O discurso prolongou-se por mais dez minutos, mas Ellen Scott não prestava mais atenção. "Como ele está enganado", pensou, amargurada. "Como todos estão enganados. A Scott Industries nem mesmo é minha. Milo e eu a roubamos. Eu sou culpada de um crime ainda maior do que esse. Não importa mais. Não agora. Porque em breve estarei morta."
Ela recordou as palavras exatas do médico ao ler os resultados dos exames que representavam a sua sentença de morte:
- Lamento profundamente, Srª Scott, mas receio que não haja maneira de lhe dar a notícia gentilmente. O cancro espalhou-se por todo o sistema linfático. É inoperável.
Ela sentira um súbito peso no estômago.
- Quanto tempo ainda me resta?
O médico hesitara.
- Um ano… talvez.
"Não é tempo suficiente. Não com tanta coisa ainda por fazer."
- Não dirá coisa alguma a ninguém, é claro. - Sua voz era firme.
- Claro que não.
- Obrigada, doutor.
Não tinha lembrança da saída do Centro Médico Presbiterano Colúmbia ou da viagem para o centro da cidade. Tinha apenas um pensamento: "Devo encontrá-la antes de morrer."
O discurso do governador terminara.
- Senhoras e senhores, é minha honra e privilégio apresentar a Srª Ellen Scott.
Ela levantou-se, ovacionada de pé, e encaminhou-se para o palco, uma mulher magra, cabelos grisalhos, empertigada, vestida com uma elegância e irradiando uma falsa vitalidade. "Olhar para mim é como ver a luz distante de uma estela há muito morta", pensou, amargurada. "Na verdade, não estou mais aqui."
No palco, ela esperou os aplausos cessarem.
"Estão aplaudindo um monstro. O que fariam se soubessem?" Quando começou a falar, a voz estava firme:
- Senhor vice-presidente, senadores, governador Adams…
"Um ano", pensava ela. "Eu me pergunto onde ela está, se continua viva. Preciso encontrá-la."
Ela continuou a falar, dizendo automaticamente todas as coisas que a audiência esperava ouvir.
- Aceito com satisfação esse tributo, não para mim, mas para todos que tanto têm trabalhado a fim de aliviar o fardo dos menos afortunados do que nós…
Sua mente retrocedeu no tempo, por 42 anos, até Gary, Indiana…
Aos 18 anos, Ellen Dudash era empregada na fábrica de peças automotrizes da Scott Industries, em Gary, Indiana. Era uma jovem atraente e expansiva, muito popular entre os colegas de trabalho.
No dia em que Milo Scott foi inspecionar a fábrica, Ellen foi escolhida para escoltá-lo.
- Já pensou nisso, Ellie? Talvez acabe se casando com o irmão do patrão, e todos nós estaremos trabalhando para você.
Ellen Dudash riu.
- É bem possível… e vai acontecer quando as galinhas criarem dentes.
Milo Scott não era absolutamente o que Ellen esperava. Tinha trinta e poucos anos, era alto e esbelto. "Não é nada feio", pensou Ellen. Ele era tímido, quase deferente.
- É muita gentileza de sua parte tomar seu tempo para me mostrar as instalações. Espero não estar afastando-a do seu trabalho.
Ela sorriu.
- Espero que esteja.
Era um homem fácil de se conversar.
"Não posso acreditar que estou gaguejando com o irmão do patrão. Espere só até contar tudo a mamãe e papai."
Milo Scott parecia verdadeiramente interessado pelos operários e seus problemas. Ellen conduziu-o pelo departamento em que eram fabricadas as peças de transmissão. Mostrou a sala de têmpera, onde as engrenagens eram submetidas a um processo de endurecimento, a seção de acondicionamento e o departamento de expedição. Ele parecia devidamente impressionado.
- Sem dúvida é uma grande operação, não é mesmo, Senhorita Dudash?
"Ele possui tudo isso e se comporta como um garoto embasbacado. Há gente de todos os tipos."
Foi na seção de montagem que o acidente ocorreu. O cabo de um carro suspenso, levando ferro despencou. Milo Scott encontrava-se diretamente embaixo. Ellen viu o que estava para acontecer uma fração de segundo antes e, sem pensar, empurrou-o para o lado. Duas barras de ferro atingiram-na antes que pudesse escapar. Ela caiu, inconsciente.
