Выбрать главу

Vou matá-la", pensou Ricardo Mellado. "Poderia estrangulá-la com minhas próprias mãos, jogá-la do alto da montanha ou simplesmente fuzilá-la. Não, acho que estrangulá-la me daria mais prazer."

Irmã Graciela era o ser humano mais exasperante que já conhecera. Era insuportável. No começo, quando Jaime Miró o incumbira de escoltá-la, Ricardo Mellado ficara satisfeito. Era uma freira, é verdade, mas também era a beldade mais deslumbrante que já contemplara. Estava decidido a conhecê-la melhor, descobrir por que tomara a decisão de trancafiar toda aquela beleza excepcional por trás dos muros do convento pelo resto da sua vida. Sob a saia e blusa que ela usava, Ricardo Mellado podia discernir as curvas espetaculares de uma mulher. "Será uma viagem muito interessante", concluiu ele.

Mas as coisas haviam enveredado por um rumo totalmente inesperado. Irmã Graciela recusava-se a falar-lhe. Não dissera uma única palavra desde o início da viagem, e o que mais desconcentrava Ricardo era o fato de que ela não parecia zangada, assustada ou transtornada. De jeito nenhum. Apenas se retirara para alguma parte remota de si mesmo e dava a impressão de total desinteresse por ele e tudo o que acontecia ao seu redor. Viajaram num bom ritmo, andando por estradas secundárias, quentes e poeirentas, passando por trigais, ondulando dourados ao sol, plantações de cevada, aveia e vinhedos. Contornando as pequenas aldeias pelo caminho, Berroccule e Aldeavieja, passando por campos de girassóis, os rostos amarelos acompanhando o sol.

Ao cruzar o Rio Moro, Ricardo perguntou:

- Gostaria de descansar um pouco, irmã?

Silêncio.

Aproximaram-se de Segóvia, antes de seguirem para o norte, na direção das montanhas de picos nevados das Guadarrama. Ricardo continuava a tentar puxar conversa, polidamente, mas era completamente inútil.

- Chegaremos a Segóvia em breve, irmã.

Não houve qualquer reação.

"O que fiz para ofendê-la?"

- Está com fome, irmã?

Nada.

Era como se ele não estivesse ali. Nunca se sentira tão frustrado em toda a sua vida. "Talvez a mulher seja retardada", pensou. "Essa deve ser a resposta. Deus lhe concedeu uma beleza sublime e depois amaldiçoou-a com uma mente fraca." Mas ele não acreditava nisso.

Ao chegar aos arredores de Segóvia, Ricardo notou que a cidade estava apinhada de gente, o que significava que a Guarda Civil se manteria mais alerta do que nunca. Ao se aproximarem da Plaza del Conde de Cheste, ele viu soldados patrulhando na direção dos dois. E sussurrou:

- Segure minha mão, irmã. Devemos dar a impressão de que somos dois namorados em passeio.

Ela ignorou-o.

"Meu Deus!", pensou Ricardo. "Talvez ela seja surda-muda."

Inclinou-se e pegou-lhe a mão, ficou aturdido com a súbita e vigorosa resistência de irmã Graciela. Ela puxou a mão como se tivesse sido picada.

Os guardas estavam cada vez mais perto. Ricardo tornou a se inclinar para Graciela e disse, em voz alta:

- Não deve ficar zangada. Minha irmã pensa da mesma maneira. Ontem à noite, depois do jantar e de pôr as crianças na cama, ela disse que seria muito melhor se os homens não se sentassem separados, fumando charutos fedorosos e contando histórias, esquecidos das mulheres. Aposto…

Os guardas passaram. Ricardo virou-se para fitar Graciela, que se mantinha impassível. Mentalmente, Ricardo começou a praguejar contra Jaime, desejando que ele o tivesse incumbido de alguma das outras freiras. Aquela era feita de pedra, não havia nenhum cinzel bastante duro para penetrar naquele exterior frio.

Com toda a modéstia, Ricardo Mellado sabia que era atraente para as mulheres. Muitas já lhe haviam dito isso. Tinha a pele clara, alto e de boa compleição, nariz aristocrata, o rosto inteligente, dentes brancos e perfeitos. Vinha de uma das mais proeminentes famílias bascas. O pai era um banqueiro no país basco ao norte e providenciara para que Ricardo recebesse a melhor educação. Cursara a Universidade de Salamanca, e o pai aguardava ansioso que o filho se juntasse a ele no comando da empresa da família.

Ao sair da faculdade e voltar para casa, Ricardo foi trabalhar no banco, submisso, mas pouco tempo depois começou a envolver-se com os problemas de seu povo. Passou a comparecer a reuniões, comícios e protestos contra o governo, e não demorou muito a tornar-se um dos líderes da "ETA." O pai, ao saber das atividades do filho, convocou-o à sua vasta sala, revestida de madeira, para um sermão.

- Sou um basco também, Ricardo, mas também sou um banqueiro. Não podemos estragar tudo ao fornecer uma revolução no país em que ganhamos a vida.

- Ninguém pretende derrubar o governo, pai. Tudo o que queremos é liberdade. A opressão do governo aos bascos e catalães é intolerável.

O velho Mellado recostou-se na cadeira e estudou o filho.

- Meu bom amigo, o prefeito, enviou-me um aviso discreto ontem. Sugeriu que seria melhor para você não comparecer mais a comícios. Acho que deve concentrar suas energias nos negócios bancários.

- Pai…

- Quero que me escute, Ricardo. Quando eu era jovem, também tinha sangue quente. Você está noivo de uma moça maravilhosa. Espero que tenham muitos filhos. - Acenou com a mão pela sala. - E você tem muita coisa a esperar de seu futuro.

- Mas será que não percebe…?

- Percebo mais claramente do que você, meu filho. Seu futuro sogro também está infeliz com suas atividades. Eu não gostaria que acontecesse alguma coisa que impedisse o casamento. Estou sendo claro?

- Está sim, pai.

No sábado seguinte Ricardo Mellado foi preso ao liderar uma manifestação basca num auditório em Barcelona. Recusou-se a permitir que o pai pagasse a fiança, a menos que também pagasse as fianças dos outros manifestantes detidos. O pai não concordou.

A carreira de Ricardo foi encerrada, assim como o noivado. Isso acontecera cinco anos antes. Cinco anos de perigos e fugas por um triz. Cinco anos repletos com a emoção da luta por uma causa em que acreditava fervorosamente. Agora estava em fuga, escapando da polícia, escutando uma freira retardada e muda através da Espanha.

- Vamos por aqui - disse à irmã Graciela, para não tocar em seu braço.

Deixaram a rua principal e entraram na Calle de San Val entín. Na esquina havia uma loja que vendia artigos musicais.

- Tenho uma idéia - disse Ricardo. - Espere aqui, irmã. Voltarei num instante. - Entrou na loja e encaminhou-se para um jovem vendedor, parado atrás do balcão.

- Buenos dias. Posso ajudá-lo?

- Pode, sim. Gostaria de comprar duas guitarras.

O jovem sorriu.

- Está com sorte. Acabamos de receber algumas Ramirez. São as melhores.

- Talvez alguma coisa inferior. Minha amiga e eu somos apenas amadores.

- Como quiser, señor. O que acha dessas? - O vendedor foi para uma seção da loja em que havia uma dúzia de guitarras expostas. - Posso vender-lhe duas Konos por cinco mil pesetas cada uma.

- Acho que não. - Ricardo escolheu duas guitarras, com a remota esperança de que irmã Graciela tivesse desaparecido, mas ela continuava pacientemente parada ali, à sua espera. Ricardo abriu a correia de uma guitarra e estendeu para ela.

- Tome aqui, irmã. Pendure no ombro.

Ela fitou-o aturdida.

- Não precisa tocar - explicou Ricardo. - É apenas um disfarce. - Empurrou a guitarra e Graciela pegou-a, relutante.

Os dois caminharam pelas ruas sinuosas de Segóvia, passando sob o enorme viaduto construído pelos romanos séculos antes.

Ricardo resolveu tentar outra vez.

- Está vendo este viaduto, irmã? Não há cimento entre as pedras. Segundo contam, foi construído pelo demônio há dois mil anos, pedra sob pedra, sem nada para mantê-las juntas além da magia do demônio.

Nada.

"Ela que se dane", pensou Ricardo Mellado. "Eu desisto."

Os soldados da Guarda Civil estavam por toda a parte. Sempre que eles passavam por eles, Ricardo fingia estar empenhado numa conversa interessante com Graciela, cauteloso para evitar qualquer contato físico.