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Era uma pitoresca justaposição do passado e presente, mas Lucia tinha outras coisas na mente. Permanecia perto de irmã Teresa, esperando pela primeira oportunidade de se apoderar da cruz e fugir. Os dois homens estavam sempre ao lado delas. Rubbio Arzano era o mais cortês, um homem alto, simpático, jovial. "Um camponês de mentalidade simples", concluiu Lucia. Tomás Sanjuro era franzido e calvo.

"Parece-se mais com um vendedor de sapatos do que com um terrorista. Será fácil de enganar os dois."

Atravessaram as planícies ao norte de Ávila à noite, esfriada pelos ventos que sopravam das montanhas Guadarrama. Havia um vazio assustador nas planícies ao luar. Passavam por "granjas" de trigo, olivais, vinhedos e milharais e pegavam batatas e alface, frutas das árvores, e ovos de galinhas nos galinheiros.

- Toda a região rural da Espanha é um vasto mercado - comentou Rubbio Arzano.

Tomás Sanjuro sorriu.

- É tudo de graça.

Irmã Teresa mantinha-se totalmente indiferente à conversa.

Seu único pensamento era alcançar o convento em Mendavia. A cruz parecia cada vez mais pesada, mas estava determinava a não permitir que lhe saísse das mãos. "Muito em breve", pensou. "Daqui a pouco estaremos lá. Fugimos de Getsêmane e de nossos inimigos para a nova mansão que Ele preparou para nós."

- O que disse? - indagou Lucia.

Irmã Teresa não percebera que falava em voz alta.

- Eu… nada.

Lucia examinou-a mais atentamente. A mulher mais velha parecia transtornada, e um pouco desorientada, sem saber o que acontecia ao seu redor. Acenou a cabeça para o saco de viagem que irmã Teresa carregava.

- Deve estar pesado - disse num tom de simpatia. - Não gostaria de que eu carregasse um pouco?

Irmã Teresa comprimiu a cruz contra o corpo.

- Jesus carregou um fardo mais pesado. Posso carregar este por Ele. "Se algum homem for atrás de mim, que negue a si mesmo, assuma a sua cruz diária e me acompanhe." Eu a levarei - acrescentou ela, obstinada.

Havia algo estranho em seu tom de voz.

- Está se sentindo bem, irmã?

- Claro.

Irmã Teresa achava-se longe de estar bem. Não conseguira dormir. Sentia-se tonta e febril. A mente escapava-lhe ao controle outra vez. "Não posso ficar doente", pensou. "Irmã Betina me repreenderia." Mas irmã Betina não estava ali. Era tudo muito confuso. E quem eram aqueles homens? Não confio neles.

"O que querem comigo?"

Rubbio Arzano tentara puxar conversa com irmã Teresa, procurando deixá-la à vontade.

- Deve lhe parecer estranho, irmã, estar de volta ao mundo. Quanto tempo passou no convento?

"Por que queria ele saber?"

- Trinta anos.

- Puxa, é um bocado de tempo. De onde veio?

Era angustiante para ela até mesmo pronunciar a palavra.

- Éze.

O rosto de Arzano se iluminou.

- Éze? Passei um verão lá, em férias. É uma cidadezinha maravilhosa. Conheço bem. Lembro-me…

Conheço bem. Até que ponto? "Será que ele conhece Raul? Fora Raul que o mandara?" E a verdade atingiu-a como um relâmpago.

Aqueles estranhos haviam sido enviados para levá-la de volta a Éze, para Raul Giradot. Estavam sequestrando-a. Deus a puniu por abandonar o bebê de Monique. Ela tinha certeza agora que a criança que vira na praça de Villacastín era de sua irmã. "Mas não podia ser, não é mesmo? Isso acontecera há trinta anos", Teresa murmurou para si mesmo. "Estão mentindo para mim."

Rubbio Arzano observava-a, escutando seus murmúrios.

- Algum problema, irmã?

Ela entendera tudo agora. Não permitiria que a levassem de volta para Raul e o bebê. Precisava chegar ao convento em Mendavia e entregar a cruz de ouro, Deus então a perdoaria pelo terrível pecado que cometera. "Devo ser esperta. Não posso deixar que percebam que sei de seu segredo." Olhou para Rubbio e acrescentou:

- Estou bem.

