- Esperem aqui - ordenou Jaime.
Encaminhou-se para o lugar em que alguns cambistas vendiam ingressos. Megan virou-se para Felix.
- Vamos assistir a uma tourada?
- Isso mesmo, irmã, mas não se preocupe. Vai descobrir que é emocionante.
Preocupar-me?, Megan estava excitada com a perspectiva. Uma das suas fantasias no orfanato fora a de que o pai havia sido um grande toureiro. Megan lera todos os livros sobre tourada que conseguira encontrar.
- As melhores touradas são realizadas em Madrid ou Barcelona - explicou Felix. - A tourada aqui será com novilleros, em vez de profissionais. São amadores. Ainda não receberam alternativa. Megan sabia que alternativa era o prêmio conferido apenas aos grandes matadores. - Os que veremos hoje lutam em trajes alugados, contra touros com perigosos chifres limados, que os profissionais se recusam a enfrentar.
- Por que fazem eles isso?
Felix encolheu os ombros.
- Hambre hace más daño que las cuernas. A fome é mais dolorosa que as chifradas.
Jaime voltou com quatro ingressos.
- Tudo acertado. Vamos entrar.
Megan sentia um excitamento crescente.
Ao aproximarem-se da entrada, passaram por um cartaz colocado na parede. Megan parou e olhou.
- Vejam!
Havia um retrato de Jaime Miró e, embaixo:
PROCURADO POR HOMICÍDIO
JAIME MIRÓ
500.000 PESETAS DE RECOMPENSA
POR SUA CAPTURA, VIVO OU MORTO.
E, subitamente, isso fez com que Megan se lembrasse com quem viajava, o terrorista que tinha sua vida nas mãos. Jaime estudava a fotografia. Atrevidamente, tirou o chapéu e os óculos escuros e encarou seu retrato.
- Até que é parecido. - Arrancou o cartaz da parede, dobrou-o e guardou-o no bolso.
- De que adianta? - falou Amparo. - Eles devem ter espalhado centenas de cartazes.
Jaime sorriu.
- Este em particular vai nos proporcionar uma fortuna, querida.
Ele colocou de novo o chapéu e os óculos.
Um estranho comentário, pensou Megan. Não podia deixar de admirar a tranquilidade de Jaime. Havia um ar de sólida competência em Jaime Miró que ela achava tranquilizador. Os soldados nunca o apanharão, pensou.
- Vamos entrar.
Haviam 12 espaçosas entradas para o estádio. As portas vermelhas de ferro estavam abertas, todas numeradas. Lá dentro, puestos vendiam Coca-Cola e cerveja, ao lado de pequenos banheiros. Cada seção e cada assento nas arquibancadas eram numerados. As fileiras de bancos de pedra efetuavam um círculo completo, e no meio ficava a enorme arena, coberta de areia. Havia cartazes comerciais por toda parte: BANCO CENTRAL… BOUTIQUE CALZADOS… SCHWEPPES… RADIO POPULAR…
Jaime comprara ingressos para o lado da sombra e, ao sentarem-se nos bancos de pedra, Megan olhou ao redor, admirada. Não era absolutamente como ela imaginara. Quando pequena, vira românticas fotografias coloridas da praça de touros em Madrid, imensa e ornamentada. Aquela arena era improvisada. Os espectadores lotavam rapidamente as arquibancadas.
Soou um clarim. A tourada começou.
Megan inclinou-se para a frente, os olhos arregalados. Um enorme touro entrou na arena e um matador saiu de trás de uma pequena barreira de madeira ao lado, e começou a provocar o animal.
- Os picadores virão em seguida - comentou Megan.
Jaime Miró fitou-a, surpreso. Estava preocupado com a possibilidade da tourada deixá-la angustiada, o que atrairia as atenções para o grupo. Em vez disso, porém, ela parecia estar se divertindo. Estranho.
Um picador aproximou-se do touro, montado num cavalo coberto por uma grossa manta. O touro baixou a cabeça e atacou o cavalo.
No momento em que cravou os chifres na manta, o picador enfiou uma bandarilha de dois metros e meio no dorso do touro. Megan observava, fascinada.
