- E você acha que eu nunca fui? - As palavras saíram espontâneas, antes que Graciela pudesse impedi-las. - Já fui parte dessa vida de que está falando, e era como viver no inferno. Minha mãe era uma prostituta, e todas as noites eu tinha um tio diferente. Aos 14 anos, entreguei meu corpo a um homem, porque me senti atraída por ele e senti ciúmes de minha mãe e do que ela fazia.
As palavras saíram agora numa torrente impetuosa.
- Eu também me tornaria uma prostituta se ficasse ali, para ser parte dessa vida que você considera tão preciosa. Não, não creio que eu tenha fugido de alguma coisa. Corri para alguma coisa. Encontrei um mundo seguro, que é sereno e bom.
Ricardo fitou-a horrorizado.
- Eu… eu sinto muito. Não tive a intenção…
Graciela soluçava agora, e ele abraçou-a.
- Calma… Está tudo bem. Já acabou. Você era uma criança. Eu a amo.
Foi como se Ricardo tivesse lhe concedido a absolvição. Falara sobre coisas horríveis que fizera no passado e ainda assim ele a perdoava. E… maravilha das maravilhas… ainda a amava.
Ele abraçou-a com ternura.
- Há um poema de Frederico Garcia Lorca:
A noite não deseja vir,
a fim de que você não possa vir
e eu não possa ir…
Mas você virá,
com sua língua queimada pela chuva salgada.
O dia não deseja vir,
a fim de que você não possa vir
e eu não possa ir…
Mas você virá
através dos turvos sumidouros da escuridão.
Nem a noite nem o dia desejam vir,
A fim de que eu possa morrer por você
e por mim.
Subitamente, Graciela pensou nos soldados que os perseguiam, e imaginou se ela e seu amado Ricardo sobreviveriam por tempo para terem um futuro juntos.
Capítulo 29
Faltava um elo, uma pista para o passado. Alan Tucker estava determinado a encontrá-lo. Não havia qualquer referência no jornal de uma criança abandonada, mas devia ser muito fácil descobrir a data em que fora levada para o orfanato. Se a data coincidisse com o desastre do avião, Ellen Scott teria de oferecer algumas explicações bem interessantes.
"Ela não pode ter sido tão estúpida assim", pensou Alan Tucker. "Assumir o risco de simular que a herdeira Scott morrera e deixá-la na porta de uma casa de fazenda. Perigoso. Muito perigoso. Por outro lado, a recompensa era tentadora: a Scott Industries. Isso mesmo, ela pode muito bem ter dado o golpe. Se é um segredo que enterrou, continua bem vivo e vai lhe custar caro."
Tucker sabia que precisava ser cauteloso. Não tinha ilusões sobre a pessoa com quem lidava. Estava se confrontando com o poder implacável. Sabia que precisava dispor de todas as provas antes de fazer seu movimento. Sua primeira providência foi outra visita ao padre Berrendo.
- Padre… eu gostaria de conversar com o camponês e a esposa em cuja casa Patricia… Megan foi abandonada.
O velho sacerdote sorriu.
- Espero que sua conversa com eles não ocorra por muito tempo.
Tucker ficou surpreso.
- Está querendo dizer…
- Eles morreram há muito tempo.
"Droga!" Mas devia haver outros caminhos para explorar.
- Não disse que a criança foi levada para o hospital com pneumonia?
- Isso mesmo.
"Haveria registros ali."
- Que hospital era?
- Foi destruído por incêndio em 1961. Construíram outro em seu lugar. - Ele percebeu a expressão consternada de Tucker. - Deve lembrar-se, señor, que a informação que procura já tem 28 anos. Muitas coisas mudaram.
"Não vai me deter", pensou Tucker. "Não quando estou tão perto. Deve haver um arquivo sobre ela em algum lugar."
Ainda lhe restava um lugar para investigar: o orfanato.
Tucker fazia agora relatórios diários para Ellen Scott.
- Mantenha-me informada de cada acontecimento. Quero ser avisada no momento em que a garota for encontrada.
E Alan Tucker especulava sobre a urgência em sua voz.
