Lucia pôs a mão sobre a dele.
- Está tudo bem.
"Apenas comprei a minha passagem para a liberdade. Estarei fora do país amanhã."
Rubio sentou-se, fitou-a nos olhos, segurando-lhe a mão.
O sentimento de amor que irradiava era tão intenso que Lucia sentiu-se apreensiva. "Será que ele não percebe que nunca poderia dar certo? Não, ele não compreende. Por que não tenho coragem de lhe contar. Não está apaixonado por mim. Está apaixonado pela mulher que pensa que eu sou. E ficará muito melhor livre de mim."
Ela virou-se e correu os olhos pelo ambiente. Estava cheio de moradores locais. A maioria parecia observar os dois estranhos.
Um dos jovens começou a cantar e outros o acompanharam.
Um homem aproximou-se da mesa a que Lucia e Rubio se sentavam.
- Não está cantando, señor. Junte-se a nós.
Rubio sacudiu a cabeça.
- Não.
- Qual é o problema, amigo?
- É a canção. - Rubio viu a expressão de perplexidade de Lucia e explicou: - É uma antiga canção de louvor a Franco.
Outros homens começaram a agrupar-se em torno da mesa.
Era evidente que haviam bebido muito.
- Foi contra Franco, seño"?
Lucia viu os punhos de Rubio se contraírem. "Oh, Deus, não agora! Ele não pode começar qualquer coisa que atraia a atenção." Ela murmurou, em tom de advertência:
- Rubio…
E, graças a Deus, ele compreendeu. Olhou para os homens e disse, jovialmente:
- Não tenho nada contra Franco. Apenas não conheço a letra.
- Ahn… Nesse caso, vamos todos cantarolar juntos.
Eles ficaram em silêncio, à espera que Rubio recusasse.
Ele olhou para Lucia.
- Bueno.
Os homens recomeçaram a cantar, e Rubio cantarolou em voz alta. Lucia podia sentir sua tensão, enquanto fazia um esforço para manter o controle. "Ele está fazendo isso por mim."
Quando a canção terminou, um homem deu um tapinha nas costas de Rubio.
- Nada mal, velho, nada mal.
Rubio permaneceu em silêncio, ansioso para que eles se afastassem.
Um dos homens viu o embrulho no colo de Lucia.
- O que está escondendo aí, "querida?"
Seu companheiro acrescentou:
- Aposto que ela tem uma coisa melhor por baixo da saia.
Os homens riram.
- Por que não abaixa as calcinhas e nos mostra o que tem lá?
Rubio levantou-se de um pulo e agarrou um dos homens pela garganta. Empurrou-o com tanta força que o homem voou através do bar e quebrou uma mesa.
- Não! - gritou Lucia. - Não faça isso!
Mas era tarde demais. Em pouco tempo, a confusão espalhou-se pela "Taverna", com todo o mundo aderindo ansiosamente à briga e homens bêbados engalfinhando-se no chão.
Uma garrafa de vinho espatifou o espelho por trás do balcão.
Cadeiras e mesas foram derrubadas, enquanto homens voaram de um lado para o outro, aos gritos. Rubio derrubou dois homens, um terceiro avançou e acertou-o na barriga. Ele soltou um grunhido de dor.
- Rubio! - gritou Lucia. - Vamos sair daqui!
Ele acenou com a cabeça, as mãos comprimindo a barriga.
Esgueiraram-se pela confusão e saíram para a rua.
- Precisamos escapar - murmurou Lucia.
"Você terá seu passaporte esta noite. Volte depois das oito horas." Precisava encontrar um lugar para se esconder até lá.
"Ele que se dane! Por que não podia se controlar?"
Os dois desceram pela Calle Santa Maria, e os ruídos da briga na "taverna" foram diminuindo gradativamente. Dois quarteirões adiante, chegaram a uma grande igreja, a Iglesia Santa Maria. Lucia subiu os degraus, abriu a porta e espreitou lá para dentro. Estava deserta.
- Ficaremos sãos e salvos aqui - disse ela.
Entraram na semi-escuridão da igreja, Rubio ainda comprimia a barriga.
- Podemos descansar um pouco.
- Está bem.
Rubio retirou a mão da barriga e o sangue esguichou. Lucia ficou desesperada.
- Santo Deus! O que aconteceu?
- Uma faca - balbuciou Rubio. - Ele usou uma faca. - Rubio arriou para o chão.
