Estava com sessenta anos, e os últimos trinta de sua vida haviam sido os mais felizes que conhecera. E agora, abruptamente, fora lançada de volta ao mundo do qual fugira. E sua mente lhe pregava estranhas peças.
"O que Deus planejou para mim?"
Capítulo 13
Para a irmã Megan, a viagem era uma aventura. Acostumara-se às novas vistas e sons que a cercavam e sentia-se surpresa com a rapidez da adaptação.
Considerava os companheiros de jornada fascinantes. Amparo Jiró era uma mulher vigorosa, capaz de acompanhar o ritmo dos dois homens com a maior facilidade, ao mesmo tempo em que era bem feminina.
Felix Carpio, o homem corpulento de barba avermelhada e cicatriz, parecia amável e simpático.
Para Megan, no entanto, o mais irresistível do grupo era Jaime Miró. Havia nele uma força implacável, uma fé inabalável em suas convições que fazia Megan lembrar-se das freiras no convento.
Ao iniciarem a jornada, Jaime, Amparo e Felix carregavam sacos de dormir e rifles nos ombros.
- Deixem-me carregar um dos sacos de dormir - sugeriu Megan.
Jaime Miró fitou-a surpreso e depois deu de ombros.
- Está bem, irmã. - Entregou-lhe o saco.
Era mais pesado do que Megan esperava, mas não se queixou. "Enquanto estiver com eles, farei minha parte."
Megan tinha a impressão de que estavam andando por toda a eternidade, tropeçando pela escuridão, atingidos por galhos, arranhados pela vegetação baixa, atacados por insetos, guiados apenas pela luz do luar.
"Quem são essas pessoas? E por que estão sendo caçadas?"
Como Megan e as outras freiras também estavam sendo perseguidas, ela começou a sentir uma forte ligação com os novos companheiros.
Quase não conversavam, mas de vez em quando trocaram frases enigmáticas.
- Está tudo acertado em Val ladolid?
- Tudo, Jaime. Rubbio e Tomás se encontrarão conosco no banco durante a tourada.
- Ótimo. Mande um aviso para Largo Cortez nos esperar. Mas não marque data.
- Certo.
"Quem são Largo Cortez, Rubbio e Tomás?", especulou Megan. "E o que aconteceria na tourada e no banco?" Quase chegou a perguntar, mas achou melhor não fazê-lo. "Tenho a impressão de que não gostariam de muitas perguntas."
Perto do amanhecer, eles sentiram cheiro de fumaça no vale lá embaixo.
- Esperem aqui - sussurrou Jaime. - E fiquem quietos.
Os outros ficaram observando enquanto ele se encaminhava para a beira da floresta e desaparecia.
Megan disse:
- O que foi?
- Cale-se! - sibilou Amparo Jiró.
Jaime Miró voltou 15 minutos depois.
- Soldados. Vamos contorná-los.
Voltaram por quase um quilômetro, depois avançaram cautelosos pelo bosque, até alcançarem uma pequena estrada secundária. Os campos espalhavam-se pela frente, rescendendo a feno moído e frutas maduras.
A curiosidade de Megan prevaleceu, levando-a a perguntar:
- Por que os soldados estão atrás de vocês?
- Digamos que não pensamos da mesma maneira - respondeu Jaime. Megan tinha de se satisfazer com isso. "Por enquanto", pensou. Estava determinada a saber mais sobre aquele homem.
Meia hora depois, quando chegaram a uma clareira resguardada, Jaime disse:
- O sol está subindo. Ficaremos aqui até o anoitecer. - Olhou para Megan. - Esta noite teremos de andar mais depressa.
Ela acenou com a cabeça.
- Tudo bem.
Jaime pegou os sacos de dormir e desenrolou-os. Felix Carpio disse a Megan:
- Fique com o meu, irmã. Estou acostumado a dormir no chão.
- É seu - protestou Megan. - Eu não poderia…
- Pelo amor de Deus! - interveio Amparo, bruscamente. - Entre logo no saco. Não queremos que comece a gritar por causa das malditas aranhas.
Havia uma hostilidade em seu tom que Megan não podia entender. "O que a está incomodando?", especulou Megan.