"Ela parece estar muito presa, por causa de uma coisa que aconteceu há tantos anos. Por quê? Mas isso pode esperar. Primeiro, preciso obter a prova que procuro."
Alan Tucker foi visitar o orfanato naquela manhã. Correu os olhos pela desolada sala comunitária, onde algumas crianças brincavam, fazendo barulho e falando sem parar, e pensou:
"Então este é o lugar em que a herdeira da dinastia Scott foi criada, enquanto aquela sacana em Nova York ficava com todo o dinheiro e poder. Pois ela agora vai partilhar um pouco comigo. Isso mesmo, formaremos uma grande dupla, Ellen Scott e eu."
Uma moça aproximou-se e perguntou:
- Em que posso ajudá-lo, señor?
Ele sorriu. "Pode me ajudar a ganhar um bilhão de dólares."
- Eu gostaria de falar com a pessoa encarregada.
- É a senhora Angeles.
- Ela está?
- Sí, señor. Eu o levarei à sua sala.
Ele seguiu a mulher pelo corredor principal até uma pequena sala nos fundos do prédio.
- Entre, por favor.
Ele entrou no escritório. A mulher sentada à mesa estava na casa dos oitenta. Outrora fora grande, mas o corpo encolhera, e por isso dava a impressão de que a armação pertencia a outra pessoa. Os cabelos eram grisalhos e ralos, mas os olhos se mantinham brilhantes e claros.
- Bom dia, señor. Em que posso ajudá-lo? Veio adotar uma de nossas lindas crianças? Temos muitas para escolher.
- Não, señora. Vim perguntar sobre uma criança que foi deixada aqui há muitos anos.
Mercedes Angeles franziu o cenho.
- Não estou entendendo.
- Uma menina foi trazida para cá… - fingiu consultar um pedaço de papel. -…em outubro de 1948.
- Isso foi a muito tempo. Ela não estaria mais aqui. Temos um regulamento, señor, que aos 15 anos…
- Sei que ela não está mais aqui, señora. O que desejo saber é a data exata em que foi trazida para cá.
- Lamento, señor, mas não poderei ajudá-lo.
Tucker sentiu um aperto no coração.
- Muitas crianças são trazidas para cá. A menos que saiba seu nome…
"Patricia Scott", ele pensou. Mas disse em voz alta:
- Megan… o nome dela é Megan.
O rosto de Mercedes Angeles iluminou-se.
- Ninguém poderia esquecer aquela criança. Era um diabrete, e todos a adoravam. Sabia que um dia…
Alan Tucker não tinha tempo para histórias. O instinto dizia-lhe que se encontrava agora na iminência de obter uma parte da fortuna Scott. E aquela velha tagarela era a chave para isso.
"Devo ser paciente com ela."
- Señora Angeles… não tenho muito tempo. Tem essa data em seus arquivos?
- Claro, señor. O Estado exige que mantenhamos registros muito apurados.
Tucker animou-se. "Eu deveria ter trazido uma máquina para fotografar o arquivo. Mas não importa. Tirarei uma fotocópia."
- Posso ver esse arquivo, señora?
- Acho que não. Nossos arquivos são confidenciais e…
- Claro que compreendo e respeito sua hesitação - disse Tucker, suavemente. - Falou que gostava da pequena Megan e tenho certeza que haveria de fazer tudo o que pudesse para ajudá-la. Pois é por isso que estou aqui. Tenho boas notícias para ela.
- E para isso precisa da data em que foi trazida para cá?
- Preciso ter a prova de que se trata da mesma pessoa que penso que é. O pai morreu e deixou-lhe uma pequena herança, quero fazer com que ela a receba.
A mulher acenou com a cabeça, sabiamente.
- Entendo.
Tucker tirou um maço de notas do bolso.
- E para mostrar meu agradecimento pelo incômodo que estou causando, gostaria de contribuir com cem dólares para o orfanato.
Ela olhou para o maço de notas, com uma expressão indecisa.
Tucker tirou outra nota.
- Duzentos.
A velha franziu o cenho.
- Está bem. Quinhentos.
Mercedes Angeles ficou radiante.
- É muita generosidade sua, señor. Vou buscar o arquivo.