Seguindo em frente, através de planícies secas, crestadas pelo sol, chegaram a uma pequena aldeia em que camponesas vestidas de preto lavavam roupa numa fonte, sob um telhado, apoiado em quatro vigas antigas. A água passava por uma comprida calha de madeira, de forma que estava sempre fresca. As mulheres esfregavam as roupas em blocos de pedra e enxaguavam na água corrente.

"Uma cena muito pacífica", pensou Rubbio. Lembrava-o da fazenda que deixara para trás. "É assim que a Espanha era. Sem bombas, sem matanças. Algum dia voltaremos a ter paz?"

- Buenos dias.

- Buenos dias.

- Poderíamos beber um pouco? Viajar deixa as pessoas com muita sede.

- Claro. Sirvam-se, por favor.

A água estava fresca e revigorante.

- Gracias, Adiós.

- Adiós.

Rubio detestava partir.

As duas mulheres e os dois acompanhantes seguiram em frente, passando por oliveiras e sobreiros, o ar do verão impregnado com a fragância de uvas e laranjas maduras. Passaram por pomares de macieiras, cerejeiras e ameixeiras, fazendas ruidosas, com o barulho de galinhas, porcos e cabras.

Rubio e Tomás na frente, conversando em voz baixa.

"Estão falando de mim. Pensam que não conheço seu plano."

Irmã Teresa chegou mais perto, a fim de poder escutar o que diziam.

- …uma recompensa de quinhentas mil pesetas por nossas cabeças. Claro que o capitão Acoca pagaria mais por Jaime, mas não quer sua cabeça. Quer seus cojones.

Os homens riram.

Enquanto escutava a conversa, a convição de irmã Teresa foi se tornando cada vez mais forte. "Esses homens são assassinos executando o trabalho de Satã, mensageiros do mal enviados para me condenarem ao inferno eterno. Mas Deus é mais forte do que eles. Ele não permitirá que me levem de volta para casa."

Raul Giradot estava ao seu lado, exibindo o sorriso que ela conhecia tão bem.

"A voz!"

"Como?"

"Ouvi você cantar ontem. É magnífica."

"Em que posso servi-la?" "Preciso de três metros de musseline, por favor."

"Pois não. Por aqui… Minha tia é dona desta loja e precisava de ajuda, por isso resolvi trabalhar para ela por algum tempo."

"Tenho certeza que poderia conquistar qualquer homem que quisesse, Teresa, mas espero que me escolha."

Ele era tão bonito…

"Nunca conheci ninguém como você, minha querida."

Raul abraçava-a e beijava-a.

"Vai ser uma linda noiva."

"Mas agora sou esposa de Cristo. Não posso voltar para Raul."

Lucia observava irmã Teresa atentamente. Ela falava sozinha, mas Lucia não conseguia distinguir as palavras.

"Ela está desabando", pensou Lucia. "Não vai aguentar muito tempo. Preciso me apoderar daquela cruz o mais depressa possível."

O crepúsculo já caíra quando avistaram a cidade de Olmega ao longe.

Rubio parou.

- Haverá soldados por lá. Vamos subir pelas colinas e contornar a cidade.

Saíram da estrada e deixaram as planícies, rumo às colinas, por cima de Olmega. O sol deslizava pelos picos da serra, e o céu começava a escurecer.

- Precisamos percorrer apenas mais alguns quilômetros - garantiu Rubio Arzano, tranquilizador. - E depois poderemos descansar.

Alcançaram o topo de uma alta colina. Tomás Sanjuro levantou a mão subitamente e sussurrou:

- Esperem!

Rubio adiantou-se para seu lado, foram juntos até a beira da colina e olharam para o vale lá embaixo. Havia um acampamento de soldados.

- Mierda! - murmurou Rubio. - Deve haver um pelotão inteiro. Ficaremos aqui em cima pelo resto da noite. Provavelmente eles levantarão o acampamento ao amanhecer, e então podemos seguir em frente. - Virou-se para Lucia e irmã Teresa, tentando não deixar transparecer sua preocupação. - Passaremos a noite aqui, irmãs. Não podemos fazer barulho. Há soldados lá embaixo, e não queremos que nos descubram.

Era a melhor notícia que Lucia poderia ouvir. "É perfeito", pensou. "Desaparecerei com a cruz durante a noite. Não ousarão tentar seguir-me, por causa dos soldados."