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O número de polícias e soldados parecia estar aumentando, mas Ricardo sentia-se relativamente seguro. Estariam à procura de uma freira de hábito e um grupo de homens de Jaime Miró; não teriam motivos para desconfiar de um jovem casal de turistas carregando guitarras.

Ricardo estava com fome e tinha certeza que o mesmo acontecia com a irmã Graciela, embora ela nada dissesse. Passaram por um pequeno café.

- Vamos parar aqui e comer alguma coisa, irmã.

Ela parou e fitou-o. Ricardo suspirou.

- Está bem. Como preferir.

Entrou no pequeno café. Um momento depois, Graciela seguiu-o.

- O que vai querer, irmã? - perguntou Ricardo após se sentarem.

Não houve resposta. Ela era irritante.

Ricardo então pediu à garçonete.

- Dois gazpachos e duas porções de chouriços.

Quando a sopa e as linguiças foram servidas, Graciela comeu o que foi posto à sua frente. Ricardo notou que ela comia automaticamente, sem desfrutar, como se cumprisse algum dever. Os homens sentados às outras mesas observavam-na, e Ricardo não podia culpá-los. "Seria preciso um Goya para captar sua beleza", pensou ele. Apesar do comportamento taciturno de Graciela, Ricardo sentia um aperto na garganta cada vez que a contemplava e se censurava por ser um tolo romântico. Ela era um enigma, sepultada por trás de alguma muralha impenetrável. Ricardo Mellado conhecera dezenas de belas mulheres, mas nenhuma jamais o afetara daquela maneira. Havia algo quase místico em sua beleza. A ironia era que ele não tinha absolutamente a menor idéia do que havia por trás daquela fachada espectacular. Não sabia se ela era inteligente ou estúpida. Interessante ou chata? Fria ou ardente? "Espero que ela seja estúpida, chata e fria", pensou Ricardo, "ou eu não suportaria perdê-la. Como se algum dia pudesse tê-la. Ela pertence a Deus." Ele desviou os olhos, com receio que Graciela pudesse perceber seus sentimentos.

Quando chegou a hora de partirem, Ricardo pagou a conta e os dois se levantaram. Durante a viagem, ele notara que a irmã Graciela claudicava um pouco. "Terei de providenciar alguma espécie de transporte", pensou ele. "Ainda temos um longo caminho a percorrer."

Começaram a descer a rua e na outra extremidade da cidade, no Manzanares el Real, encontraram uma caravana pitorescamente decorada, puxada por cavalos. As mulheres e crianças, vestindo trajes ciganos, viajavam nas traseiras das carroças.

- Espere aqui, irmã. Vou tentar arrumar uma carona para nós - avisou Ricardo.

Aproximou-se do condutor da primeira carroça, um corpulento cigano com traje típico completo, inclusive brincos.

- Buenas tardes, señor. Eu consideraria uma grande gentileza se pudesse oferecer uma carona para mim e para minha noiva.

O cigano olhou para Graciela.

- É possível. Para onde vão?

- Para a montanha Guadarrama.

- Posso levá-los até Cerezo de Abajo.

- Seria ótimo. Fico agradecido. - Ricardo apertou a mão do cigano, passando-lhe algum dinheiro.

- Embarquem na última carroça.

- Gracias.

Ricardo voltou para o lugar em que Graciela esperava, e falou:

- Os ciganos vão nos levar até Cerezo de Abajo. Viajaremos na última carroça.

Por um instante, ele teve certeza que Graciela ia recusar.

Ela hesitou, depois encaminhou-se para a carroça.

Havia uma dúzia de ciganas dentro da carroça e elas abriram espaço para Ricardo e Graciela. Ao subirem, Ricardo começou a ajudar a irmã, mas ao tocar-lhe no braço, ela puxou-o bruscamente, com uma violência que o pegou de surpresa. "Está bem, você que se dane." Ele vislumbrou a perna nua de Graciela quando ela subiu na carroça, e não pôde deixar de pensar: "Ela tem as mais lindas pernas que já vi."

Procuraram se acomodar da melhor forma possível no chão duro de madeira, e a longa jornada começou. Graciela sentada num canto, os olhos fechados e os lábios se mexendo em oração.

Ricardo não conseguia desviar os olhos dela.

À medida que o dia avançou, o sol tornou-se uma fornalha ardente, castigando-os, implacável, crestando a terra, o céu de um azul profundo, sem qualquer nuvem. De vez em quando, com as carroças atravessando as planícies, enormes aves a sobrevoavam.