- Ele está fazendo isso para enfraquecer os músculos no pescoço do touro - explicou, recordando os livros tão amados que lera há tantos anos.
Felix Carpio piscou, surpreso.
- É isso mesmo, irmã.
Megan continuava a observar, enquanto as bandarilhas coloridas eram cravadas nas espáduas do touro. Agora era a vez do matador. Ele avançou pela arena, segurando no lado uma capa vermelha, com uma espada oculta. O touro virou-se e desfechou o ataque.
Megan estava mais excitada do que nunca.
- Ele fará os pases agora - comentou ela. - Primeiro o pase verónica, depois o meia-verónica e por último o rebolera.
Jaime não podia conter a curiosidade por mais tempo.
- Irmã… onde aprendeu tudo isso?
Sem pensar, Megan respondeu:
- Meu pai era um toureiro… Olhem!
A ação era tão rápida, Megan mal conseguia acompanhá-la.
O touro enfurecido continuava a atacar o matador. A cada vez que se aproximava, o matador desviava a capa vermelha para o lado e o touro a seguia.
Megan ficou preocupada.
- O que acontece se o toureiro for ferido?
Jaime encolheu os ombros.
- Numa cidade como esta, o barbeiro o levará para o estábulo e o costurará ali mesmo.
O touro tornou a atacar, e dessa vez o matador pulou da sua frente. O público vaiou.
Felix Carpio desculpou-se:
- Lamento que não seja uma luta melhor, irmã. Deveria assistir às grandes. Já vi Manolete, El Cordobés e Ordóñez. Eles transformam a tourada num espetáculo inesquecível.
- Li sobre eles - comentou Megan.
- Ouviu alguma vez a história maravilhosa sobre Manolete?
- Que história?
- Houve um tempo, segundo a história, em que Manolete era apenas um toureiro, nem melhor nem pior do que uma centena de outros. Estava noivo de uma linda moça, mas um dia um touro chifrou-o na virilha, e o médico que cuidou de Manolete explicou que ele ficaria estéril. Claro que Manolete amava tanto a noiva que não lhe contou nada, com medo de que ela não quisesse mais casar. Poucos meses depois do casamento, ela anunciou orgulhosa que estava grávida. Claro que Manolete sabia que não era seu filho e abandonou-a. A moça desolada cometeu suicídio. Manolete reagiu como um louco. Não tinha mais vontade de continuar a viver, por isso entrava na arena e fazia coisas que nenhum matador jamais fizera antes. Arriscava a vida constantemente à espera de ser morto; tornou-se assim o maior matador do mundo. Dois anos depois tornou a apaixonar-se e casou com a moça. Poucos meses depois do casamento, ela anunciou orgulhosa que estava grávida. E foi então que Manolete descobriu que o médico errara.
- Que coisa horrível… - murmurou Megan.
Jaime soltou uma risada.
- É uma história interessante, só não sei se tem algum fundo de verdade.
- Eu gostaria de pensar que sim - disse Felix.
Amparo escutava em silêncio, o rosto impassível. Observara o crescente interesse de Jaime pela freira com ressentimento. Era melhor a irmã tomar muito cuidado.
Vendedores ambulantes de avental subiam e desciam pelas passagens, anunciando suas mercadorias. Um deles aproximou-se da fileira em que Jaime e os outros se sentavam.
- Empanadas! - gritou. - Empanadas calientes!
Jaime levantou a mão.
- Aquí!
O vendedor jogou habilmente um pacote embrulhado nas mãos de Jaime. Ele entregou dez pesetas ao homem ao seu lado, para serem passadas adiante, até o vendedor. Megan observou Jaime colocar a empanada no colo e abriu com todo cuidado. Havia um pedaço de papel lá dentro. Ele leu-o e releu-o, Megan observou-o cerrar os dentes. Jaime guardou o papel no bolso e disse bruscamente:
- Vamos embora. Um de cada vez. - Virou-se para Amparo. - Você primeiro. O encontro será no portão.
Sem dizer nada, Amparo levantou-se e seguiu para o corredor.
Jaime acenou a cabeça para Felix, também se levantou e seguiu Amparo.
- O que está acontecendo? - perguntou Megan. - Algum problema?