Despertou numa suíte particular de um hospital. O quarto estava literalmente repleto de flores. Quando abriu os olhos e viu tudo, Ellen pensou: "Morri e fui para o céu."
Havia orquídeas, rosas, lírios, crisântemos e flores raras que não podia identificar. O braço direito estava engessado, as costelas enfaixadas.
Uma enfermeira entrou.
- Ah, já acordou, Senhorita Dudash. Vou chamar o médico.
- Onde… onde estou?
- Blake Center… é um hospital particular.
Ellen correu os olhos pela ampla suíte. "Nunca poderei pagar tudo isso."
- Estamos interceptando as ligações para você.
- Que ligações?
- A imprensa vem tentando entrevistá-la. Seus amigos têm telefonado. O Sr. Scott ligou várias vezes…
"Milo Scott!"
- Ele está bem?
- Como?
- Ele ficou machucado no acidente?
- Não. Esteve aqui no início da manhã, mas você ainda dormia.
- Ele veio me visitar?
- Isso mesmo. - A enfermeira correu os olhos à sua volta. - A maioria destas flores foi enviada por ele.
"Incrível!"
- Seus pais estão na sala de espera. Sente-se em condições para recebê-los agora?
- Claro.
- Vou chamá-los.
"Puxa, nunca fui tratada assim num hospital", pensou Ellen.
Seus pais entraram e se aproximaram da cama. Eles haviam nascido na Polônia, e tinham apenas uma noção de inglês. O pai era mecânico, corpulento e rude, na casa dos cinquenta anos, a mãe era uma camponesa simples do norte da Europa.
- Trouxe-lhe uma sopa, Ellen.
- Mamãe… eles dão comida às pessoas nos hospitais.
- Não da minha sopa. Não vão alimentar você direito no hospital. Coma tudo e ficará boa mais depressa.
- Já viu o jornal? Eu trouxe para você - comentou o pai.
Entregou o jornal a Ellen. A manchete dizia: OPERÁRIA ARRISCA A VIDA PARA SALVAR PATRÃO.
Ellen leu a matéria duas vezes.
- Foi muita coragem sua salvá-lo.
"Coragem! Foi uma estupidez. Se eu tivesse tempo para pensar, teria me salvado. Foi a coisa mais imbecil que já fiz. Ora, eu poderia ter morrido!"
Milo Scott foi visitar Ellen mais tarde, ainda naquela manhã. Trazia outro buquê de flores.
- São para você - disse, contrafeito. - O médico garantiu que ficará boa. Eu… eu não tenho palavras para expressar como me sinto grato.
- Não foi nada.
- Foi o ato mais corajoso que já vi. Salvou minha vida.
Ellen tentou se mexer, mas o movimento provocou-lhe uma aguda dor no braço.
- Você está bem?
- Claro. - Ela sentiu o lado começar a latejar. - O que o médico disse que estava errado comigo?
- Quebrou o braço e está com três costelas fraturadas.
Ele não podia dar uma notícia pior. Os olhos de Ellen encheram-se de lágrimas.
- Qual é o problema?
Como ela podia lhe contar? Riria dela. Vinha economizando para umas férias há muito sonhadas em Nova York com algumas colegas da fábrica. Era seu sonho. "Agora, ficarei sem trabalhar um mês ou mais. Lá se vai Manhattan."
Ellen trabalhava desde os 15 anos. Sempre fora independente e auto-suficiente, mas agora pensou: "Se ele está mesmo tão grato, talvez concorde em pagar parte das contas do hospital. Mas não posso pedir-lhe." Começava a sentir-se sonolenta. "Deve ser a medicação." E disse, com a voz meia engrolada:
- Obrigada por todas as flores, Sr. Scott. E foi um prazer conhecê-lo.
"Eu me preocuparei com as contas do hospital mais tarde."
Ellen Dudash adormeceu.
Na manhã seguinte, um homem alto e de aparência distinta entrou na suíte de Ellen.
- Bom dia, Senhorita Dudash. Como está se sentindo esta manhã?
- Muito melhor, obrigada.