Para seu espanto, divisou Lucia agachada a menos de um metro.
- Onde está irmã Teresa?
- Ela… ela sumiu.
- Fique abaixada.
Rubio pegou a mão de Lucia e ziguezagueou para a floresta, afastando-se do fogo inimigo. Os tiros zumbiam perigosameente próximos enquanto corriam, mas momentos depois Lucia e Rubio já se encontravam entre as árvores. Continuaram a correr.
- Segure minha mão, irmã.
Podia ouvir os soldados atrás, mas aos poucos o barulho foi diminuindo. Era impossível perseguir alguém na escuridão total da floresta.
Rubio parou para deixar Lucia recuperar o fôlego.
- Nós os despistamos por enquanto - disse-lhe ele. - Mas precisamos continuar fugindo.
Lucia respirava com dificuldade.
- Se quiser descansar um pouco, irmã…
- Não. - Ela estava exausta, mas não tinha a menor intenção de deixar que a apanhassem. Logo agora, que estava com a cruz.
- Estou bem. Vamos sair daqui.
Fal Sostelo defrontava-se com o desastre. Um terrorista estava morto, mas só Deus sabia quantos haviam escapado. Não tinha Jaime Miró, e só pegara uma das freiras. Sabia que teria de comunicar ao coronel Acoca o acontecido, e não se sentia ansioso pelo encontro.
A segunda ligação de Alan Tucker para Ellen Scott foi ainda mais perturbadora do que a primeira.
- Descobri uma informação muito interessante, Srª Scott - disse, cauteloso.
- O que é?
- Verifiquei os arquivos de um jornal daqui, para obter mais informações sobre a garota.
- E o que encontrou? - Ellen preparou-se para o que sabia ser inevitável.
Alan Tucker manteve a voz casual.
- Parece que a garota foi abandonada por volta da ocasião do seu desastre de avião.
Silêncio.
Ele continuou:
- O que matou seu cunhado, a esposa e a filha Patricia.
"Chantagem. Não havia outra explicação. Portanto, ele descobrira tudo."
- É isso mesmo - disse Ellen Scott, calmamente. - Eu devia ter falado tudo. Explicarei quando voltar. Tem mais alguma notícia da garota?
- Não, mas ela não pode se esconder por muito mais tempo. O país inteiro está a sua procura.
- Avise-me assim que for encontrada.
A ligação foi cortada.
Alan Tucker continuou sentado, os olhos voltados para o telefone mudo em sua mão. "Ela é uma mulher fria", pensou, com admiração. "Como será que vai aceitar a idéia de ter um sócio?"
"Cometi um erro ao mandá-lo", pensou Ellen Scott. "Agora terei de detê-lo. E o que farei com a garota? Uma freira! Mas não vou julgá-la até conhecê-la."
A secretária avisou pelo interfone:
- Estão todos à sua espera na sala de reuniões, Srª Scott.
- Já estou indo.
Lucia e Rubio continuaram a avançar pelo bosque, aos escorregões e tropeções, lutando com galhos de árvores, moitas e insetos, mas cada passo os levava para mais longe dos perseguidores.
Rubio finalmente anunciou:
- Podemos parar por aqui. Não vão mais nos encontrar.
Estavam bem alto nas montanhas, no meio de uma densa floresta. Lucia deitou-se, fazendo o maior esforço para recuperar o fôlego. Em sua mente, reconstituiu as cenas terríveis que testemunhara. Tomás fuzilado sem qualquer aviso. "E os filhos da puta tencionavam assassinar a todos nós", pensou Lucia. Só continuava viva graças ao homem sentado ao seu lado.
Ela observou Rubio, enquanto ele se levantava e fazia um reconhecimento da área em redor.
- Podemos passar o resto da noite aqui, irmã.
- Está bem. - Ela estava impaciente em continuar, mas sabia que precisava descansar.
Como se lesse seus pensamentos, Rubio acrescentou:
- Partiremos ao amanhecer.
Lucia sentiu uma pontada no estômago.
- Deve estar faminta. Vou à procura de comida. Ficará bem aqui sozinha?
- Claro. Não se preocupe comigo.
Rubio agachou-se ao seu lado.
