Lucia sentiu um aperto no coração.
- Isso mesmo. Angelo Carmine.
Ele estudou-a por um instante.
- A conta tem dois nomes.
Isso significa que ela não poderia movimentá-la?
- O quê… - Ela mal conseguia falar. -…qual é o outro nome?
- Lucia Carmine.
E nesse instante ela possuiu o mundo.
Na conta estavam depositados poucos mais de 13 milhões de dólares.
- O que deseja que façamos? - perguntou o homem.
- Pode transferir para uma das suas filiais no Brasil? No Rio?
- Claro. Mandaremos a documentação para a senhorita esta tarde.
Era simples assim.
A parada seguinte de Lucia, foi numa agência de viagens, perto do hotel. Havia um cartaz grande na vitrine, anunciando o Brasil.
É um presságio, pensou Lucia, feliz. Ela entrou.
- Em que posso servi-la?
- Gostaria de comprar duas passagens para o Brasil.
"Não há leis de extradição lá."
Mal podia esperar para contar tudo a Rubio. Ele estava em Biarritz, aguardando seu telefonema. Viajariam juntos para o Brasil.
- Podemos viver em paz lá pelo resto de nossas vidas - dissera-lhe Lucia.
Agora, tudo estava finalmente acertado. Depois de tantas aventuras e perigos… a prisão de seu pai e irmãos, a vingança contra Benito Patas e o juiz Buscetta… a polícia à sua procura, e a fuga para o convento… os homens de Acoca e o falso frade… Jaime Miró, Teresa e a cruz de ouro… E Rubio Arzano. Acima de tudo, o querido Rubio. Quantas vezes Rubio arriscara a vida por ela? Salvara-a dos soldados no bosque… das águas impetuosas nas corredeiras… dos homens no bar em Aranda de Duero. O simples ato de pensar em Rubio deixava-a enternecida.
Voltou a seu quarto no hotel, pegou o telefone e aguardou que a telefonista atendesse.
"Haverá alguma coisa para ele fazer no Rio. Mas o quê? O que ele pode fazer? Provavelmente vai querer comprar uma fazenda em algum lugar do Brasil. E o que eu faria então?"
- Número, por favor - falou a telefonista.
Lucia ficou olhando em silêncio para os picos nevados dos Alpes.
"Temos duas vidas diferentes, Rubio e eu. Sou a filha de Angelo Carmine."
- Número, por favor?
"Ele é um camponês. Adorava a vida numa fazenda. Como eu poderia separá-lo disso?"
A telefonista começava a ficar impaciente.
- Em que posso ajudá-la? O que deseja?
- Nada. Nada, obrigada - respondeu Lucia lentamente. Ela desligou.
No início da manhã seguinte, embarcou num voo da Suíça para o Rio.
Sozinha.
Capítulo 39
A reunião teria lugar na luxuosa sala de estar da casa de Ellen Scott. Ela andava de um lado para outro, ansiosa pela chegada de Alan Tucker com a garota. Não. Não uma garota. Uma mulher. Uma freira. Como seria ela? O que a vida lhe fizera? O que eu fiz com ela?
O mordomo entrou.
- Seus visitantes chegaram, madame.
Ela respirou fundo.
- Mande-os entrar.
Um momento depois, Megan e Alan Tucker estavam na sala.
Ela é linda, pensou Ellen.
Tucker sorriu.
- Srª Scott, esta é Megan.
Ellen fitou-o e disse suavemente:
- Não vou mais precisar de você.
Suas palavras tinham uma finalidade inequívoca. O sorriso de Tucker desapareceu.
- Adeus, Tucker.
Ele continuou parado ali por um momento, indeciso, depois balançou a cabeça e se retirou. Não podia reprimir a impressão de que perdera alguma coisa. E importante. "Muito tarde", pensou. "Tarde demais."
Ellen Scott estudava Megan.
- Sente-se, por favor.
Megan sentou-se, e Ellen Scott também, as duas ficaram se examinando.