Buitre leonado, pensou Ricardo. O abutre-leão.

No final da tarde, a caravana cigana parou e o líder aproximou-se da carroça da retaguarda.

- Este é o ponto máximo a que podemos levá-los. Estamos indo para Viñuela.

"Direção errada."

- Está ótimo - disse Ricardo. - Obrigado.

Ele começou a estender a mão para ajudar a irmã Graciela a se levantar, mas mudou de idéia. Virou-se para o líder dos ciganos.

- Consideraria uma gentileza se me vendesse alguma comida para nós.

O chefe virou-se para uma das mulheres e disse alguma coisa numa língua estrangeira. Logo depois dois pacotes de comida foram entregues a Ricardo.

- Muchas gracias. - Tirou algum dinheiro.

O líder dos ciganos fitou em silêncio por um momento.

- Você e a irmã já pagaram pela comida.

"Você e a irmã." Então ele sabia. Contudo, Ricardo não experimentou o senso de perigo. Os ciganos eram tão oprimidos pelo governo quanto os bascos e catalães.

- Vayan con Díos.

Ricardo ficou parado, observando a caravana se afastar e então virou-se para Graciela. Ela observava-o, em silêncio, impassível.

- Não terá de aturar minha companhia por muito mais tempo - assegurou Ricardo. - Dentro de dois dias estaremos em Logroño. Você se encontrará com suas amigas ali e partirão para o convento em Mendavia.

Não houve reação. Era como se ele falasse com um muro de pedra. "Estou falando com um muro de pedra."

Desceram para um vale aprazível, com muitas macieiras, pereiras e figueiras. Ali perto passava o rio Duratón, cheio de gordas trutas. No passado, Ricardo pescara ali muitas vezes.

Seria um lugar ideal para ficar e descansar, mas ainda havia um longo caminho a percorrer.

Ele virou-se para estudar a montanha Guadarrama, que se estendia à sua frente. Ricardo conhecia a região muito bem.

Havia várias trilhas para atravessar a cadeia de montanhas.

"Cabras", selvagens cabritos monteses, e lobos rondavam os caminhos, e Ricardo escolheria o caminho mais curto se estivesse viajando sozinho. Mas com a Irmã Graciela ao seu lado, ele optou pelo mais seguro.

- É melhor começarmos logo - disse Ricardo. - Temos uma longa subida pela frente.

Não tinha a menor intenção de perder o encontro com os outros em Logroño. A irmã silenciosa que se tornasse problema de outra pessoa.

Irmã Graciela estava parada, à espera que Ricardo indicasse o caminho. Ele virou-se e começou a subir. Não demorou muito para que Graciela escorregasse em algumas pedras na íngreme trilha e Ricardo instintivamente estendeu a mão para ajudá-la. Ela empurrou-lhe a mão bruscamente e recuperou o equilíbrio. "Como quiser", pensou ele, furioso. "Pode quebrar o pescoço."

Continuaram a subir, encaminhando-se para o majestoso pico lá em cima. A trilha foi se tornando cada vez mais íngreme e estreita, o ar frio era mais rarefeito. Seguiram para leste, passando por uma floresta de pinheiros. À frente deles ficava uma aldeia que tinha um refúgio para esquiadores e alpinistas. Ricardo sabia que encontrariam ali comida quente, calor e descanso.

Era tentador. "Mas muito perigoso", concluiu. Seria um lugar perfeito para Acoca montar uma armadilha. Virou-se para irmã Graciela.

- Vamos contornar a aldeia. Pode andar mais um pouco, antes de pararmos para descansar?

Ela fitou-o e, como resposta, virou-se e recomeçou a andar.

A grosseria desnecessária ofendeu-o, e ele pensou: "Ainda bem que me livrarei dela em Logroño. Por que, em nome de Deus, tenho sentimentos contraditórios em relação a isso?"

Os dois contornaram a aldeia, caminhando à beira da floresta, e logo se encontravam outra vez na trilha, subindo cada vez mais. A respiração se tornava mais difícil, e o caminho, ainda mais íngreme. Ao contornarem uma curva, depararam com um ninho de águia vazio. Deram uma volta para evitar outra aldeia na montanha, silenciosa e pacífica ao sol da tarde, e descansaram nos arredores, parando num regato onde beberam água gelada.