- Por favor, tente não ficar assustada. Sei como deve ser difícil para você se encontrar outra vez no mundo, após tantos anos no convento. Tudo deve lhe parecer muito estranho.
Lucia fitou-o e disse, sem qualquer inflexão na voz:
- Farei um esforço para me acostumar.
- É muito corajosa, irmã. - Ele levantou-se. - Voltarei logo.
Lucia observou-o desaparecer entre as árvores. Era hora de tomar uma decisão, e havia duas opções: podia escapar agora, tentar alcançar alguma cidadezinha próxima, trocar a cruz por um passaporte e dinheiro suficiente para chegar à Suíça; ou podia continuar com Rubio até se distanciarem ainda mais dos soldados.
"A segunda opção é mais segura", decidiu Lucia.
Ouviu um barulho entre as árvores e virou-se. Era Rubio. Ele aproximou-se, sorrindo. Trazia a boina na mão, estofada de tomates, uvas e maçãs.
Sentou-se no chão, ao lado de Lucia.
- Café da manhã. Havia uma galinha gorda e bonita disponível, mas o fogo que precisaríamos para cozinhá-la poderia denunciar nossa presença. Há uma fazenda aqui perto.
Lucia olhou para o conteúdo da boina.
- Parece ótimo. Estou faminta.
Ele deu-lhe uma maçã.
- Prove esta.
Terminaram de comer, e Rubio estava falando, mas Lucia, absorta em seus pensamentos, não prestava atenção.
- Disse que está há dez anos no convento, irmã?
Lucia foi arrancada de seu devaneio.
- Como?
- Passou dez anos no convento?
- Passei.
Ele sacudiu a cabeça.
- Então não tem a menor idéia do que aconteceu durante todo esse tempo.
- Ahn… não.
- Muita coisa mudou nos últimos dez anos, irmã.
- É mesmo?
- Sí. Franco morreu - disse Rubio gravemente.
- Não!
- É verdade. No ano passado.
"E indicou Juan Carlos seu herdeiro."
- Pode achar muito difícil acreditar, mas o homem andou na lua pela primeira vez. É a pura verdade.
"Na verdade, dois homens", pensou Lucia. "Como eram seus nomes? Neil Amstrong e Buzz alguma coisa."
- É, sim. Norte-americanos. É há agora um avião de passageiros que voa mais rápido do que o som.
- Incrível!
"Mal posso esperar para viajar no Concorde", pensou Lucia.
Rubio era como criança, ansioso em pô-la a par dos últimos acontecimentos no mundo
- Houve uma revolução em Portugal, e nos Estados Unidos da América o presidente Nixon esteve envolvido num grande escândalo e foi obrigado a renunciar.
"Rubio é sem dúvida muito simpático", refletiu Lucia.
Ele tirou do bolso um maço de cigarros Ducados, o forte tabaco preto da Espanha.
- Não vou ofendê-la, irmã?
- Claro que não. Por favor, fume.
Observou-o a acender um cigarro, e no momento em que a fumaça alcançou suas narinas sentiu-se desesperada para fumar.
- Importa-se que eu experimente um?
Ele ficou espantado.
- Quer experimentar um cigarro?
- Só para ver como é - apressou-se Lucia em explicar.
- Ah… claro. - Rubio estendeu-lhe o maço.
Ela pegou um e pôs entre os lábios, ele acendeu-o. Lucia inalou fundo e sentiu-se maravilhosa quando a fumaça encheu-lhe os pulmões.
Rubio observava-a perplexo.
Lucia tossiu.
- Então é esse o gosto de um cigarro…
- Acha bom.
- Não muito, mas…
Deu outra tragada, profunda, satisfatória. Só Deus sabia o quanto sentia falta de um cigarro. Mas precisava ser cautelosa.
Não queria deixá-lo desconfiado. Por isso apagou o cigarro que segurava desajeitadamente entre os dedos. Passara apenas poucos meses no convento, mas Rubio estava certo. Parecia estranho se encontrar outra vez no mundo. Especulou como Megan e Graciela estariam se sentindo. E o que acontecera à irmã Teresa? Teria sido capturada pelos soldados?
Os olhos de Lucia começaram a arder. Fora uma noite longa, de muita tensão.
- Acho que vou dormir um pouco.
- Não se preocupe. Ficarei de vigia, irmã.