenado a morrer pelo garrote.

- Não!

- Lamento muito. As ordens foram dadas pelo primero-ministro pessoalmente. - O padre pôs a mão na cabeça do preso e entoou: - Diz-me teus pecados…

- Pequei muito em pensamento, palavra e ação, padre, e arrependo-me de todos os pecados com toda a força do coração.

- Ruego a nuestro Padre celestial para la salvación de tua alma. En el nombre del padre, del Hijo y del Espiritu Santo…

O guarda, escutando do lado de fora da cela, pensou: “Uma perda de tempo estúpida. Deus cuspirá no olho deste”.

O padre acabou.

- Adiós, meu filho. Que Deus receba sua alma em paz.

O padre encaminhou-se para a porta da cela. O guarda abriu-a, depois recuou, a arma apontada para o preso. Depois de trancar a porta, o guarda deslocou-se para a cela seguinte.

Abriu a porta e disse:

- Ele é todo seu, padre.

O padre entrou na segunda cela. O homem também fora brutalmente espancado. O padre fitou-o em silêncio por um longo momento.

- Qual é seu nome, meu filho?

- Felix Carpio. - Era um homem corpulento e barbudo, com uma cicatriz recente e lívida na face, que a barba não conseguia esconder. - Não tenho medo de morrer, padre.

- Isso é ótimo, meu filho. Ao final, nenhum de nós é poupado.

Enquanto o padre ouvia a confissão de Carpio, ondas de som distantes, a princípio abafadas, depois se tornando mais altas, começaram a reverberar pelo prédio. Era a trovoada de cascos e gritos da multidão em fuga. O guarda prestou atenção ao barulho, sobressaltado. Os sons aproximavam-se depressa.

- É melhor se apressar, padre. Alguma coisa estranha está acontecendo lá fora.

- Já acabei.

O guarda abriu a porta da cela, o padre saiu para o corredor. A porta foi trancada de novo. Havia um estrépito rumoroso na frente da prisão. O guarda virou-se para espreitar pela janela estreita e gradeada.

- Que barulho será esse?

O padre disse:

- Parece que alguém deseja uma audiência conosco. Pode me emprestar isso?

- Emprestar o quê?

- Sua arma, por favor.

Enquanto falava, o padre aproximou-se do guarda. Em silêncio, removeu o topo da cruz que prendia no pescoço, revelando um estilete comprido. Num movimento rápido, mergulhou o estilete no peito do guarda.

- Saiba, meu filho - murmurou, enquanto tirava a submetralhadora das mãos do guarda agonizante -, que Deus e eu decidimos que você não precisa mais desta arma. - Fazendo devotadamente o sinal da cruz, Jaime Miró acrescentou:

- In Nomine Patris…

O guarda caiu no chão de cimento. Jaime Miró tirou-lhe as chaves e abriu rapidamente as portas das duas celas. Os sons da rua tornavam-se mais intensos.

- Vamos embora - ordenou Jaime.

Ricardo Mellado pegou a submetralhadora.

- Você dá um padre e tanto. Quase me convenceu. - Ele tentou sorrir, com a boca inchada.

- Eles pegaram vocês de jeito, não é mesmo? Mas não se preocupe. Todos pagarão por isso. O que aconteceu com Zamora?

Jaime Miró passou os braços pelos dois homens e ajudou-os a avançarem pelo corredor.

- Os homens espancaram-no até a morte. Pudemos ouvir os seus gritos. Levaram-no depois para a enfermaria e disseram que ele morreu de infarto.

Havia uma porta de ferro trancada à frente.

- Esperem aqui. - Disse Jaime Miró. Aproximou-se da porta e informou ao guarda no outro lado:

- Já acabei aqui.

O guarda abriu a porta.

- É melhor se apressar, padre. Há algum distúrbio ocorrendo lá fora… - Não concluiu a frase.

Enquanto o estilete de Jaime penetrava no corpo, o sangue esguichou pela boca do guarda. Jaime fez sinal para os dois homens.

- Vamos.

Felix Carpio pegou a arma do guarda e começaram a descer.

