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Felix Carpio pensava em Jaime e Megan. "Um cego pode ver a eletricidade entre os dois", pensou. "Vai trazer azar. As freiras pertencem a Deus. Já é bastante ruim que Ricardo tenha afastado irmã Graciela de sua vocação." Mas Jaime sempre fora afoito. O que faria com aquela?

Os cinco reuniram-se para jantar no restaurante do hotel.

Ninguém mencionou Amparo. Olhando para Jaime, Megan sentiu-se subitamente embaraçada, como se ele pudesse ler seus pensamentos.

"É melhor não fazer perguntas", decidiu ela. "Sei que ele nunca faria qualquer coisa brutal."

Descobriram que Largo Cortez não exagerara sobre o jantar.

A refeição começou com gazpacho - a sopa fria e grossa, feita com tomates, pepinos e pão encharcado na água -, seguida por uma salada de folhas e um enorme prato de paella - arroz, camarão, galinha e legumes - e encerrava com um saboroso pudim. Era a primeira refeição quente que Ricardo e Graciela faziam em muito tempo.

Megan levantou-se ao terminar de comer.

- Preciso me deitar.

- Espere um pouco - disse Jaime. - Quero falar com você. - Levou-a para um canto deserto do saguão. - Sobre amanhã…

- O que tem? - Sabia o que Jaime ia perguntar. O que não sabia era o que ela responderia. "Eu mudei", refletiu Megan. "Tinha certeza absoluta da minha vida antes. Acreditava ter tudo o que queria."

- Não quer realmente voltar ao convento, não é mesmo? - indagou Jaime.

"Será que eu quero? Preciso ser sincera com ele", pensou Megan. Fitou-o nos olhos e disse:

- Não sei o que quero, Jaime. Estou muito confusa.

Ele sorriu. Hesitou por um instante, escolheu as palavras com todo cuidado:

- Megan… esta luta acabará em breve. Conseguiremos o nosso objetivo, porque o povo está do nosso lado. Não posso lhe pedir para partilhar o perigo comigo agora, mas eu gostaria que esperasse por mim. Tenho uma tia que mora na França. Estará segura com ela.

Megan fitou-o em silêncio por um longo tempo, antes de dizer:

- Jaime… dê-me algum tempo para pensar a esse respeito.

- Então não está dizendo não?

- Não estou dizendo não - respondeu ela suavemente.

Ninguém do grupo dormiu naquela noite. Tinham muito em que pensar, vários conflitos a resolver.

Megan permaneceu acordada, reconstruindo o passado. Os anos passados no orfanato e o santuário no convento… Então a súbita expulsão para o mundo a que renunciara para sempre. Jaime Miró arriscava a vida lutando por aquilo em que acreditava. "E em que eu posso acreditar?", perguntou-se Megan. "Como quero passar o resto da minha vida?"

Uma vez fizera uma opção. Agora, era obrigada a optar de novo. Precisaria decidir-se até à manhã seguinte.

Graciela também pensava no convento.

"Foram anos muito felizes e tranquilos. Sentirei falta?"

Jaime pensava em Megan.

"Ela não deve voltar. Quero-a ao meu lado. Qual será sua resposta?"

Ricardo estava excitado demais para dormir, absorto nos planos para o futuro.

"A igreja em Bayonne…"

Felix especulava sobre como se livrar do corpo de Amparo.

"É melhor deixar que Largo Cortez cuide disso."

Na manhã seguinte, bem cedo, o grupo reuniu-se no saguão.

Jaime aproximou-se de Megan.

- Bom dia.

- Bom dia.

- Pensou em nossa conversa?

Ela não pensara noutra coisa durante a noite inteira.

- Pensei sim, Jaime.

Ele fitou-a nos olhos, tentando encontrar a resposta.

- Vai esperar por mim?

- Jaime…

Nesse momento Largo Cortez encaminhou-se para eles, apressado. Estava acompanhado por um homem de aparência curtida, na casa dos cinquenta anos.

- Lamento, mas não haverá tempo para o desjejum - disse Cortez. - Devem partir logo. Este é José Cebrián, o guia. Ele os levarà através das montanhas para a França. É o melhor guia de San Sebastián.

- Prazer em conhecê-lo, José - disse Jaime. - Qual é seu plano?