Ela é parecida com a mãe, pensou Ellen. Cresceu para se tornar uma linda mulher. E Ellen Scott recordou a noite terrível do acidente, a tempestade e o avião em chamas…
"Você disse que ela estava morta…"
"Podemos dar um jeito… O piloto disse que estávamos perto de Ávila. Deve haver muitos turistas por lá. Não há motivo para alguém relacionar a criança com o desastre de avião… Vamos deixá-la numa linda casa de fazenda nos arredores da cidade. Alguém a adotará e ela crescerá para levar uma vida maravilhosa aqui… Você tem de optar, Milo. Pode ter a mim ou pode passar o resto de sua vida trabalhando para a filha do seu irmão."
E agora o passado estava ali, confrontando-a. Por onde começar?
- Sou Ellen Scott, presidente da Scott Industries. Já ouviu falar?
- Não.
Claro que ela não poderia conhecer, Ellen censurou-se.
Seria mais difícil do que ela previra. Inventara uma história sobre a velha amiga da família que morrera, e uma promessa de tomar conta de sua filha - mas no momento em que olhava pela primeira vez para Megan, Ellen compreendera que não daria certo. Não tinha escolha. Devia torcer para que Patricia… Megan… não destruísse tudo. Refletiu sobre o que fizera com a mulher sentada à sua frente, e seus olhos se encheram de lágrimas. "Mas é tarde demais para lágrimas. É hora de corrigir tudo. É hora de contar a verdade." Inclinou-se e pegou a mão de Megan.
- Tenho uma história para lhe contar - disse, calma.
Isso acontecera três anos antes. Durante o primeiro ano, até ficar doente demais para continuar, Ellen Scott mantivera Megan sob sua proteção. Megan fora trabalhar na Scott Industries, e sua aptidão e inteligência encantara a velha senhora, dando-lhe uma aparência mais nova e reforçando-lhe a vontade de viver.
- Terá de trabalhar com afinco - avisara Ellen. - Aprenderá, como eu tive de aprender. No começo será difícil, mas no final se tornará sua vida.
E fora o que ocorrera. Megan trabalhava em horas que nenhum de seus empregados podia conceber.
- Você tem de chegar ao escritório às quatro horas da madrugada e trabalhar o dia inteiro. Será capaz?
Megan sorriu e pensou: "Se eu dormisse até às quatro horas da madrugada no convento, irmã Betina me repreenderia."
Ellen Scott morrera, mas Megan continuara a aprender, observando a companhia crescer. Sua companhia. Ellen Scott a adotara.
- Assim não teremos de explicar por que você é uma Scott - dissera ela.
Mas havia um tom de orgulho em sua voz.
É irônico, pensara Megan. Todos aqueles anos no orfanato, e ninguém quis me adotar. Agora, sou adotada por minha própria família. Deus tem um maravilhoso senso de humor.
Capítulo 40
Um novo homem estava no volante do carro de fuga, e isso deixava Jaime Miró nervoso.
- Não confio nele - explicou Jaime a Felix. - E se ele for embora e nos deixar?
- Relaxe. Ele é cunhado do meu primo. Fará tudo certo. Há muito que suplica por uma oportunidade de sair conosco.
- Tenho um terrível pressentimento - insistiu Jaime.
Eles haviam chegado a Sevilha no início daquela tarde e examinado meia dúzia de bancos, antes de escolherem o alvo.
Era um banco numa rua transversal, pequeno, não havia muito movimento, perto de uma fábrica que efetuava seus depósitos ali. Tudo parecia perfeito. Exceto pelo homem no carro de fuga.
- Ele é tudo o que o preocupa? - perguntou Felix.
- Não.
- O que mais?
Era difícil responder.
- Digamos que é uma premonição.
Jaime falou jovialmente, escarnecendo de si mesmo. Felix levou a sério.
- Quer que eu suspenda a operação?
- Porque estou hoje com os nervos de uma velha lavadeira? Nada disso, amigo. Tudo correrá tão macio quanto seda.
E, no começo, fora o que acontecera.
Havia poucos clientes no banco, e Felix mantivera-os imobilizados com uma arma automática, enquanto Jaime esvaziava as gavetas dos caixas. Suave como seda. Quando os dois saíam, encaminhando-se para o carro de fuga, Jaime gritou:
- Lembrem-se, amigos, que o dinheiro é para uma boa causa.
Foi na rua que tudo começou a desmoronar. Havia guardas por toda a parte. O motorista do carro estava ajoelhado na calçada, a pistola de um guarda encostada em sua cabeça.