A cena lá fora era um caos. A polícia corria de um lado para outro, freneticamente, na tentativa de descobrir o que acontecia e controlar as pessoas que, aos berros, no pátio, debatiam-se para fugir dos touros enfurecidos. Um dos touros investira contra a entrada do prédio, esmagando a entrada de pedra. Outro dilacerava o corpo de um guarda uniformizado no chão.

O furgão vermelho encontrava-se no pátio, o motor ligado.

Na confusão, os três homens passaram quase despercebidos e aqueles que os viram escapar estavam ocupados demais em salvar as próprias vidas para tomar alguma providência. Em silêncio, Jaime e seus companheiros embarcaram a traseira do furgão, que logo partiu acelerado, dispersando os pedestres desesperados pelas ruas apinhadas.

A Guarda Civil, a polícia rural paramilitar, em uniforme verde e quepe preto de couro envernizado, tentava em vão controlar a multidão histérica. A Polícia Armada, guarnecendo as capitais das províncias, também eram impotentes diante da confusão generalizada. As pessoas procuravam fugir em todas as direções, na tentativa desesperada de escapar dos touros enfurecidos. Os touros representavam menos perigo do que as próprias pessoas, que se pisoteavam na ânsia da fuga.

Jaime olhou consternado para o espetáculo atordoante de velhos e mulheres sendo derrubados sob os pés da multidão.

- Não foi planejado para acontecer assim! O furgão deveria estar à espera nas barricadas para controlar os touros!

Olhava desolado para a carnificina, mas não podia fazer coisa alguma para detê-la. Fechou os olhos para não ver.

O furgão chegou aos arredores de Pamplona e seguiu para o sul, deixando para trás o clamor e a confusão da multidão em pânico.

- Para onde estamos indo, Jaime? - perguntou Ricardo Mellado.

- Há uma casa segura perto da Torre. Ficaremos lá até escurecer e depois seguiremos em frente.

Felix Carpio estremecia de dor. Jaime Miró observou-o, com uma expressão compadecida.

- Chegaremos num instante, amigo - murmurou, gentilmente.

Ele não conseguia tirar da cabeça a cena terrível de Pamplona.

Meia hora depois, eles se aproximaram da pequena aldeia de Torre e contornaram-na, seguindo para uma casa isolada nas montanhas. Jaime ajudou os dois homens a saltarem da traseira do furgão.

- Vocês serão apanhados à meia-noite - informou o motorista.

- Avise-os para trazerem um médico - disse Jaime. - E livre-se desse furgão.

Os três entraram na casa. Era uma casa de fazenda, simples e confortável, com uma lareira na sala de estar e viga no teto. Havia um bilhete na mesa. Jaime Miró leu-o e sorriu para a frase de recepção: Mi casa es su casa. Encontrou garrafas de vinho no bar e serviu bebida para os três.

- Não há palavras para lhe agradecer, amigo. A você - brindou Ricardo Mellado.

Jaime levantou o copo.

- À liberdade.

Um canário cantou de repente numa gaiola. Jaime foi até lá e observou sua agitação por um momento. Depois, abriu a gaiola, tirou o passarinho gentilmente e levou-o para uma janela aberta.

- Voe para longe, pajarito - murmurou. - Todas as criaturas vivas devem ser livres.

Capítulo 2

Madrid

O primeiro-ministro Leopoldo Martínez estava possesso. Era um homem pequeno, de óculos, todo o corpo tremia enquanto falava.

- Jaime Miró deve ser detido! - gritou, a voz alta estridente. - Estão me entendendo? - Olhou furioso para a meia dúzia de homens reunidos na sala. - Estamos à procura de um único terrorista, e todo o exército e a polícia são incapazes de encontrá-lo.

A reunião estava ocorrendo no Palácio Moncloa, residência e local de trabalho do primeiro-ministro, a cinco quilômetros do centro de Madrid, na Carretera da Galicia, uma estrada sem placas de identificação. O prédio era de alvenaria, verde, com sacada de ferro batido, janelas verdes e guaritas em cada canto.