Ela observou Jaime ajeitar o saco de dormir perto do lugar em que ela se encontrava e depois se acomodar. Amparo Jiró deitou-se ao seu lado. "Já entendi", pensou Megan.
Jaime olhou para a freira e disse:
- É melhor dormir um pouco. Temos um longo caminho pela frente.
Megan foi despertada no meio da noite por um gemido. Alguém parecia sentir uma dor terrível. Sentou-se. Os sons vinham do saco de Jaime. "Ele deve estar passando mal", foi o primeiro pensamento.
O gemido foi se tornando cada vez mais alto, e depois Megan ouviu a voz de Amparo Jiró balbuciando:
- Oh, mais, mais! Dê tudo para mim, querido! Com mais força! Sim! Agora! Agora!
Megan corou. Tentou fechar os ouvidos aos sons, mas era impossível. Pensou como seria Jaime Miró a fazer-lhe amor.
Fez o sinal-da-cruz no mesmo instante e começou a rezar:
"Perdoe-me, Pai. Faça com que meus pensamentos se ocupem apenas de Você. Faça com que meu espírito O procure, a fim de encontrar a fonte e o bem em Você."
E os sons continuaram. Finalmente, quando Megan já começava a pensar que não seria capaz de aguentar mais um instante sequer, eles pararam. Mas havia outros ruídos que a mantinham acordada.
Os sons da floresta reverberavam ao seu redor. Havia uma cacofonia de acasalamento de aves, grilos, a conversa dos pequenos animais e os grunhidos dos animais maiores. Megan esquecera-se de como o mundo exterior podia ser barulhento.
Sentia falta do silêncio maravilhoso do convento. Para seu espanto, sentia saudades até do orfanato. O terrível, maravilhoso orfanato…
Capítulo 14
ÁVILA 1957
Eles a chamavam de "Megan o Terror".
Eles a chamavam de "Megan o Demônio de Olhos Azuis".
Eles a chamavam de "Megan a Impossível".
Ela estava com dez anos de idade.
Fora levada ao orfanato ainda quando bebê, deixada na porta de um camponês e sua mulher que não tinham condições de criá-lá.
O orfanato era um prédio austero, dois andares, caiado em branco, nos arredores de Ávila, na parte mais pobre da cidade, perto do Plaza de Santo Vicente, dirigido por Mercedes Angeles, uma autêntica amazona, com um comportamento arrebatado, que não condizia com a ternura que nutria por seus pupilos.
Megan era diferente das outras crianças, uma estranha com cabelos louros e olhos azuis brilhantes, sobressaindo no contraste com as morenas, de olhos e cabelos escuros. Desde o início, porém, Megan fora diferente nos outros aspetos. Era uma criança independente, líder, promotora de travessuras. Sempre que havia problemas no orfanato, Mercedes Angeles podia estar certa de que Megan se encontrava por trás.
Ao longo dos anos, Megan comandou protestos contra comida, tentou organizar as crianças num sindicato, encontrava maneiras inventivas de atormentar as supervisoras, inclusive algumas tentativas de fuga. É desnecessário dizer que Megan era extremamente popular entre as outras crianças. Era mais jovem do que muitas, mas todas recorriam à sua orientação. Era uma líder nata.
E as crianças menores adoravam quando Megan lhes contava histórias. Possuia uma imaginação delirante.
- Quem foram meus pais, Megan?
- Seu pai era um esperto ladrão de jóias. Subiu no telhado de um hotel no meio da noite para roubar um diamante que pertencia a uma atriz famosa. No momento em que metia o diamante no bolso, a atriz acordou. Ela acendeu a luz e viu-o.
- E não mandou prendê-lo?
- Não. Ele era muito bonito.
- O que aconteceu então?
- Eles se apaixonaram e se casaram. Depois, você nasceu.
- Mas por que me mandaram para um orfanato? Eles não me amavam?
Era essa sempre a parte difícil.
- Claro que amavam. Mas… morreram numa terrível avalanche quando esquiavam na Suíça.
- O que é uma terrível avalanche?
- É quando uma porção de neve desce ao mesmo tempo e enterra a pessoa.
- E papai e mamãe morreram ao mesmo tempo?