- Faremos a primeira parte do percurso a pé - respondeu José Cebrián. - Já providenciei para que carros nos esperem no outro lado da fronteira. Devemos nos apressar. Vamos embora agora, por favor.

O grupo saiu para a rua, invadida pelos raios do sol da manhã.

- Boa viagem - desejou Largo Cortez na entrada do hotel.

- Obrigado por tudo - respondeu Jaime. - E voltaremos, amigo. Mais cedo do que imagina.

- Seguiremos por aqui - ordenou José Cebrián.

O grupo começou a virar-se na direção da praça. E nesse momento soldados e agentes do GOE surgiram de repente nos dois lados da rua, fechando-a. Havia pelo menos uma dúzia, todos fortemente armados. Os coronéis Acoca e Sostelo comandavam o grupo.

Jaime olhou rapidamente para a praia, à procura de um caminho de fuga. Mas uma dúzia de soldados aproximava-se vindo daquela direção. Não havia escapatória. Teriam de lutar. Instintivamente, Jaime estendeu a mão para a arma.

O coronel Acoca gritou:

- Nem pense nisso, Miró, ou fuzilaremos todos vocês aqui mesmo.

A mente de Jaime estava em turbilhão, à procura de uma saída. Como Acoca soubera onde encontrá-lo? Jaime virou-se e avistou Amparo parada na porta, com uma expressão de profundo pesar.

- Mas que merda! - exclamou Felix. - Pensei que você…

- Pensei que lhe tivesse dado um pó sonífero forte, suficiente para mantê-la desacordada até cruzarmos a fronteira.

- Sacana!

O coronel Acoca aproximou-se de Jaime.

- Está acabado. - Ele virou-se para um dos seus homens. - Pode desarmá-los.

Felix e Ricardo olharam para Jaime, à espera de uma orientação. Relutante, ele entregou a arma. Felix e Ricardo seguiram o exemplo.

- O que vai fazer conosco? - perguntou Jaime.

Várias pessoas haviam parado para assistir à cena.

O coronel Acoca respondeu ríspido:

- Levarei você e sua quadrilha de assassinos para Madrid. Concederemos a todos um julgamento militar justo e depois os enforcaremos. Se dependesse de mim, eu o enforcaria aqui mesmo.

- Deixe as irmãs partirem - pediu Jaime. - Elas não têm nada a ver com isso.

- Elas são cúmplices; tão culpadas quanto vocês.

O coronel Acoca voltou-se e fez um sinal. Os soldados gesticularam para que a crescente multidão de pedestres se afastasse, para dar passagem aos três caminhões militares.

- Vocês e seus assassinos irão no caminhão do meio - informou o coronel a Jaime. - Meus homens estarão na frente e retaguarda. Se algum de vocês fizer um movimento em falso, eles têm ordens para matar todos. Está me entendendo?

Jaime assentiu. O coronel Acoca cuspiu-lhe no rosto.

- Ótimo. E agora entrem no camião.

Amparo observava impassível da porta do hotel, enquanto Jaime, Megan, Graciela, Ricardo e Felix subiam no caminhão, cercados de soldados empunhando armas automáticas. O coronel Sostelo foi até ao motorista do primeiro caminhão.

- Seguiremos direto para Madrid. Nada de paradas pelo caminho.

- Está bem, coronel.

Àquela altura, muitas pessoas agrupavam-se nas duas extremidades da rua assistindo ao que estava acontecendo. O coronel Acoca começou a subir no primeiro caminhão. Gritou para os que estavam no caminho:

- Saiam da frente! - gritou de novo Acoca. - Saiam da passagem!

E as pessoas continuavam a chegar, os homens usando as enormes chapellas bascas. Era como se respondessem a algum sinal invisível. "Jaime Miró está em perigo." As pessoas vinham de lojas e casas. Donas-de-casa largaram seus serviços e saíam para a rua. Comerciantes prestes a abrirem suas lojas eram informados do acontecido e corriam para a rua do hotel. E mais pessoas chegavam. Artistas, encanadores e doutores, mecânicos, vendedores e estudantes, muitos carregando espingardas e rifles, machados e foices. Eram bascos, e aquela era sua pátria. Começou com poucos, logo havia uma centena e em poucos minutos cresceu para mais de mil, lotando calçadas e ruas, cercando os camiões militares. Mantinham um silêncio ameaçador.