Lucia ajoelhou-se ao seu lado, em pânico.
- Não se mexa. - Tirou a saia e comprimiu-a contra a barriga de Rubio, tentando estancar a hemorragia.
O rosto de Rubio estava branco.
- Não deveria ter brigado com eles, seu idiota - disse Lucia, furiosa.
A voz dele era um sussurro enrolado:
- Não podia permitir que falassem de você daquela maneira.
"Não podia permitir que falassem de você daquela maneira."
Lucia sentiu-se comovida como nunca sentira-se antes. Ficou imóvel, olhando para ele e pensando: "Quantas vezes esse homem já arriscou a vida por mim?"
- Não deixarei que morra - disse ela, com veemência. Levantou-se abruptamente. - Voltarei num instante. Encontrou água e toalhas onde o padre trocava de roupas, no fundo da igreja. Lavou o ferimento de Rubio. O rosto dele estava quente, o corpo encharcado de suor. Lucia pôs toalhas frias em sua testa. Os olhos de Rubio estavam fechados, parecia adormecido. Ela aninhou sua cabeça nos braços e pôs-se a lhe falar. Não importava o que dizia. Falava para mantê-lo vivo, obrigá-lo a se segurar no tênue fio da existência. Falou incessantemente, com medo de parar um segundo sequer.
- Vamos trabalhar juntos em sua fazenda, Rubio. Quero conhecer sua mãe e irmãs. Acha que elas vão gostar de mim? Quero muito que elas gostem. Eu sou muito trabalhadeira, "caro." Vai ver só. Nunca trabalhei numa fazenda, mas aprenderei. Faremos com que seja a melhor fazenda de toda a Espanha.
Lucia passou a tarde falando, banhando seu corpo febril, trocando o curativo. A hemorragia quase cessara.
- Está vendo, "caro?" Já começa a melhorar. Eu não disse? Nós dois teremos uma vida maravilhosa juntos, Rubio. Mas, por favor, não morra. Por favor!
Percebeu que estava chorando.
Lucia observou as sombras da tarde pintar as paredes da igreja através dos vitrais e se desvanecerem lentamente. O pôr-do-sol escureceu o céu e finalmente a escuridão total. Ela trocou de novo o curativo de Rubio e nesse instante, tão perto que lhe provocou um sobressalto, o sino da igreja começou a repicar. Ela prendeu a respiração e contou as badaladdas. Uma… três… cinco… sete… oito. Oito horas. Estava chamando-a, dizendo que era tempo de voltar à Casa do Empeños. Tempo de escapar daquele pesadelo e salvar-se.
Ajoelhou-se ao lado de Rubio e sentiu sua testa. Ele ardia em febre. O corpo estava encharcado de suor e a respiração era difícil e irregular. Não podia ver qualquer sinal de hemorragia, mas isso talvez significasse que ele sangrava internamente. "Mas que diabo! Trate de se salvar, Lucia!"
- Rubio… querido…
Ele abriu os olhos, apenas meio consciente.
- Preciso sair por um momento.
Rubio apertou-lhe a mão.
- Por favor…
- Está tudo bem - sussurrou Lucia. - Voltarei logo.
Levantou-se e lançou-lhe um último olhar. "Não posso ajudá-lo", pensou.
Pegou a cruz de ouro, virou-se e deixou a igreja rapidamente, os olhos cheios de lágrimas. Começou a andar depressa, encaminhando-se para a loja de penhores. O homem e seu primo estariam ali, à sua espera, com o passaporte para a liberdade. "Pela manhã, quando começarem as missas, encontrarão Rubio e o levarão a um médico. Vão tratá-lo, e ele ficará bom. Só que não sobreviverá a esta noite", pensou. "Mas isso não é problema meu."
A Casa de Empeños ficava logo à frente. Estava apenas uns poucos minutos atrasada. Podia ver as luzes acesas no interior da loja. Os homens a esperavam.
Começou a andar mais depressa, depois desatou a correr.
Atravessou a rua e passou pela porta aberta.
Dentro da delegacia, um guarda uniformizado estava sentado atrás de uma escrivaninha. Levantou os olhos quando Lucia entrou.
- Preciso de você! - gritou ela. - Um homem foi apunhalado! Pode estar morrendo!
O guarda não fez perguntas. Pegou um telefone e falou rapidamente. "Depois de desligar, comunicou a Lucia: