"Mais um ou dois meses, quando a polícia parar de me procurar, sairei deste hospício."
Depois das orações matutinas, irmã Lucia marchou com as outras para o refeitório, violando furtivamente os regulamentos, como fazia todos os dias, ao estudar os rostos das companheiras.
A sua única diversão. Ela achava incrível pensar que nenhumas das irmãs sabia como as outras pareciam.
Sentia-se fascinada pelos rostos das freiras. Algumas eram jovens, algumas velhas, outras bonitas, e feias. Não podia compreender por que todas pareciam tão felizes. Havia três rostos que Lucia achava particularmente interessantes. Um era o da irmã Teresa, que parecia ter cerca de sessenta anos. Estava longe de ser bonita, mas possuía uma espiritualidade que lhe proporcionava um encanto quase sublime. Parecia estar sempre sorrindo interiormente, como se estivesse por dentro de algum segredo maravilhoso.
Outra freira que Lucia considerava fascinante era a irmã Graciela, uma mulher de beleza extraordinária, com trinta e poucos anos. Tinha a pele azeitonada, feições refinadas, olhos que pareciam poços negros luminosos.
"Ela poderia ter sido uma estrela de cinema", pensou Lucia.
"Qual é a sua história? Por que se enterraria num lugar como este?"
A terceira freira que lhe atraía o interesse era a irmã Megan. Olhos azuis, sobrancelhas e pestanas louras. Tinha vinte e poucos anos, rosto viçoso e franco.
"O que ela está fazendo aqui? O que todas essas mulheres estão fazendo aqui? Ficam trancafiadas por trás desses muros, dormindo numa cela mínima, uma comida horrível, oito horas de orações, trabalho árduo e muito pouco sono. Devem ser loucas… todas elas."
Estava numa situação melhor do que as outras, porque teriam de ficar ali pelo resto de suas vidas, enquanto ela sairia dentro de um ou dois meses. "Talvez três", pensou. "Este é um esconderijo perfeito. Eu seria uma tola se fosse embora de forma precipitada. Dentro de poucos meses a polícia vai pensar que morri. Quando sair daqui e pegar meu dinheiro na Suíça, talvez escreva um livro a respeito desse hospício."
Poucos dias antes, a reverenda madre pedira à irmã Lucia que fosse ao escritório para buscar um papel; enquanto estava ali, ela aproveitara para começar a revistar os arquivos.
Infelizmente, fora surpreendida no ato de bisbilhotar.
- Fará penitência com a Disciplina - decidira a reverenda madre Betina.
Irmã Lucia baixara a cabeça humildemente e sinalizava:
- Sim, reverenda madre.
Lucia votara à sua cela, e minutos depois as freiras passando pelo corredor puderam ouvir o som terrível do açoite assoviando pelo ar e caindo várias vezes. O que não podia saber era que a irmã Lucia estava açoitando a cama.
"Essas malucas podem ser sadomasoquistas, mas eu não vou entrar nessa."
Elas estavam sentadas no refeitório, quarenta freiras, em duas mesas compridas. A dieta Cisterciense era rigorosa vegetariana. Como o corpo ansiava por carne, o seu consumo era proibido. Muito antes do amanhecer, era servido uma xícara de chá ou café e um pedaço de pão seco. A refeição principal era feita às onze horas da manhã e consistia de uma sopa rala, uns poucos legumes, e de vez em quando um pedaço de fruta.
A reverenda madre tinha instruído Lucia:
- Não estamos aqui para agradar a nossos corpos, mas sim para agradar a Deus.
"Eu não serviria este desjejum a meu gato", pensou irmã Lucia. "Estou aqui há dois meses, e aposto que já perdi uns quatro ou cinco quilos. É a versão divina de uma dieta rigorosa."
Quando o desjejum terminou, duas freiras levaram bacias de lavar louça para as extremidades das mesas. As irmãs em cada mesa levaram seus pratos para a irmã com a bacia, que lavou cada um, enxugou com uma toalha e devolveu à outra irmã. A água foi ficando cada vez mais escura e gordurosa.
"E elas vão viver assim pelo resto de suas vidas", pensou irmã Lucia, repugnada. "Mas não posso me queixar. Ainda é melhor do que uma sentença de prisão perpétua…"
Ela seria capaz de trocar sua alma imortal por um cigarro.
A meio quilômetro dali, pela estrada, o coronel Ramón Acoca e duas dúzias de homens cuidadosamente escolhidos do "GOE", o Grupo de Operaciones Especiales, preparava-se para atacar o convento.
Capítulo 4
O coronel Ramón Acoca possuía os instintos de um caçador.
Adorava a perseguição, mas era o ato de matar que lhe proporcionava uma satisfação visceral. Confidenciara certa vez a um amigo: "Tenho um orgasmo quando mato. Não faz diferença se é um cervo, um coelho ou um homem… Há alguma coisa em tirar a vida que faz com que uma pessoa se sinta como Deus."
Agora trabalhava no serviço de informações militares e alcançara uma reputação de ser brilhante rapidamente. Era destemido, implacável e inteligente, uma combinação que atraíra a atenção de um dos auxiliares diretos do general Franco.
Ingressara no estado-maior de Franco como tenente, e em menos de três anos alcançara o posto de coronel, uma façanha sem precedentes. Recebera o comando dos falangistas, o grupo especial usado para aterrorizar os opositores a Franco.
Fora durante a guerra que Acoca recebera a visita de um emissário do "OPUS DEI"
- Quero que compreenda que estamos lhe falando com permissão do general Franco.
- Claro, Senhor.
- Estamos observando-o há algum tempo, coronel. E estamos satisfeitos com o que vemos.
- Obrigado, Senhor.
- De vez em quando, temos certas missões que são digamos assim… confidenciais. E muito perigosas.
- Eu compreendo, senhor.
- Temos muitos inimigos. Pessoas que não compreendem a importância do trabalho que realizamos.
- Posso imaginar, senhor.
- Às vezes elas interferem em nossos planos. Não podemos permitir que isso aconteça.
- Claro que não, senhor.
- Creio que poderíamos usar um homem como você, coronel. Acho que nos compreendemos.
- Claro, senhor. Eu me sentiria honrado em prestar qualquer serviço.
- Gostaríamos que permanecesse no exército. Isso será valioso para nós. Mas de vez em quando vamos designá-lo para atuar em nossos projetos especiais.
- Obrigado, senhor.
- Nunca deve falar sobre isso com ninguém.
- Nunca, senhor.
O homem deixara Acoca nervoso. Havia alguma coisa nele que era extremamente assustadora.
Com o tempo, o coronel Acoca fora convocado a realizar algumas missões para o "OPUS DEI". Como fora avisado, todas eram perigosas. E absolutamente confidenciais.
Numa dessas missões, Acoca conhecera uma linda moça, de excelente família. Até aquele momento, todas as suas mulheres tinham sido prostitutas ou vivandeiras. Acoca sempre as tratava com um desdém brutal. Algumas chegaram a se apaixonar por ele, atraídas por sua força. Essas recebiam o pior tratamento.
Mas Susana Cerredilla pertencia a um mundo diferente. O pai era professor na Universidade de Madrid, e a mãe, uma advogada.
Susana tinha 17 anos, corpo de uma mulher e o rosto angelical de uma Madona. Ramón Acoca jamais conhecera ninguém como aquela criança-moça. Sua gentil vulnerabilidade despertara-lhe uma ternura que jamais imaginara poder sentir. Apaixonou-se loucamente por ela, e o sentimento foi recíproco, por razões que nem os pais nem Acoca compreendiam.
A lua-de-mel fora como se Acoca tivesse conhecido outra mulher. Conhecera o desejo, mas não a combinação de amor e paixão era algo que nunca experimentara antes.
Três meses depois do casamento, Susana informava-lhe que estava grávida. Acoca sentira a maior emoção. Para aumentar sua alegria, fora destacado para um posto na linda aldeia de Castiblanco, no país basco. Era o outono de 1936, quando a luta entre republicanos e nacionalistas se tornava mais ferrenha.
Numa tranquila manhã de domingo, Ramón Acoca e a sua esposa tomavam café na Plaza da aldeia quando subitamente surgiram vários manifestantes bascos.