As condições de vida no convento eram espartanas. No inverno o frio era cortante, e uma luz pálida filtrava-se pelas janelas gradeadas. As freiras dormiam plenamente vestidas em enxergas de palha, cobertas por mantas ásperas de lã, cada uma em sua pequena cela, mobilada apenas com uma cadeira de pau, de encosto reto.
Não havia lavatório, um pequeno jarro de barro e uma bacia ficava no chão, no canto da cela. Nenhuma freira tinha permissão para entrar na cela da outra, à exceção da reverenda madre Betina. Não havia nenhum tipo de recreação, apenas trabalho e orações.
Havia áreas de trabalho para tricotar, encadernar livros, fiar e fazer pão. Havia oito horas de oração diárias: matinas, laudes, primas, terças, sextas, nonas, vésperas e completas. Havia ainda outras devoções: bênçãos, hinos e litanias.
Matinas era a oração que se fazia quando metade do mundo estava dormindo e a outra metade absorvida no pecado.
Laudes, o ofício do amanhecer, seguia-se às matinas, o nascer do sol aclamando como a figura de Cristo, triunfante e glorificado.
Primas era a oração matutina da igreja, pedindo as bênçãos para as obras do dia.
Terças, acontecia às nove horas da manhã, consagrada por Santo Agostinho ao Espírito Santo.
Sextas, eram às onze e meia, evocada para extinguir o calor das paixões humanas.
Nonas, era recitada em silêncio às três horas da tarde, a hora da morte de Cristo.
Vésperas, era o serviço vespertino da igreja, como laudes fora a oração do amanhecer.
Completas, eram às últimas horas canônicas dos ofícios divinos. Uma forma de orações noturnas, um preparativo para a morte e também para o sono, encerrando o dia com uma declaração de submissão amorosa: Manus tuas, domine, comendo spiritum meum. Redemisti nos, domine, deus, veritatis.
Em algumas das outras ordens a flagelação fora abolida, mas sobrevivia nos conventos e mosteiros Cistercienses de clausura.
Pelo menos uma vez por semana, e às vezes todos os dias, as freiras puniam seus corpos com a Disciplina, um açoite de trinta centímetros de comprimento, de corda fina, encerado, com seis pontas nodosas que provocavam uma dor angustiante; era usado para espancar as costas, pernas e nádegas. Bernard de Clairvaux, o ascético abade dos Cistercienses, advertira: "O corpo de Cristo está aniquilado… nossos corpos devem se conformar à semelhança do corpo ferido de Nosso Senhor."
Era uma vida mais austera do que em qualquer prisão, mas as irmãs viviam em êxtase, como jamais ocorrera no mundo exterior. Haviam renunciado ao amor físico, bens pessoais e liberdade de opção, mas ao abrirem mão dessas coisas também renunciaram à ganância e competição, ódio e inveja, a todas as pressões e tentações que o mundo exterior impunha. No interior do convento reinava uma paz absoluta e o inefável sentimento de alegria pela união com Deus. Havia uma serenidade indescritível dentro dos muros e nos corações das mulheres que ali viviam.
Se o convento era uma prisão, tratava-se de uma prisão no Éden de Deus, com o conhecimento de uma eternidade feliz para as que escolheram livremente ingressar e permanecer ali.
A irmã Lucia foi despertada pelo repicar do sino do convento. Abriu os olhos surpresa e desorientada por um momento.
Na pequena cela em que dormia ainda estava escuro, uma escuridão desoladora. O som do sino avisava-lhe que eram três horas da madrugada, quando o ofício das vigílias começava.
"Droga! Esta rotina vai me matar", pensou irmã Lucia.
Recostou-se no catre pequeno e desconfortável, desesperada por um cigarro. Relutante, saiu da cama. O pesado hábito que usava até para dormir roçava contra sua pele sensível como lixa.
Pensou em todas as lindas roupas de estilistas penduradas em seu apartamento em Roma e no Chalé em Gstaad.
Irmã Lucia podia ouvir o movimento suave e farfalhante das freiras, reunindo-se no corredor. Negligente, ela arrumou a cama e também saiu para o extenso corredor, onde freiras entravam em fila, olhos abaixados. Lentamente, todas começavam a encaminhar-se para a capela.
"Parecem um bando de pinguins idiotas", pensou irmã Lucia. Não conseguia entender porque aquelas mulheres haviam deliberadamente renunciado às suas vidas, desistindo de sexo, belas roupas e boa comida. "Sem estas coisas, que motivo existe para continuar a viver? E as malditas regras!"
Quando irmã Lucia entrara no convento, a reverenda madre avisara-lhe:
- Deve andar com a cabeça baixa. Mantenha as mãos cruzadas por dentro do hábito. Dê passos curtos. Ande devagar. Nunca deve fazer contato visual com qualquer das outras irmãs ou sequer olhar para elas. Não pode falar. Seus ouvidos são para escutar as palavras de Deus.
- Está bem, reverenda madre.
Durante o mês seguinte Lucia recebera as instruções.
- As que vieram para cá não tinham a intenção de se juntarem às outras, mas sim habitar a sós com Deus. A solidão do espírito é essencial para uma união com Deus. É salvaguardada pelas regras do silêncio.
- Está bem, reverenda madre.
- Deve sempre obedecer ao silêncio dos olhos. Fitar as outras nos olhos a distrairia com imagens inúteis.
- Está bem, reverenda madre.
- A primera lição que aprenderá aqui será retificar o passado, expulsar os velhos hábitos e inclinações seculares, apagar todas as imagens do passado. Fará penitência de purificação e mortificação para se despojar da vontade e amor próprios. Não basta se arrepender das ofensas passadas. Quando compensar não apenas seus pecados, mas também por todos os pecados que já foram cometidos.
- Está bem, reverenda madre.
- Deve lutar contra a sensualidade, o que João da Cruz chamou de "a noite dos sentidos".
- Está bem, reverenda madre.
- Cada freira vive em silêncio e solidão, como se já estivesse no céu. Nesse silêncio puro e precioso, pelo qual tanto anseia, ela é capaz de escutar o silêncio infinito e possuir Deus.
Ao final do primeiro mês, Lucia recebera os votos iniciais.
Tivera que cortar os cabelos no dia da cerimônia. Fora uma experiência traumática. A reverenda madre cuidava disso pessoalmente. Convocara Lucia à sua sala e fizera um sinal para que ela se sentasse. Prostrara-se às suas costas e, antes que Lucia percebesse o que estava acontecendo, ouvira o barulho da tesoura e sentira alguma coisa puxando-lhe os cabelos.
Começara a protestar, mas compreendera subitamente que aquilo só podia melhorar o seu disfarce. "Poderei deixá-lo crescer de novo mais tarde", pensara. "Enquanto isso, ficarei parecendo uma galinha depenada."
Ao voltar para o cubículo lúgubre que lhe fora designado Lucia pensara: "Este lugar é um ninho de serpentes." O chão consistia de tábuas soltas. A enxerga e a cadeira de encosto reto ocupava a maior parte do espaço. Sentira-se ansiosa por ler um jornal. "Não há a menor possibilidade", refletia. Naquele lugar nunca tomava conhecimento dos jornais, muito menos escutavam rádio ou viam televisão. Não havia qualquer ligação com o mundo exterior.
Contudo, o que mais afetava os nervos de Lucia era o silêncio desolador. A única comunicação era feita através de sinais com as mãos, e aprendê-los a levara a loucura. Quando precisava de uma vassoura, devia deslocar a mão direita estendida da direita para a esquerda, como se estivesse varrendo.
Quando a reverenda madre estava insatisfeita, unia os dedos mínimos três vezes, na frente do corpo, os outros dedos comprimidos contra as palmas. Quando Lucia se mostrava lenta na execução de seu trabalho, a reverenda madre comprimia a palma da mão direita contra o ombro esquerdo. Para censurar Lucia, ela coçava a própria face, perto do ouvido direito, com todos os dedos da mão direita, num movimento para baixo.
"Pelo amor de Deus", pensava Lucia, "parece que ela está coçando uma mordida de pulga."
Elas chegaram à capela. As freiras rezaram silenciosamente; contudo, os pensamentos de irmã Lucia se concentravam em coisas mais importantes do que Deus.